Por Siro Darlan –
Série Presídios XXIX.
“A história tem mostrado que a fiscalização (policial) se dá de uma forma muita mais expressiva sobre a população negra. A questão chegou ao Supremo por intermédio de um voto do ministro Edson Fachin: o perfilhamento racial acaba sendo decisivo para a escolha de quem abordar.”
Desembargador Marcelo Semer TJSP.
As pesquisas mostram que a população carcerária é de cor preta e os juízes de cor quase exclusivamente branca. O oficiais da Policia Militar do Rio de Janeiro são predominante brancos, mas os praças, cabos e sargentos que prendem são de maioria branca. Os senhores de Escravos eram brancos, mas os Capitães do mato eram pardos e pretos. A história se repete e o Decreto de Isabel não se faz presente na prática persecutória brasileira.
Os policiais costumam narrar os fatos flagrâncias identificando o “suspeito” como indivíduo negro. A cor da pele costuma ser o fator primordial na narrativa dos policiais que prendem. Encontra-se em debate na Suprema Corte do país a questão do perfilhamento racial. Esse tema deve ser enfrentado não apenas pelo judiciário, mas sobretudo pelos professores, educadores, pedagogos e os que detêm o comando do processo educacional e cultural. Muitos ainda olham para o próximo de cima para baixo e esse é um dos motivos desse imenso fosso de desigualdades e violência racial.
Em mais de cinco mil processos analisados pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, constatou-se que o perfil dos réus nos crimes de tráfico de drogas é de homem (87%), jovem (72%), solteiro (55%), negro (67%), baixa escolaridade (67%), desempregado ou autônomo (66%), passagem anterior no sistema (50%), reincidência (17%) e pertencimento a facção criminosa (13%).
O resultado danoso dessa “guerra às drogas”, na verdade é às pessoas, os vulneráveis, os desvalidos, os que não produzem para o capital lucrar, demonstra a pesquisa ao classificar os procedimentos da detenção à condenação num país que mantém em cárcere 45% dos que respondem a procedimentos criminais. Apontam os pesquisadores que as prisões resultantes da atuação de um órgão policial não especializado (80%), movida contra um réu preso em flagrante (92%), pela Polícia Militar (77%), em via pública (51%), detido permanece em prisão preventiva (80%), com defesa tênue (54%), por defensor público ou dativo (55%), réu absolvido (18%), pena média; 5 anos, 7 meses e 17 dias de reclusão, em regime fechado, sem direitos a recorrer em liberdade.
A cultura da prisão inútil e desnecessária prevalece e a covardia maior é contra a população preta e pobre. Notem que não há investigação e colheita de provas pela polícia nem pelos órgãos de acusação. Limitam-se ao flagrante e a palavra dos policiais, que juízes põe fé inabalável e tem até uma Sumula 70 que a coloca na categoria de papal de infalibilidade, mesmo com todas as irregularidades das invasões de domicílio, sem mandato judicial, os reconhecimentos malfeitos e induzidos pelos policiais maculam todo processo legal e o spoiler se dá com a prisão: condenado! Essa é a prática do estado terrorista que paga para uma polícia ostensiva, sem nenhum trabalho investigativo ou científico prender pobres e negros.
Com essa prática inconstitucional, aliás reconhecida pela Suprema Corte, jovens negros e pobres das favelas e periferias, desempregados e sem estudos são encarcerados sob “fundamento” de estarem e atitude suspeita. Isso quando juízes não fundamentam suas condenações afirmando que se moram ou foram presos em determinada área dominada por facções criminosas, não há como negar que estão associadas a elas.
Os pesquisadores constataram ainda que no universo de 5,1 mil réus por tráfico de drogas no primeiro semestre de 2019, é a população negra, jovem e pobre o alvo preferencial desse tipo de crime e vão parar no sistema penitenciário. A maioria das sentenças apontam verbos tipificadores desconhecidos pelos acusados tais como “guardar”, “possuir”, “transportar” ou “trazer consigo” as drogas. Aparecem ainda na pesquisa os verbos “vender”, “fornecer”, entregar”, “distribuir”, “adquirir”, “comprar” e “receber”.
Apenas em 4% dos processos decorreram de investigações criminais prévias, e a “atitude suspeita”, altamente subjetiva do policial, fundamenta 33% das abordagens que resultam em flagrante. Em 17% das abordagens sequer há apreensão de substância ilícita com os réus. O conjunto de provas é baseado exclusivamente no depoimento dos agentes de segurança em 93% das prisões. Os pesquisadores ficaram surpresos com o número de casos de entrada em domicílio sem mandado judicial, que são validadas pelo sistema de justiça. A pesquisa constatou o “viés racial na criminalização de pessoas”.
Com 919.651 presos, apontados pelo Conselho Nacional de Justiça em junho de 2022, o Brasil se mantém na terceira posição dos países mais encarceradores, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
Leia também:
1- A roubada dos presídios federais – por Siro Darlan e Raphael Montenegro
2- Para que servem os presídios? – por Siro Darlan
3- Como transformar seres humanos em seres sem dignidade humana – por Siro Darlan
4- A guerra aos povos pobres e negros com nome de “guerra às drogas” – por Siro Darlan
5- O dia que a casa caiu – por Siro Darlan
6- Isso é uma vergonha, diz o Ministro Gilmar Mendes – por Siro Darlan
7- “Bandido bom é bandido morto” – por Siro Darlan
8- A pena não pode passar da pessoa condenada – por Siro Darlan
9- O Dia do Detento – por Siro Darlan
10- Para além das prisões – por Siro Darlan
11- Justiça Restaurativa – por Siro Darlan
12 – Alternativas à privação da liberdade – por Siro Darlan
13- Quem nasceu primeiro o cidadão infrator ou o Estado criminoso? – por Siro Darlan
14- A ponte para a liberdade – por Siro Darlan
15- O Estado Criminoso – por Siro Darlan
16- O Estado Criminoso II – por Siro Darlan
17- O Estado Criminoso III – por Siro Darlan
18- O Estado Criminoso IV – por Siro Darlan
19- O Estado Criminoso V – por Siro Darlan
20- O Estado Criminoso VI – por Siro Darlan
21- O Estado Criminoso VII – por Siro Darlan
22- O Estado Criminoso VIII – por Siro Darlan
23- SEAP no banco dos réus – por Siro Darlan
24- Homicídios – por Siro Darlan
25- Desvio de dinheiro público / alimentos superfaturados / enriquecimento ilícito – por Siro Darlan
26- Trabalho em condições análogas à escravidão / prevaricação / omissão de socorro – por Siro Darlan
27- Vítima da SEAP II – por Siro Darlan
28- O preso perfeito padrão SEAP – por Siro Darlan
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
Tribuna recomenda!
MAZOLA
Related posts
O “metralhadora giratória”
O rei está nu – por Kleber Leite
Editorias
- Cidades
- Colunistas
- Correspondentes
- Cultura
- Destaques
- DIREITOS HUMANOS
- Economia
- Editorial
- ESPECIAL
- Esportes
- Franquias
- Gastronomia
- Geral
- Internacional
- Justiça
- LGBTQIA+
- Memória
- Opinião
- Política
- Prêmio
- Regulamentação de Jogos
- Sindical
- Tribuna da Nutrição
- TRIBUNA DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA
- TRIBUNA DA SAÚDE
- TRIBUNA DAS COMUNIDADES
- TRIBUNA DO MEIO AMBIENTE
- TRIBUNA DO POVO
- TRIBUNA DOS ANIMAIS
- TRIBUNA DOS ESPORTES
- TRIBUNA DOS JUÍZES DEMOCRATAS
- Tribuna na TV
- Turismo