Por Siro Darlan –
Série Presídios XXX.
“Justiça é consciência, não uma consciência pessoal mas a consciência de toda a humanidade. Aqueles que reconhecem claramente a voz de suas próprias consciências normalmente reconhecem também a voz da justiça”.
Alexander Solzhenitsyn
Quando o escritor, dramaturgo e historiador russo Alexander Solzhenitsyn escreveu sua experiência no gulag soviético no início do século XX não imaginava que outros companheiros de cela em diversos lugares do mundo pudessem estar vivendo a mesma experiência, ainda que sob regimes ditos democráticos como acontece no Brasil. Os relatos contidos nessa série demonstram que o açoite do homem pelo Estado opressor teve continuidade e persiste sob o pretexto de reparar o que foi feito de errado no seio da sociedade capitalista.
Se o regime soviético perseguiu os “inimigos de ocasião” utilizando dos métodos de divisão das famílias, das delações fictícias, das acusações falsas, dos processos nazistas de perseguição, dos métodos cruéis de tortura, ameaças a familiares, prisões ilegais, invasão de domicílios transmudadas de buscas e apreensões, em nada fica a dever aos últimos tempos de operações sensacionalistas ocorridas no Brasil e que agora estão vindo à luz do dia, com anulações de julgamentos realizados à maneira stalinista de perseguição dos inimigos.
Ao escrever seu premiado livro Arquipélago Gulag narrava uma grande síntese de um período sombrio da história da União Soviética, e estava tentando dar voz a justamente aos gritos e a memória das vítimas daqueles que haviam sucumbido como sacos de ossos nos campos de concentração stalinista, dos campos de trabalhos forçados. Gulag é um acrônimo uma sigla russa falando sobre a administração do serviço carcerário, isso à época de Stalin. Stalin chega ao poder depois da morte de Lenin e dá início a seu reinado de terror. Partindo para perseguições políticas dos expurgos os fuzilamentos sumários, o estabelecimento de trabalho escravo na União Soviética sobre o punho de Stalin vão se dá sobretudo a partir da década de 30. São questões terríveis e o arquipélago gulag é essa dimensão desse ciclo político.
O tema do livro aborda o serviço carcerário dos campos de trabalhos forçados. O arquipélago da dimensão de que não se tratava apenas de ilhas isoladas, o arquipélago como nós sabemos é um conjunto de ilhas. Então a abordagem se dá sobre a vida dos prisioneiros descoberta toda a vitalidade do Estado soviético sobre Stálin. O arquipélago Gulag se refere ao período stalinista e não a todos os momentos da União Soviética, apesar de a finada União Soviética jamais te se configurado como uma democracia é importante dizer que a o arquipélago Gulag é uma das grandes radiografias da arbitrariedade do estado sobre Stálin desde o momento da prisão passando pelos interrogatórios e torturas, autocríticas forjadas reforçadas por parte dos agentes do Estado até chegar os fuzilamentos, expurgos para Sibéria, a rotina terrível de trabalhos dos escravos dos escravos modernos ali da União Soviética.
O arquipélago Gulag mostra que para além do recantos estatais e a vitalidade como era a vida das pessoas civis, completamente transpassada de rancor de ressentimento de competitividade, completamente distinta do modelo socialista idealizado pelos revolucionários de 1917. Porque havia a lógica da delação fazer com que um vizinho que quisesse viver no apartamento do outro no quarto do outro delatasse o vizinho como inimigo do povo, para as vezes se apossar de seu apartamento ou se apoderar da esposa do outro. O escopo era implantar o medo como forma de socializar a vida.
Pouco mais aqui de um século é importante dizer que a população foi sendo treinada por um sistema de cumplicidade para o sistema de delação e as instituições policiais foram pródigas em jogar setores da população uns contra os outros para criar um sistema de cumplicidade absoluta no stalinismo. É terrível mostrar como expediente do fascismo e aqui no caso fascismo de esquerda chamar o stalinismo de fascismo de esquerda não porque o stalinismo tivesse ou a União Soviética tivesse os mesmos objetivos do regime nazista por exemplo, mas em termos de aparato de estado em termos de estado policial de repressão de sufocamento radical da sociedade civil, de vigilância em relação à vida privada dos cidadãos, é possível fazer um paralelo e chamar o stalinismo de fascismo de esquerda.
Não é muito diferente no Brasil moderno, com métodos nazistas arcaicos e desumanos no trato com os prisioneiros e com os inimigos do regime, ainda que sob a capa de democrático. O aparelhamento das polícias que matam indiscriminadamente pobres e pretos, reconhecidos em sua maioria como bandidos, ainda que sem passagem pela polícia, a forma como o ministério público tem conduzido os processos com uma polícia não prevista na Constituição, mas que serve para seus objetivos acusatórios e persecutórios, demonstra que, assim como sistema gulag, se pretende cercear a imaginação cercando com arames farpados do medo todos aqueles que representem um perigo para o regime, ao dele divergir. É assim que para repressão stalinista tudo que é sagrado é profanado, prova disso está nos depoimentos de presos e egressos sobre o regime de contenção de presos no stalinismo, assim como em nosso sistema de coisas inconstitucionais que nos revela sobre o nilismo de ambos os sistemas prisionais.
Alexander Soljenítsin escreveu também “Um dia na vida de Ivan Denisovich”, que é um fenômeno histórico social e político por quê publicado em uma das revistas literárias de grande circulação da União Soviética a época causou todo frisson por mostrar o que passavam os assim chamados os prisioneiros do Gulag. Esse fato projetou o nome de Soljenitin no exterior e sobretudo nos EUA como um grande escritor não só dentro da União Soviética mais fora da União Soviética.
O arquipélago Gulag, transita entre a literatura de testemunho, a fusão entre literatura e história da literatura e o jornalismo e a literatura documental é uma obra hercúlea que tomou boa parte da vida do Alexander Soljenítsin, e obviamente foi escrita as escondidas, sempre sob o de que pudesse ter sua obra extraviada, inclusive sofrer sanções terríveis por causa dela. Uma obra que deu voz a milhares de pessoas que trabalhavam a – 40 – 45 graus negativos na Sibéria, pessoas viviam, conviveram, sobreviveram e morreram de pé congeladas, com rações alimentares totalmente insuficientes.
Esse quadro de tortura permanente em nada difere do sistema penitenciário brasileiro, a não ser a troca da temperatura siberiana pelos 50 graus tropicais de nossas prisões.
Leia também:
1- A roubada dos presídios federais – por Siro Darlan e Raphael Montenegro
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10- Para além das prisões – por Siro Darlan
11- Justiça Restaurativa – por Siro Darlan
12 – Alternativas à privação da liberdade – por Siro Darlan
13- Quem nasceu primeiro o cidadão infrator ou o Estado criminoso? – por Siro Darlan
14- A ponte para a liberdade – por Siro Darlan
15- O Estado Criminoso – por Siro Darlan
16- O Estado Criminoso II – por Siro Darlan
17- O Estado Criminoso III – por Siro Darlan
18- O Estado Criminoso IV – por Siro Darlan
19- O Estado Criminoso V – por Siro Darlan
20- O Estado Criminoso VI – por Siro Darlan
21- O Estado Criminoso VII – por Siro Darlan
22- O Estado Criminoso VIII – por Siro Darlan
23- SEAP no banco dos réus – por Siro Darlan
24- Homicídios – por Siro Darlan
25- Desvio de dinheiro público / alimentos superfaturados / enriquecimento ilícito – por Siro Darlan
26- Trabalho em condições análogas à escravidão / prevaricação / omissão de socorro – por Siro Darlan
27- Vítima da SEAP II – por Siro Darlan
28- O preso perfeito padrão SEAP – por Siro Darlan
29- Sentenciando pela cor da pele – por Siro Darlan
SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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