Por Siro Darlan e Silvana do Monte Moreira –

Série Especial: ADOÇÕES – Parte XVI.

Hoje vamos apenas contar histórias, contar histórias de amor, histórias de vidas que se encontram para se amar. Num mundo dividido pelas guerras, doenças, pobreza, desigualdades sociais, cada vela que acendemos como uma chama de amor, é mais vida que distribuímos. Histórias são contadas para eternizar nossos momentos e as histórias contadas nessa série são exemplos de como se pode mudar a vida de uma pessoa abandonada estendendo-lhe as mãos e acolhendo-as no coração.

Em 2016, a pedido de uma magistrada, realizei uma busca ativa e pensei em buscar um casal habilitado em São Paulo. A busca era diferenciada e a tenho guardada até hoje:“Querid@s: alguém aceita um menino trans, 9 anos, disponível para adoção? Tem que ser alguém que entenda a questão e esteja habilitado. Peço não divulgar, apenas verificar a situação.”

A mãe, mulher trans, professora, e o pai, homem cis, já tinham um filho, também pela via adotiva, com uma pequena deficiência. O casal aceitou de plano, enviou os dados pessoais, a advogada enviou os pertinentes à habilitação e seguiram para o nordeste para encontrar a tão esperada filha. O estágio de convivência foi realizado no local, a criança teve forte identificação com o casal e o filho, deixou de se sentir diferente, passou a se sentir incluída, respeitada e tendo como exemplo uma mãe forte, que se impõe para o mundo, que luta pelo respeito a todas, todes e todos, militante dos direitos humanos.

A família retornou a São Paulo tendo em mão a guarda provisória de AM. Posteriormente, ao final do processo, a certidão de AM foi emitida com seu nome feminino.

Continuo acompanhando a família, somos amigas para além da militância. AM é uma adolescente alta, magra, que se vê, se entende e é mulher. Como escreveu Simone de Beauvoir (foto abaixo): “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.

Essa é sua frase mais clássica, retirada do livro O Segundo Sexo. Para ela, “nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino”. É exatamente o que percebo na formação de AM e de sua mãe.

Importante, por fim, explicar o que é busca ativa para que não surjam teorias conspiratórias: a busca ativa é um mecanismo previsto no Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, onde os/as buscadores/as tentam localizar pessoas habilitadas que podem receber determinados perfis de crianças/adolescentes para os quais não foram localizados adotantes nos cadastros local e nacional.

Essa busca é realizada pelas próprias varas, tribunais de justiça em vários programas e projetos, inclusive de parceria com alguns times de futebol, pelo ministério público e pelos componentes dos grupos de apoio à adoção. Atualmente, no Rio de Janeiro, temos 2 grupos de habilitados da AMAR Associação do Movimento de Adoção do Estado do Rio de Janeiro com mais de 250 pessoas cada. Desse grupo várias adoções já foram concretizadas.

Vamos contar agora as histórias dos 5 filhos da Berenice Belatto.

1. Berenice Belatto

Como é incrível ser mãe de cinco crianças! Eles me deixam antenada para cada movimento esportivo, apreensiva quando se preocupam demais com os afazeres escolares. Eu sou sensível e preocupada até quando cai um dente! Comigo é mais fácil para os meninos realizarem os seus desejos. Tenho espírito extrovertido, maleável, confidente de todos eles, rígida na disciplina.

O pai é conservador, fica de olho nas vestes das meninas, ciumento e bem brincalhão. Nossa parceria é equilibrada respeitando cada um no seu temperamento. Divergências acontecem principalmente quando os celulares são recolhidos, examinados e proibidos em determinados horários. As crianças ficam furiosas!

Muitas vezes, as broncas são direcionadas quando não escovam os dentes ou, deixam objetos jogados pela casa. Acho muito importante às nossas reuniões dominicais. Sentamos às 11:00 horas da manhã, conversamos sobre todos os acontecimentos vividos durante a semana e cada um tem o direito de falar o que pensa até quinze minutos. Depois de lavar a roupa suja, rezamos, agradecemos a Deus e saímos para o almoço em família juntamente com os filhos mais velhos de 46 e de 32 anos.

O amor é uma fonte de milagre que move cada ser humano. Respeitando cada indivíduo em suas diferenças formamos uma base sólida desde a sua primeira infância. Percebemos que às crianças crescem desenvolvendo um invisível cordão umbilical com confiabilidade, esperança, estímulo e um amor tão grande que esquecemos o ato da adoção. O amor é o milagre da vida e tudo bem misturado, temperado com a receita da paciência, discernimento e fé, dá uma vontade de sempre apertar as bochechas dos filhotes que são filhos da alma.

Eu sou Berenice Bellato, meu esposo é o Cláudio e amo ser mãe, avó, militante da adoção. Muito obrigada pela oportunidade.

2. Ludwig

Eu sou feliz no meu lar. Meus pais são bons, amorosos e meu pai não me deixa comer muito porque estou gordinho.

Meus irmãos são legais, “da hora”, principalmente a Vitória que me ajuda nas lições da escola. Meu irmão gêmeo está sempre me ajudando a ficar calmo.

Na escola fico cansado, muito chateado porque estou atrasado com as lições. Tomo remédio porque eu faço tratamento médico. Quando eu crescer quero ser médico de gente adulta. Gosto de ter motos e meus pais não me deixam ter.

Quero um carro de luxo. Tenho um quarto muito bom que tem uma porta que eu vejo o quintal. Eu cuido do meu cachorro e tenho família feliz. Gosto de ter dinheiro, penso em ter uma bela esposa que será minha rainha.

Eu gosto do meu irmão Victor porque jogamos futebol. Tem a Crystal que é linda, desenhista e ela pintava desenhos para eu dar para minhas amiguinhas da escola. Não gosto de morar aqui em São Paulo. Prefiro Dubai, África e Paris. Também não gosto do Rio de Janeiro. Sou feliz e durmo bem com cama macia, deliciosa e às vezes, o meu cachorro Tob sobe na cama.

Minha mãe não deixa porque ele subir na cama porque minhas irmãs tem alergia do pelo de cachorro. Não me lembro muito dos meus pais. Minha casa é aqui e a minha família é essa porque amo todo. Mundo. Lembro me do orfanato e era ruim ficar lá Só isso, ponto final e fim.

Eu sou o Ludwig e tenho 12 anos.

Mais de 20 crianças aguardam por adoção, em Caxias do Sul

3. Vitória

Eu me chamo Vitória e tenho 11 anos. Sinto a minha família e meus irmãos. É como se eu tivesse nascido nessa família. Para mim foi bem calmo e normal saber que fui adotada. Minha mãe é uma pessoa maravilhosa e muito sensível. Meu pai é pessoa legal, divertida, sério e uma pessoa que não demonstra os sentimentos. Não sinto diferença dos meus irmãos. Gosto muito da minha irmã genética que é a Crystal que tem” cara de giz”.

Outro apelido que dei para ela é que ela é “cara de pau”. Ela se dá bem comigo e às vezes eu conto meus segredinhos. Ela não fala muito. É séria e não se expressa muito.

O Luan é chato pra caraca e se acha mandão. Às vezes ele é legal. O Victor estuda comigo na mesma classe e ele é muito carinhoso, legal, fofo e sem graça. Ele é cheio de machucado porque às vezes eu bato nele porque não faz lição. Eu quero que ele passe de ano escolar.

Meu irmão “pidão” chama-se Ludwig e tem 12 anos de idade e tá grande. Ele é muito interesseiro, sem vergonha, besta. Nós vamos todos os dias na piscina nadar juntos. Ele se acha e é muito feinho.

Quando eu crescer quero ser médica pediatra e irei trabalhar no consultório com a minha amiga. Estou brava pois atrasei um ano na escola por causa da pandemia e eu mudei de cidade. Eu queria ter 14 anos porque quero ser mãe. Eu gosto de bebês e acho que vou adotar e dar à luz a uma criança. Odeio morar em São Paulo querendo morar em Nova York porque lá é faschion e quero estudar casos criminais. Adoro saber história. Não tenho vontade de conhecer meus que me deram à vida por ser muito importante. Mesmo assim quero que eles tenham uma vida maravilhosa, porém longe de mim. É isso. Beijo no queijo para quem não tem desejos.

Eu sou Violeta Vitória e tenho asma desde que nasci e convulsão. Meus pais me dão remédios e o médico cuida de mim.

4. Crystal Sophia

Meu nome é Crystal Sophia, tenho 12 anos e sou de uma família adotiva mas vivo normalmente. Sendo sincera nem ligo, não sei dizer bem como eu me sinto a respeito, porém sei que não tô nem aí pro fato de eu ter sido adotada. Meus pais são legais apesar de eu ter mais amizade com a minha mãe e meu pai não me entender muito bem. Pra falar a verdade eu nem tô aí com muito dos meus irmãos adotivos e nem dá minha irmã de sangue por que eles são incrivelmente irritantes.

Eu sou a mais diferente da família, tenho gostos estranhos, sou a mais séria e introvertida. O que me irrita um pouco é por eles serem diferentes, mas não é uma família ruim, eu gosto da minha mãe. Além de muitos daqui me tirarem do sério e me deixarem completamente irritada, não gosto de barulho. Eu gosto dessa família. Eu prefiro ficar quieta e no meu próprio mundo, tenho enxaqueca e quando eu crescer acho que quero ser estilista ou modelo. Sou boa em desenho e em ginástica rítmica.

Estou com dor no braço e febre porque tomei a segunda dose da vacina.

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5. Victor

Minha família é legal. Eu gosto de mim. Eu sou o Victor e tenho 11 anos. Eu ajudo meus irmãos, meus pais e o cachorro. Não gosto de ir à escola mas gosto de estudar na minha casa. Não gosto muito de gente, tumulto. Gosto de ficar isolado e fazer o que quero. Meus pais são legais e gosto muito do meu irmão Luan e Crystal.

Meu pai me ajuda muito e a minha mãe é sempre legal. Eu sei que sou adotado e nem sinto isso.

Não quero falar mais nada.

Leia também:

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ADOÇÕES I – Família Harrad Reis

ADOÇÕES II – Do direito à convivência familiar e comunitária

ADOÇÕES III – Obrigações de cuidado

ADOÇÕES IV – Condições para adoção

ADOÇÕES V – O processo de adoção

ADOÇÕES VI – Cadastro Nacional de Adoção

ADOÇÕES VII – Adoção no Brasil

ADOÇÕES VIII – Adoções Internacionais

ADOÇÕES IX – Adoção Internacional

ADOÇÕES X – Famílias

ADOÇÕES XI – Os Grupos de Apoio à Adoção

ADOÇÕES XII – Prioridade absoluta 

ADOÇÕES XIII – Grupos de Apoio á Adoção

ADOÇÕES XIV – Provimentos 36 e 116 do CNJ

ADOÇÕES XV – A importância dos Juízos especializados

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ. siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com

SILVANA DO MONTE MOREIRA – Advogada, militante da Adoção Legal, mãe sem adjetivos. Presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/RJ (2016/2018, 2019/2021), coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II, membro fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Representante para o estado do Rio de Janeiro da Associação Brasileira Criança Feliz, dentre outras atividades que desempenha. @silvanamonteadv


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