Por Siro Darlan –

Com a colaboração de Fabíola Leoni, Luis Paulo Fraga, Rafa el Nagib e Victor Barroco.

No último capítulo foi admoestado pelas profissionais do sexo que eu estaria dando informações desatualizadas como por exemplo a tabela de preço dos serviços. Esclareço que essa série tem por finalidade trazer ao conhecimento dos leitores manifestações históricas sobre Vila Mimosa e seus habitantes e trabalhadores e trabalhadoras, portanto alguns documento se referem a pesquisas que foram feitas no passado, mas que trazem informações relevantes sob o ponto de vista histórico e documental. Portanto quando os clientes chegarem atraídos por tais informações, basta atualizar o preço que o prazer é o mesmo.

As boates da Vila Mimosa

Continuando nosso relato, identificamos algumas profissionais que conseguiram transformar suas vidas como Verônica, 29 anos, virou chefe de um grupo de meninas, além de também ser prostituta. Ela convidou a equipe de repórteres para conhecer o bardo qual é proprietária. O local tem dois andares, com quatro ou cinco quartos apertados e abafados. Ao entrar, a chefe grita: “Tranquem a porta que a reportagem está subindo”. Meninas tomavam banho juntas na hora. “Aqui é um lugar de passagem. Sonho em fazer faculdade de Direito. O mais difícil para mim é aguentar o preconceito da família”, desabafa Verônica.

Prostituta é a profissão mais antiga do mundo e nós não temos nenhum direito trabalhista. Isso tiraria a gente da clandestinidade e ajudaria a diminuir o preconceito”, conclui.

Obras de Di Cavalcanti (à esquerda) e Lasar Segall sobre a Vila Mimosa. (Reprodução)

Danilo Moura, de 25 anos, conta que já foi ao local com amigos apenas para conhecer. “Chegando lá, sentamos em um barzinho e começamos a beber. Lógico que lá pelas tantas você acaba mexendo com as prostitutas, mas só de zoação mesmo. Elas andam de calcinha por todos os lugares. O lugar é frequentado por pessoas de todas as classes sociais, todas as idades. Você vê de tudo, literalmente tudo. Você vê que aquilo é o fundo do poço da sociedade, tem um clima pesado demais, é horrível”, diz o jovem.

A presidente da AMOCAVIM, afirma que os frequentadores também vêm de lugares distantes, fora do município do Rio. Apesar do grande número de pessoas nos fins de semana, Graça reclama que o comércio por ali anda em baixa. “Aqui é um comércio também, né? Vendem de tudo: bebida, roupa e não só a prostituição. Tem muita menina que vende artesanato, que faz outras coisas. Mas a situação está ruim para todo mundo”, analisa.

Boate da Vila Mimosa, Rua Sotero dos Reis – Praça da Bandeira

Ela relata ainda que a relação com os moradores da região é tranquila, embora, no passado, não tenha sido muito amigável.

O pessoal dali já está acostumado. Antigamente eles achavam um absurdo. Hoje eles abriram comércio para ganhar dinheiro, porque a Vila Mimosa foi para ali, né? Aquilo ali era morto antes da Vila”, diz Graça.

Nos anos 80 a Vila Mimosa ainda funcionava na Zona do Mangue, no final da Presidente Vargas

A baiana Mônica Sampaio, de 30 anos, é doméstica e mora nas proximidades da Vila Mimosa com a irmã. Ela veio morar no Rio há seis anos. O lugar onde vive é um grande galpão dividido em outras cinco casas, onde moram outras famílias. A doméstica diz que não sabia da existência da Vila. Conta que a primeira vez em que tomou conhecimento da fama do local estava com a cunhada a caminho da casa de uma amiga.

Para chegar lá, a gente teve que passar pela Vila. Quando ia andando, eu via as mulheres peladas na frente da rua. Aí, eu me perguntei o que era aquilo. Nem sabia o que era zona quando cheguei. Lá na Bahia isso tem outro nome…”, observa.

Mônica já está acostumada com o lugar. O maior problema, segundo a doméstica, é quando ela e a irmã são confundidas com prostitutas. “Um dia eu estava indo para a igreja quando veio um senhor de moto. Ele passou por mim, depois voltou perguntou o preço. Eu disse que estava indo para a igreja e ele pediu desculpas e foi embora”, lembra a irmã de Mônica, Cristina.

Equipe da Associação da Vila Mimosa realiza ações sociais em defesa das mulheres da região. (Divulgação)

Outro problema enfrentado é a violência. Mônica revela que toda semana de duas a três pessoas eram assassinadas por causa de confusões iniciadas dentro dos prostíbulos. “Houve mortes na rua e até dentro de carro. Já mataram também à luz do dia, por volta das 15h. Mas isso parou, porque agora a associação de moradores estipulou uma multa para quem mata”, conta. “Quando a gente está no ônibus e fala que vai descer na Praça da Bandeira, todo mundo já malda logo. Pensa que é lá de dentro e não que se trata uma pessoa direita, que não tem condição de morar em outro lugar. Se eu pudesse, mudava”, diz a moça.

Renato Soares, 24 anos, já foi ao local fazer uma reportagem para a faculdade. Ele foi xingado e quase agredido quando chegou à Vila Mimosa com uma filmadora. “O local é como se fosse um mundo particular. Quando alguém chega com alguma câmera fotográfica ou filmadora, eles ficam com medo, não sabem o que vai acontecer”, analisa.

O lugar é frequentado por pessoas de todas as classes sociais, todas as idades. Você vê de tudo, literalmente tudo. Aqui é um comércio também, né? Vendem de tudo: bebida, roupa e não só a prostituição. Mônica já está acostumada com o lugar. O maior problema, segundo a doméstica, é quando ela e a irmã são confundidas com prostitutas”.

Um breve histórico de Vila Mimosa

Localizada na Rua Sotero dos Reis, na Praça da Bandeira, Zona Norte da cidade, a Vila Mimosa é o reduto de prostituição mais antigo do país. Sua origem vem do Primeiro Império. Os portugueses teriam importado para o bairro do Estácio, no Centro, polonesas e francesas a fim de atender às necessidades sexuais da Corte.

Com a libertação dos escravos e a falta de empregos, no entanto, o lugar foi mudando seu perfil. Deixou de saciar os instintos mais primitivos da nobreza para suprir os desejos ocultos do povo trabalhador. Especula-se que, na época, o lugar abrigava cerca de oito mil prostitutas e ocupava em torno de dez ruas.

Antiga Zona do Mangue, em 1979. (Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo)

A Vila começou a diminuir quando o prefeito Pereira Passos iniciou seu projeto de modernização da cidade, no início do século passado. A partir daí, uma série de outros acontecimentos foram colaborando para que a Vila mudasse definitivamente de lugar: as transformações sanitárias promovidas por Oswaldo Cruz e a construção do Metrô, do teleporto e da sede do Governo municipal.

Não é à toa que os dois prédios da Prefeitura ali construídos foram apelidados carinhosamente de “piranhão” e “cafetão”. Entre as personalidades conhecidas que transitavam por lá estão o pintor Di Cavalcanti e o músico Cartola.

A transferência da Vila foi obtida mediante uma indenização dada pela Prefeitura no valor de aproximadamente 300 mil reais. No entanto, há quem diga que o dinheiro foi roubado pela antiga presidente da associação de moradores. Apesar do desvio, cafetinas e prostitutas conseguiram arrecadar 100 mil reais e compraram o galpão na Praça da Bandeira, onde permanecem até hoje.

Unidade da FAETEC da Vila Mimosa

Concluindo mais esse capítulo, homenageamos as trabalhadoras do sexo com o relato de uma delas:

Renata, 26 anos, escolheu trabalhar na prostituição porque não conseguia trabalho. Relata que tem três filhos, é solteira e não terminou os estudos porque teve que trabalhar muito cedo. Afirma que o que ganha dá para o sustento de sua família. Conseguiu concluir o ensino médio. Diz nunca ter sido violentada. Conta que certa vez, um cliente lhe pagou 300 reais para enfiar o pepino nele. Com seu trabalho consegue pagar faculdade e, em breve, vai se formar em técnica em necropsia. Paga a faculdade sustenta os filhos com o fruto de seu trabalho.

Vila Mimosa é a mais tradicional e uma das mais famosas áreas de prostituição da cidade do Rio de Janeiro. (Wikipédia)

Leia também:

  1. SÉRIE ESPECIAL – Vila Mimosa, a vila do prazer
  2. VILA MIMOSA II – Zona do Mangue
  3. O Verbo que liberta o preconceito
  4. VILA MIMOSA III – O profissional do Serviço Social
  5. VILA MIMOSA IV – O que se faz além de sexo 
  6. VILA MIMOSA V – Um condomínio chamado Vila Mimosa
A Vila Mimosa recebeu o lançamento do livro “Siro Darlan: INQUÉRITO nº 1.199/DF”. As vendas serão destinadas às ações sociais de proteção à mulher. (Divulgação)

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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