Por Siro Darlan –
A história da zona no Rio de Janeiro, pode servir de modelo para uma saga de idas e vindas constantes das mulheres prostitutas pelas ruas de capital.
Concentradas primeiramente na parte central da cidade – especialmente Lapa, parte da Glória e Castelo -, as coquetes foram transferidas pela prefeitura, na segunda metade dos anos 20, para o lugar já conhecido como Mangue, que ia da Praça Onze até a praia do Caju. Na época, a prostituição era classificada pelas elites (médicos e juízes, em especial) e pelos moralista de plantão (policiais e autoridades de governo) como um mal necessário: Aplacava os impulsos masculinos, garantindo a virgindade das moças casadoiras desses mesmos homens. Por outro lado, deveria ser mantida longe das vistas das esposas, até porque seus maridos nunca deixariam de frequentar o maravilhoso antro em que se perderam nos primeiros amores juvenis.
Dessa história de sexo, virgindade, casamento, família e moralismo, nasce, então, a mais famosa zona do pais, a Zona do Mangue, naqueles anos 20. Na década seguinte, já são 200 casas e 3 mil prostitutas, espalhadas por 10 ruas. O Rio, em quanto isso, cresce. Nos anos 40, a zona chega ao se auge, com 7 mil, entre brasileiras russas, romenas, francesas, uruguaias e as famosas polacas. Era um tempo em que artistas, poetas, músicos, escritores frequentavam as doces e líricas madrugadas.
Manuel Bandeira, Di Cavalcanti, Lasar Segall deixaram belíssimos trabalhos inspirados em suas noitadas.
O sanfoneiro Luiz Gonzaga, o flautista Benedito Lacerda, mestre Cartola, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho foram outras figuras ilustres que bicaram por lá. Depois disso, o Mangue começa a encolher, mas devagar. Em 1959, fala-se em 2.635 mulheres, frequentando 193 quartos, em 21 bordeis. Já em 1968 – ano em que a zona foi cercada por tapumes, para que a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, em visita ao Brasil, não se contaminasse por aquela alegria – seriam 1500 mulheres, O longo período em que a polícia fichou as prostitutas explica a exatidão dos números.
Anos 70
Com a chegada dos anos 70, começa a saga das mulheres, depois de quase 50 anos de relativa estabilidade, à exceção dos tapumes da ditadura militar. É o início da Cidade Nova – segundo jornal da época “um bairro projetado de acordo com as mais modernas tendências urbanísticas” -, que viria a abrigar linhas de metrô e o novo centro administrativo (prefeitura) da cidade. Em 1970, exatamente no dia 10 de dezembro, as casas de número 19, 21, 23,24,25,27,29,31,33, e 35 da rua Pinto de Azevedo são desocupadas pacificamente por cerca de 300 mulheres. Os imóveis já haviam sido desapropriados. Seis anos depois, a devastação ainda não terminou, e as profissionais estão confinadas na ruas Júlio do Carmo, Pereira Franco e Carmo neto, ainda cercadas pelos tapumes. “Mangue sem tapumes choca a famílias, segundo delegado” é o título de reportagem do jornal o Globo de 19/12/76, sobre um desavisado “funcionário graduado” do Metro que mandou arrancar as madeiras que impediam a visão da zona.
Finalmente, em 1979, as prostitutas conseguem uma trégua e se estabelecem em 44 casas na pequena rua Travessa Guedes, que tinha uma Vila de casas, chamada Vila Mimosa, foi ai que esta área de prostituição ganhou o apelido de Vila Mimosa.
Aí se passam oito anos, até que em 1987, um pastor que dirigia a vizinha TV – Rio tenta remover a zona à força. Não consegue porque as prostitutas se mobilizam e ganham do prefeito Saturnino Braga o direito, por comodato, de permanecer nas casas.
Dezessete anos depois de terem dado a volta por cima na demolição do Mangue, encontrando um novo espaço de trabalho na Vila Mimosa, as mulheres foram novamente obrigadas a se mudar. Outro delírio urbanístico é o responsável pela transferência: Teleporto, um conjunto macabro de edifícios cibernéticos, e a modernização high tech do complexo administrativo São Sebastião, apelidado de Piranhas pela proximidade da zona. Dessa vez, porém, negociar é ponto pacifico. Assim, em 1995, a prefeitura indeniza as donas de casas em R$ 325 mil, quantia considerada suficiente para a implantação de uma nova zona.
Mas o imprevisto acontece. O dinheiro fica na conta de Eurides Coelho, então presidente da Associação da Vila Mimosa, Eurides compra um galpão, na Rodovia Washington Luiz, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, por R$ 80 mil, para servir de novo ponto da prostituição. Mas até hoje ninguém sabe o que foi feito do restante do dinheiro da indenização, conta Carmem Nascimento.
Com o sumiço de Eurídice, as mulheres vão até Caxias e constatam que o galpão era uma furada: não havia luz elétrica, os impostos municipais estavam atrasados e o entorno tinha muito mato e lama. O restante do dinheiro da indenização, R$ 245 mil, sumiu.
Começa uma grande jornada, a procura por um novo local próximo do tradicional bairro de prostituição.
Um anúncio e jornal lido por Vitória, uma dona de casa, recorda Carmem, é o aviso do novo rumo: está à venda um galpão na Rua Sotero dos Reis, na Praça da Bandeira. As donas de casas vão conferir e tomaram a decisão: compram o imóvel e contratam uma construtora por R$ 200 mil. As obras começam em outubro de 1995 e a construtora promete entregar as obras prontas no meio do ano de 1996. A construtora não cumpre seu compromisso. Então as mulheres revoltadas por não ter um lugar para trabalhar, começam a fazer programas dentro dos carros, foi ai que as donas de casas tomam uma decisão, começam a abrir as portas do galpão sem mesmo as obras terem terminadas. Respeitar os moradores do bairros ainda é um compromisso e ética deste setor.
Uma nova Vila Mimosa já tem números que assombram. Numa estimativa por baixo, são feitos mensalmente 69.000 programas pelas 2.500 mulheres, e consumidos 12 mil preservativos doados sem contar com as compradas. Devido à demanda pelos serviços das meninas, Carmem Nascimento, coordenadora de Saúde da associação, já pediu ao programa de DST/AIDS da Secretária Estadual de Saúde um lote de 100 mil camisinhas para incorporar ao estoque da Vila. Numa sexta-feira, por exemplo, só o movimento de antes e depois do sexo consome 20 caixas de cervejas e centenas de doses de uísque, conhaque, cachaça e outras bebidas.
Um programa na nova Vila Mimosa, custa R$ 26 a R$ 40. Mas há clientes que ultrapassam esse teto, conta Jaqueline Silva, 27 anos, há um ano na vila, vindo de Piracicaba, em São Paulo. “Não existe limite de dinheiro. Quem faz o limite e o cliente”, explica ela. Jaqueline conta que já ficou uma noite inteira com um cliente, que pagou bem além do estipulado. “Em geral, os homens que vêm aqui moram na Baixada Fluminense, mas também aparecem médicos, empresários, advogados, professores e operários, todos atraídos pelo mundo da prostituição”, detalha Jaqueline.
O grande projeto da Vila, hoje é o Dama das Camélias, que tem o patrocínio do Ministério da cultura, que tem objetivo de capacitar, 180 mulheres em corte e costura, chapelaria, inclusão digital e adereço, com reforço escolar em português e matemática.
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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