Por Siro Darlan –

Vila Mimosa é uma comunidade pacata, onde além das festas e do serviço de prostituição, pessoas investem pesado na melhoria das condições de trabalho e busca da dignidade para os moradores e moradoras. No último capítulo mostramos como existem diversos outros serviços visando não só a felicidade, mas a melhoria de vidas através da construção de projetos sociais e culturais. (Cleide Nascimento de Almeida – Ponto de Cultura Dama das Camélias/Rio de Janeiro)

Cleide Almeida (à direita na foto abaixo), assistente social, e trabalha já há mais de 20 anos numa área de prostituição chamada Vila Mimosa, no Rio de Janeiro. É a maior zona de prostituição de confinamento que tem na América Latina. Há alguns anos começou a trabalhar com um projeto em parceria com o Ministério da Saúde.

Normalmente, sempre que se envia projeto, pede apoio para outro tipo de capacitação, a administração só consegue, na verdade, através do Ministério da Saúde, apenas projetos voltados para ações de ADST e Aids. De uns anos para cá, esse quadro mudou, esse retrato mudou. Por quê?

Em 2004, foi enviado um projeto de capacitação de corte e costura, chapelaria e adereços para a Petrobrás. Recebemos uma carta dizendo que não misturava o nome da marca com o nome de prostituição. Mais um ano se passou e a tristeza aumentou porque você pensa que há tantas pessoas vivendo num risco social, total, e, na hora que muda governo, ninguém olha para aquela categoria, chega a dar uma revolta.

Mas a assistente social é insistente. Continuou. Mandou um projeto em 2005 de capacitação em chapelaria e adereços e resgate da cultura do carnaval para o Ministério da Cultura. O projeto foi aprovado. Aí a gente começou a trabalhar esse projeto na maior empolgação. O objetivo dele é capacitar 180 mulheres em 3 anos em chapelaria, adereços, corte e costura, com reforço escolar em português e matemática, e inclusão digital.

Depois que nós fizemos a parceria com o Ministério da Cultura, abriu-se um leque para a gente de conhecimento. No mesmo tempo que abriu esse leque de conhecimento, não só para nossa instituição, mas também para a comunidade que estava participando dos cursos. Ela começou a participar efetivamente da cultura.

Tudo o que a gente coloca dentro deste espaço, a comunidade participa.

Esse lugar em que a gente trabalha, ali tem uma área de prostituição aonde vivem também famílias. E era muito difícil, antes desse projeto chegar, a convivência entre prostituta junto a essa comunidade. Depois desse projeto, esse retrato mudou. Na verdade, hoje, uma mulher depende da outra. Elas passaram a se conhecer nesse projeto, passaram a trocar informações: uma sabia fazer costura, outras doce, bolo, e a outra sabia fazer enfeite para festas.

E nesse conhecimento, nessa troca de informação, deu renda para cada uma, porque cada uma começou a comprar o serviço das outras. E todos os outros projetos que vieram pós Ministério da Cultura a gente vem trabalhando com toda a comunidade e áreas adjacentes. Esse projeto trouxe outras possibilidades de perceber que a cultura tem que estar em todos os lugares. Não importa aonde, tem que ir na área de prostituição sim, tem que ir na área de todo risco social, na favela, tem que ir para a periferia, tem que buscar isso, porque a gente sem cultura não é nada.

A própria assistente social Cleide, antes de pegar esse projeto, não tinha um retrato do que é a cultura e qual é a importância dela na sua vida. Hoje participa de teatro, gosta de ir num cinema, gosta de ir para os debates, gosta de participar desses eventos na Teia, porque acha que é uma diversidade cultural maravilhosa que tivemos na Teia em 2006, e foi na Bienal.

Fizemos uma apresentação maravilhosa.

Conseguiram mostrar um pouco para quem não conhecia o que é a Vila Mimosa. A história da Vila Mimosa. Mas as dificuldades eram muito grandes. Só que depois desse projeto do Ministério da Cultura, abriu um leque de conhecimento e também de patrocinadores. Existe um vídeo que comprova o sucesso desse projeto e das transformações conquistadas pela comunidade. Esse foi o primeiro desfile de moda que dá DST e da Aids junto com o Ministério da Saúde. Tivemos um público de mil pessoas entre residentes e mulheres da Vila Mimosa.

Tivemos a participação de algumas freiras do Banco da Providência e tivemos a participação de alguns atores da Globo. Essas festas são realizadas nos corredores da Vila Mimosa. Não tem como fazer uma festa como essa e colocar num espaço físico e fora da Vila que elas não participam. Tem que ser nos corredores, junto com os clientes e todos os convidados que vêm de fora. Esse é um ambulatório em parceria com o Banco da Providência que nós colocamos lá para atendimento ginecológico, psicológico, atendimento neurológico e junto com dentista.

Esse é um projeto de capacitação Câmera da Liberdade. Essas oficinas aconteceram dentro da Vila Mimosa. Com garotas de 16 a 19 anos. Essa foi a apresentação da fantasia na esquina da Vila Mimosa que nós fizemos na rua, no primeiro ano do projeto. Ali as comunidades participaram para apresentar as fantasias. Essas foram as fantasias que foram confeccionadas ano a ano.

Aquela apresentação foi lá na Teia.

Esse curso de capacitação é uma parceria com a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres. É um curso que tem dado muito certo para nós, e nós estamos formando uma cooperativa agora no final do ano. Essa menina é uma menina que trabalha conosco já faz um tempo. Todos os projetos que a gente coloca nessa instituição, ela está sempre presente. Ela é uma menina que é uma trabalhadora do sexo. Não se apresenta em nenhum lugar como trabalhadora do sexo. Muito difícil.

Estamos trabalhando agora um pouco mais com a autoestima dela para ver se ela participa de alguns eventos, porque é preciso que ela esteja atuando em alguns lugares. Nós estamos agora em parceria com a Secretaria de Ciências e Tecnologia e uma parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil, dando atendimento jurídico às mulheres da Vila Mimosa.

Essas foram as primeiras peças confeccionadas por elas.

Isso é uma confecção que agora elas estão fazendo de bolsas. Oficina de bordados. Nós estamos com 40 alunas na oficina de bordados. O projeto Rir Alegria é um projeto em que a gente trabalha com entretenimento com as crianças e adolescentes da comunidade. Normalmente, em datas festivas mesmo, dia das crianças, época de natal, época de páscoa, a gente sempre faz um evento de entretenimento para essas crianças para levar um pouco de cultura.

Então a gente faz parceria com algumas instituições que levam o palhaço, levam a música. O pessoal da universidade participa também levando o Dia de Aplicação de Flúor nas crianças. Essa é a festa de natal. Eles quase bateram no Papai Noel (risos). Essa é uma parceria nova que nós fizemos agora de 2007 para cá com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, a capacitação em informática. Essa foi a inauguração da Faetec digital. Isso é a aula de empreendedorismo.

Aquela senhora ali é a mais velhinha da turma, tem 80 anos. A professora fez questão de tirar essa foto com ela porque ficou assim tão encantada em ver uma mulher com a idade dela estar ali participando. Vila Ação projeto também de ações e vem trabalhar também com a questão do DST, educação sexual e orientação sobre o uso dos preservativos correto.

Essas são as palestras nos corredores da Vila Mimosa sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis, cidadania. Isso foi a inauguração da Ordem dos Advogados do Brasil, com o Ministério da Justiça. Essas são as palestras nos corredores. Esse é o novo projeto de Ponto de Cultura que nós conseguimos agora, ganhamos na concorrência na cidade do Rio de Janeiro, que é transformando o cidadão através da tecnologia e nova mídia para 105 jovens de 14 a 29 anos.

Esses são os nossos contatos. E os nossos parceiros. (Apresenta o professor Nilo César que mostra o que é a capacitação de corte e costura, chapelaria e adereços. Enquanto o professor mostra o trabalho, Cleide vai explicando o projeto) Esse é um trabalho que é isso que as crianças da Vila Mimosa estão aprendendo. Os adolescentes, as mulheres que estão se prostituindo.

Ano passado nós conseguimos encaminhar 60 mulheres para o mercado da indústria da moda. Na verdade foram para barracões. Hoje estamos trabalhando esse de capacitação de corte e costura que a gente chama muito para o usual, nas confecções de roupas, bolsas, camisetas, blusas, blazers, e já estamos encaminhando algumas mulheres para o mercado de trabalho. Nosso projeto não só capacita corte e costura, ele faz também a questão da modelagem, um processo mais difícil.

É um projeto de um ano para capacitar 105 mulheres.

E estamos vencendo agora este projeto no dia 11 de dezembro, nós estamos fechando o projeto com um desfile de moda na Vila Mimosa. Quem quiser ir, esteja convidado para participar com a gente. Isso é muito bom. Todas as vezes que a gente faz esse desfile a gente tem boas respostas. Sempre aparece um projeto interessado em nos ajudar e a gente está precisando de voltar a colocar esse projeto lá. Colocamos agora também o projeto de portão de cultura, porque a gente quer mesmo resgatar essa cultura de carnaval nos bairros, e fazer também o carnaval fora de época no local mesmo da área de prostituição.

Para as pessoas perceberem também que a prostituição já é cultural, e no local também tem cultura. Nosso projeto com a Secretaria de Políticas Públicas para a Mulher vai acabar, mas nós estamos dando início a um outro, em janeiro, provavelmente esse é do IAF, que é uma instituição Afro Americana Caribenha que trabalha com projeto no Brasil e no Caribe. E estamos tentando outras articulações para um projeto de música para as crianças. Nosso projeto está pronto, foi enviado para a CEPIR e estamos aguardando. Porque na verdade a gente não quer trabalhar apenas com uma única atividade. A gente quer transformar nosso espaço num local cultural.

E para frente a gente vai conseguir isso.

Tudo isso acontecia em Vila Mimosa até que o bicho pegou e veio a pandemia sanitária, social e política. Precisamos ajudar essa comunidade a soerguer com dignidade.

Em homenagem a essas trabalhadoras, segue o depoimento de uma delas:

Isabel tem 29 anos e é trabalhadora do sexo há 3 anos. Era casada, mas sofria maus tratos do marido e dependente dele. Teve um filho com problemas de saúde que morreu. Criou coragem para se separar e como não havia emprego, por desespero optou pela prostituição, onde o dinheiro é rápido, mas muito difícil. Já fez algumas conquistas. Com seu trabalho conseguiu comprar uma casa na favela, mas que é sua. Seu maior investimento tem sido em educação. Já fez faculdade de Modas e atualmente está na faculdade de Marketing. O produto de seu trabalho lhe fornece o sustento e dá para poupar um pouco. Nunca foi abusada, nem estuprada. Se lhe fossa dada outra oportunidade de trabalho aceitaria desde que ganhasse tão bem quanto. Conta que certa vez um cliente de primeira vez lhe pediu para fazer um “scat” (defecar na boca). Precisava do dinheiro, mas nunca se imaginara em tal situação.

Finalizou o programa sem atender a vontade do cliente.

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Leia também:

  1. SÉRIE ESPECIAL – Vila Mimosa, a vila do prazer
  2. VILA MIMOSA II – Zona do Mangue
  3. O Verbo que liberta o preconceito
  4. VILA MIMOSA III – O profissional do Serviço Social

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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