Por Siro Darlan –
Com a colaboração de Fabíola Leoni, Luis Paulo Fraga, Rafa el Nagib e Victor Barroco.
Sexo, comércio e preconceito.
De manhã, um condomínio como outro qualquer. A paz das vilas, residentes trocando produtos, fofocas e vivências, além da inocência de um futebol de rua e de degustações nos diversos bares ao redor. Existe, inclusive, uma associação de moradores. Escurece. Reflete-se então o mais antigo reduto de prostituição e ainda um dos mais emblemáticos do país, a Vila Mimosa. Surge a clientela: homens de terno, homens de chinelos, mulheres com amigas e sem amigas; até mesmo uma garotada que se junta apenas para tomar cerveja. Os becos tornam-se ainda mais densos, com um “quê” de proibição. Meninas, mulheres e até senhoras arriscam-se nas vilas, em busca de um trocado. Muitas ainda com o sonho de uma vida melhor.
Apesar do trabalho com as profissionais do sexo funcionar 24 horas por dia, a noite definiu o estereótipo do local. A Vila Mimosa é formada por quatro galpões com diversos prostíbulos travestidos de bares ou boates que, além de sexo, vendem bebidas baratas.
Os quartos são sujos e bem pequenos. As mulheres que ali trabalham têm entre 18 e 50 anos, sem carteira assinada. O preço varia e pode-se encontrar garotas que cobram apenas R$ 20,00 por período de 20 minutos. Durante todo o tempo, elas rondam as ruas e becos. Algumas trabalham somente durante o horário comercial, porque são casadas.
Cerca de 1.500 garotas trabalham no local de dia e de noite. Há ainda na região uma capela, oficinas mecânicas, a garagem de uma empresa de ônibus, um posto de saúde e prédios residenciais.
Presidente da AMOCAVIM (Associação de Moradores do Condomínio e Amigos da Vila Mimosa) há 11 anos, Dona Graça (foto abaixo), que preferiu não dizer o nome completo, tem 53 anos, desconfia de muita gente e é proprietária de um dos 70 bares existentes no local.
A história dela com o lugar começou há cerca de 30 anos, quando a Vila ainda era onde hoje fica a sede da Prefeitura, no Estácio – local popularmente conhecido como “Piranhão”, por ter antes abrigado as profissionais da Vila Mimosa.
Ela conta que a Vila tem alguns projetos em andamento com o Ministério da Cultura, como o “Dama das Camélias”, que consiste em aulas de português e matemática para as meninas que lá trabalham.
Outro é a construção de uma sede da FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro). Dona Graça diz que o local é legalizado e conta com ata e estatuto há mais de 10 anos.
Salto alto, pés calejados, um cigarro na mão e uma marca roxa na perna esquerda. Suzana (os nomes foram trocados para preservar a privacidade dos entrevistados) mostra-se satisfeita e objetiva ao trafegar entre os visitantes do local. Morando com colegas de trabalho, a jovem de 21 anos veio do Espírito Santo. “A vida aqui é dura, mas não tem mesmo outro jeito. Uns dias, a coisa tá boa. Você já entende quem vem procurando. Tem dias que é tudo ruim. Não sou muito feliz, mas pra mim tá bom”, suspira.
Já Verônica, 29 anos, virou chefe de um grupo de meninas, além de também ser prostituta. Ela convidou a equipe de repórteres para conhecer o bar do qual é proprietária. O local tem dois andares, com quatro ou cinco quartos apertados e abafados. Ao entrar, a chefe grita: “Tranquem a porta que a reportagem está subindo”. Meninas tomavam banho juntas na hora. “Aqui é um lugar de passagem. Sonho em fazer faculdade de Direito. O mais difícil para mim é aguentar o preconceito da família”, desabafa Verônica.
“Prostituta é a profissão mais antiga do mundo e nós não temos nenhum direito trabalhista. Isso tiraria a gente da clandestinidade e ajudaria a diminuir o preconceito”, conclui.
Danilo Moura, de 25 anos, conta que já foi ao local com amigos apenas para conhecer. “Chegando lá, sentamos em um barzinho e começamos a beber. Lógico que lá pelas tantas você acaba mexendo com as prostitutas, mas só de zoação mesmo. Elas andam de calcinha por todos os lugares. O lugar é frequentado por pessoas de todas as classes sociais, todas as idades. Você vê de tudo, literalmente tudo. Você vê que aquilo é o fundo do poço da sociedade, tem um clima pesado demais, é horrível”, diz o jovem.
A presidente da AMOCAVIM, afirma que os frequentadores também vêm de lugares distantes, fora do município do Rio. Apesar do grande número de pessoas nos fins de semana, Graça reclama que o comércio por ali anda em baixa. “Aqui é um comércio também, né? Vendem de tudo: bebida, roupa e não só a prostituição. Tem muita menina que vende artesanato, que faz outras coisas. Mas a situação está ruim para todo mundo”, analisa.
Ela relata ainda que a relação com os moradores da região é tranquila, embora, no passado, não tenha sido muito amigável.
“O pessoal dali já está acostumado. Antigamente eles achavam um absurdo. Hoje eles abriram comércio para ganhar dinheiro, porque a Vila Mimosa foi para ali, né? Aquilo ali era morto antes da Vila”, diz Graça.
A baiana Mônica Sampaio, de 30 anos, é doméstica e mora nas proximidades da Vila Mimosa com a irmã. Ela veio morar no Rio há seis anos. O lugar onde vive é um grande galpão dividido em outras cinco casas, onde moram outras famílias. A doméstica diz que não sabia da existência da Vila. Conta que a primeira vez em que tomou conhecimento da fama do local estava com a cunhada a caminho da casa de uma amiga.
“Para chegar lá, a gente teve que passar pela Vila. Quando ia andando, eu via as mulheres peladas na frente da rua. Aí, eu me perguntei o que era aquilo. Nem sabia o que era zona quando cheguei. Lá na Bahia isso tem outro nome…”, observa.
Homenageando as trabalhadoras do sexo, segue o relato de Judite, 51 anos:
“Judite trabalha desde 19 anos – tem 51 anos. Escolheu trabalha com sexo porque na época era nova demais não tinha recursos, parou de estudar porque tinha dois filhos e esse era o meio mais fácil para sustentar seus três filhos. Não é casada. O que ganha na Vila Mimosa é suficiente para sustentar a família. Estudou até 6ª serie. Nunca foi abusada por ninguém, nem na família, nem em seu trabalho. Trocaria por outro trabalho se pudesse ganhar o mesmo que ganha na prostituição. Já passou por situações estranhas como a de homens que gostam de coisinha trás e são obrigadas a satisfazê-los para ganhar mais dinheiro por que há homens que pagam mais para fazer o contrário”.
***
Leia também:
- SÉRIE ESPECIAL – Vila Mimosa, a vila do prazer
- VILA MIMOSA II – Zona do Mangue
- O Verbo que liberta o preconceito
- VILA MIMOSA III – O profissional do Serviço Social
- VILA MIMOSA IV – O que se faz além de sexo
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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