Por Siro Darlan

Estamos vivendo o tempo litúrgico mais importante da cristandade. Essa semana lembramos o passo a passo do julgamento (ou linchamento) mais injusto da história da humanidade.

Um humilde nazareno pregou o amor e não foi compreendido, os seus não o receberam. Ele afirmou o que fizerdes a um dos mais humildes dos irmãos é a mim que o fareis. Os hipócritas e fariseus quiseram eliminá-lo porque ele estava tentando mudar as estruturas sociais de violência, de impingir dor e sofrimento nos mais vulneráveis. Sua Palavra só vingou e permanece entre nós ecoando até os dias modernos porque Ele é Deus e ressuscitou dos mortos. Segundo São Paulo nossa fé teria sido vã se Ele não tivesse ressuscitado.

Esses fatos se passaram quando os aristocratas romanos submeti o povo judeu a um regime de autoritarismo e perseguição. O ilustre jurista argentino afirma que: “Hoje é impossível afirmar que na América Latina o poder punitivo só é exercido dentro dos limites estabelecidos pela lei.” Quer dizer estamos vivendo um regime jurídico semelhante aos dias cuja Semana Santa estamos rememorando. Assim como ocorreram em tantos outros lugares do planeta, em diferentes épocas, como nos anos 30/40 na Alemanha nazista, a verdade é que na nossa região as manifestações ilegais do poder punitivo são bastantes evidentes. E, muitos desses crimes estão sendo cometidos por funcionários do judiciário e sua grande maioria permanece impune porque tais atos ilegais são transvestidos de interpretação da lei, e, portanto atípicos.

É no ramo do direito penal onde a cisão entre o que deveria ser e o que é praticado atinge uma disparidade que muitas vezes atinge a dimensão do absurdo, no que resulta em grave perda de prestígio para a doutrina jurídico-penal, que em grande parte já está acontecendo com o descrédito das sentenças, quase todas condenatórias que denotam um compromisso arraigado com o punitivismo atávico bem contrário ao que pregou o Crucificado.

É nítida essa cisão quando se trata da aplicação das leis e o comprometimento dos juízes e juízas com a pena medieval e absurda de prisão.

Se a lei afirma que a prisão é a última opção a ser tomada e apresenta em seu artigo 319 que descreve expressamente nove medidas cautelares diversas da prisão e os magistrados ignorando esse texto legal mantém presos 47% de inocentes que ainda não foram julgados nos cárceres é uma prova da vigência de um punitivismo demagógico e popular estimulado pela mídia dominante, que tem operado como fator inconsciente de racionalização da criminalidade, e como a mídia tem sido um instrumento das classes dominantes, o que sobra para os cidadãos mais vulneráveis é a dor e o sofrimento das prisões.

Estudiosos de criminologia de todo mundo civilizado afirmam que essa centralidade na prisão, mais do que nunca, manifesta sua absoluta inadequação, não somente não conseguindo cumprir suas funções fundacionais de recuperar e ressocializar, cuja falência histórica é evidente, mas se demonstra totalmente ineficaz para solução das questões que lhe são atribuídas.

A definição de ressocialização é um projeto com finalidade reeducadora para reintegrar indivíduos que romperam as regras sociais. Peca por definição. Como ressocializar aquele que nunca teve a oportunidade de socialização? A quase totalidade dos presos são analfabetos, nunca lhe foi dado a oportunidade de frequentar escolas de qualidade, família acolhedora, sociedade receptiva, tanto que depois de passarem anos nas prisões são solenemente rejeitados pelo preconceito de serem ex-detentos e não encontram oportunidades de trabalho. Sendo, como todos somos humanos com dignidade assegurada na Constituição, com recuperar retirando-lhe a dignidade e impondo-lhes penas degradantes?

Que possamos nessas Páscoa nos reencontrar como sociedade civilizada e repensar que outras propostas podemos discutir para substituir essa degradante pena de prisão por outra que reconciliem a sociedade como fez a ressureição para os cristãos.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO


Tribuna recomenda!