Por Kakay

“O que muda a gente não é o que a gente fala, é o que a gente cala.” (Mário Quintana)

Para dar uma quebrada na tensão entre o 1º e o 2º turno das eleições, dou uma rápida fugida para Óbidos, em Portugal, para participar de um debate no Festival Internacional de Literatura. O debate é realizado numa livraria que foi implantada dentro de uma Igreja dessacralizada. A cidade, que tem perto de 150 pessoas morando dentro das muralhas, recebeu 25 livrarias pela genialidade do mestre Zé Pinho, dono da Livraria Ler Devagar. Em seguida, vou a Lisboa participar de um debate sobre o filme “Amigo Secreto”, no qual faço uma participação, no Festival Internacional do Documentário de Lisboa. Nem só da advocacia deve viver o advogado criminal.

Um detalhe chamou muita atenção no debate sobre o filme. Eu sempre fui um crítico ferrenho do quanto o Judiciário é fechado, autoritário, patrimonialista, com tendência forte de se posicionar, em geral, a favor da classe dominante. Porém, o Brasil vive uma perigosa encruzilhada. Com um Executivo completamente estruturado para implementar um projeto fascista e destruidor intencional de todos os possíveis marcos civilizatórios e um Legislativo, em boa parte, cooptado pela força do orçamento secreto, dentre outros acordos espúrios, o Judiciário ocupa hoje fundamental papel na manutenção da – perigosamente tênue– estabilidade institucional. É o STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que bancam o jogo democrático. E, sem dúvida, merecem o nosso apoio e consideração.

Não fosse a atitude do Judiciário, desde o começo do desgoverno Bolsonaro, crescendo de importância na pandemia e na resistência aos insistentes ataques do presidente da República para fazer a ruptura democrática, muito provavelmente já estaríamos vivendo uma ditadura. O Judiciário e a extrema incompetência desse governo inculto, brega, violento e vulgar são os motivos que ainda sustentam algo parecido com um Estado Democrático de Direito. Eles não conseguiram dar o golpe que estão sempre a urdir.

No debate em Lisboa, percebi que a campanha sistemática dos fascistas contra, especialmente, os ministros do Supremo Tribunal, deixa sequelas mesmo entre os mais lúcidos e com formação humanista. Fui “cobrado” por defender a institucionalidade hoje fortemente assegurada pelo Judiciário. A campanha deletéria cravou os dentes mesmo entre pessoas que são antibolsonaristas. Alguns pontos nos ajudam na defesa da ordem democrática e da Constituição. É sempre bom lembrar que os fascistas nos acusavam, dentre outros despautérios, de tentar implementar desde o comunismo, até “a ditadura venezuelana, cubana”, entre outras. É muito difícil discutir e enfrentar os delírios que sustentam esse grupo medíocre e sem nenhum critério ético. E que não tem nenhum pejo em agir com total falta de escrúpulo ou coerência.

Bolsonaro e seu grupo mais raiz fazem, à luz do dia, o que acusavam o Lula de tentar fazer à sorrelfa. Lula governou o país por 8 anos e, nesse período, inquestionavelmente, as instituições foram preservadas e respeitadas. Como devem ser. O cumprimento da Constituição é o mínimo que se espera de um governo democrata. Não é um favor. Mas quando vemos a tentativa de ruptura, disfarçada de uma falsa institucionalidade, é que damos valor à postura de estadista do presidente Lula.

Valendo-me das palavras de autor desconhecido, “Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, nem utopia, é justiça!”.

Durante os 8 anos do governo Lula, não só houve absoluto respeito à independência do Poder Judiciário, como o Poder Legislativo esteve fora do jugo das pressões golpistas. Da mesma maneira, durante todo esse tempo foram fortalecidos, de maneira clara e republicana, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e os outros órgãos de controle. O país experimentou um relevante período de estabilidade constitucional. Agora, vivemos o caos em todas suas facetas.

O presidente da República, o vice-presidente e seus líderes falam, aberta e descaradamente, em mudar a composição do Supremo para poder dominar completamente o Judiciário. Entre as ideias golpistas e autoritárias, estaria a proposta de mudar de 11 para 16 a quantidade de ministros na Suprema Corte, para assim terem uma folgada maioria. Em postura absolutamente antirrepublicana, falam de ministros da Suprema Corte como sendo “deles”, ou seja, explicitam que as indicações visam a ter um STF adestrado ao Executivo. É assustador. Um escândalo.

Com uma incrível desfaçatez, espalham que o governo tem maioria no atual Senado para propor e fazer passar o impeachment de alguns ministros do Supremo. Por meio do impedimento dos ministros, abririam vagas para o presidente da República ter maioria na Corte. Mesmo nos ataques mais insanos e irresponsáveis destes fascistas ao período de governo Lula, não chegavam ao ponto de o acusarem de tal insanidade. Agora eles defendem abertamente o que espalhavam que poderia ocorrer em um novo mandato petista. O grau de irresponsabilidade não tem limites. Querem dar um golpe e, hipocritamente, pretendem fantasiá-lo com uma roupagem constitucional. É um escárnio. Não existe golpe constitucional, o golpe é sempre contra a Constituição e contra o povo.

Reconheço que o momento é de extrema perplexidade. Uma senadora eleita pelo Distrito Federal, em mais um surto de completa imbecilidade, disse ter conhecimento que, no Ministério conduzido por ela na gestão Bolsonaro, existiam provas de que, no governo anterior, eles tiravam os dentes de crianças para elas fazerem sexo oral sem risco de morder. E que as crianças comiam comida pastosa para fazerem sexo anal!! Esse grupo é o mesmo que inventou nas últimas eleições o “kit gay”. É doença.

Como bem colocou um autor desconhecido, “O pior da peste não é que mata os corpos, mas que desnuda as almas, e esse espetáculo costuma ser horroroso”.

Como tudo é teratológico, a tendência das pessoas sérias e sensatas é sequer prestar atenção para tais monstruosidades. Mas é preciso enfrentar, sim, essas mentiras que fazem parte de uma estratégia de campanha. Eles falam para um bando de pessoas sem cérebros, sem caráter, sem critério, mas que o voto deles vale rigorosamente o mesmo que o voto do ético e do que tem compromisso com a democracia.

Essa senadora já mandou notícias de que vai pleitear a Presidência do Senado, exatamente para patrocinar as estocadas golpistas. Urge que o TSE casse imediatamente o mandato de quem se utiliza de uma fake news criminosa, nojenta e de extrema maldade. É hora dos ministros do STF e TSE honrarem a confiança que depositamos neles. Vamos cassar os golpistas de 5ª categoria e que se sustentam pela mediocridade dos seus seguidores. Depois que Lula ganhar e a normalidade democrática for restabelecida, aí nós cuidaremos de responsabilizá-los pelos demais crimes.

Para finalizar, recordo-me de Carlos Drummond de Andrade:

“É hora de recomeçar tudo de novo, sem ilusão e sem pressa, mas com a teimosia do inseto que busca um caminho no terremoto”.


* Nota: a citação feita pelo articulista, de fato, não tem autor conhecido, embora o contexto possa fazer parecer que vem do clássico “Dom Quixote de la Mancha”, de Miguel de Cervantes. Presumivelmente falada pelo personagem-título, a frase não consta na obra e propagou-se por outros meios.

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros. Publicado inicialmente no Poder360.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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