Redação

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que é preciso resolver o que considera “problemas técnicos graves” na figura do juiz de garantias, medida incluída por deputados no pacote anticrime, de sua autoria, e mantida pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Muitas questões ficaram indefinidas. É indicativo de que faltou debate, apesar de a Câmara ter sido alertada”, afirmou Moro em entrevista ao Estadão. “Espero que o STF (Supremo Tribunal Federal) ou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) possam corrigir esses problemas.”

“ANTI-MORO” – A inserção do juiz de garantias, medida apelidada de “anti-Moro”, foi um dos reveses sofridos no primeiro ano como ministro – na lista estão ainda a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a pasta da Economia e derrotas no projeto de abuso de autoridade. Para ele, isso faz parte do processo político. “Sempre que se envia um projeto de lei, há a possibilidade de que seja rejeitado total ou em parte.”

Nos seus planos para 2020, Moro pretende usar o capital político de ministro mais popular do governo Bolsonaro e quer contar justamente com o Congresso para reverter derrotas causadas também por decisões do Judiciário, como a mudança no entendimento do Supremo sobre o momento da execução de uma pena de um condenado.

“No campo legislativo, por exemplo, queremos ajudar o Parlamento, no que for possível, a restabelecer a execução criminal a partir da condenação em segunda instância”, disse o ministro, ao falar sobre uma das principais bandeiras da Lava Jato.

O senhor reconhece derrotas na relação com o Congresso, em especial no pacote anticrime?
Sempre que se envia um projeto de lei, há a possibilidade de que seja rejeitado total ou em parte. Na minha opinião, muitas medidas importantes foram aprovadas no projeto anticrime, como a execução imediata dos veredictos do Tribunal do Júri, o que tem um potencial enorme para a redução da impunidade de assassinatos e, por conseguinte, a diminuição desses próprios crimes. O que não foi aprovado, paciência.

Por que o senhor é contra o juiz de garantias, também parte do pacote anticrime?
Não é uma questão tão simples ser contra ou a favor do juiz de garantias. Muitas questões ficaram indefinidas. Só vale para primeira instância ou também para as recursais e superiores? Vai ser aplicado às investigações e ações penais em andamento ou não? A falta de solução legislativa expressa dessas questões é indicativo de que faltou debate na Câmara sobre a medida, apesar de ter sido alertada. Tenho ainda presente que, nas comarcas com um único juiz, a medida é inviável.

Por quê?
Não tem como um juiz a distância, por meio eletrônico ou por meio de rodízio, cuidar da investigação ou da ação penal. Então, por exemplo, se o juiz em uma comarca pequena homologar uma prisão em flagrante já não poderá fazer a ação penal decorrente daquele caso. Como poderá um juiz de outro local substituí-lo em toda essa ação penal? A medida, no mínimo, deveria ter sido excepcionada para comarcas com um único juiz. Espero que o STF ou o CNJ possa corrigir esses problemas. O melhor, porém, seria a supressão desta parte da lei para que essas questões fossem devidamente debatidas no Congresso no âmbito do projeto do novo Código de Processo Penal.

Como o senhor vai se posicionar em relação à prisão de condenados em segunda instância?
No campo legislativo, por exemplo, queremos ajudar o Parlamento, no que for possível, a restabelecer a execução criminal a partir da condenação em segunda instância.

O senhor espera ter mais apoio do Congresso para aprovar seus projetos este ano?
Tive muito apoio no Congresso e conheci parlamentares fantásticos, muito dedicados. Há também resistência, às vezes até por questões político-partidárias. Penso que, demonstrando o acerto dos projetos e o resultado dos trabalhos, o apoio será crescente. Mas ressalvo que muitas ações executivas relevantes sequer dependem do Congresso.

Quais serão suas outras prioridades para este ano?
Um exemplo é o piloto da redução da criminalidade em municípios com índices elevados de violência, o Em Frente Brasil. Ele entra na fase da implementação das políticas sociais associadas à já implantada intensificação das forças de segurança. Nos cinco municípios escolhidos, houve uma queda de 44% de assassinatos. Com a fase social, esperamos queda mais profunda. Há planos novos, como a criação, ainda em estudo, de um laboratório nacional, em parceria público-privada, contra o crime cibernético, à semelhança do que existe nos Estados Unidos.

Na área da segurança pública, o que o senhor destaca?
A intervenção da força penitenciária em presídios no Pará foi, por exemplo, uma das causas da queda abrupta dos crimes na região metropolitana de Belém. A intensificação da política de combate ao crime organizado, com recordes de apreensão de drogas e bens, além do isolamento das lideranças, sem exceções, nos presídios federais, é também uma das causas da queda da criminalidade violenta. O desafio real é manter e aprofundar a queda da criminalidade.

Segurança pública sempre foi tratada como uma questão dos governos estaduais. O que mudou?
A partir de 2016, houve uma percepção geral de que os Estados estariam tendo dificuldades de, sozinhos, resolver os péssimos indicadores de segurança pública. Seguimos buscando melhorar a gestão e aprofundar o apoio aos Estados.

Isso gerou resultados?
Os crimes caíram significativamente em todo o País durante 2019. Já haviam caído em 2018, mas os porcentuais de 2019 são mais significativos. Por exemplo, houve uma redução de 22% no número de assassinatos; nos roubos a banco, 40%; nos roubos de cargas em estradas federais, cerca de 40%. Sempre tenho ressalvado que é um mérito conjunto das forças de segurança federais, estaduais e municipais. Não estamos neste trabalho para obter medalha. Mas sendo um fenômeno nacional e considerando as ações realizadas pelo Ministério da Justiça, não posso deixar de admitir que várias de nossas ações têm também refletido nessa queda.

O modelo Fusion Center implantado em Foz do Iguaçu (PR) para fronteira pode ser replicado para outras áreas? Ou mesmo em outros Estados, como Rio e São Paulo?
O Fusion Center é, na prática, uma força-tarefa permanente dedicada a combater certos tipos de crimes. No caso, o Centro Integrado de Operações de Fronteiras irá combater os crimes transnacionais, de fronteira. Nada impede que a experiência seja replicada com outras finalidades, como a criação de um centro dedicado ao enfrentamento do crime organizado em uma região específica. Mas ainda queremos aprender com o modelo de Foz, antes de ampliar a experiência.

Como será feita a regulamentação dos Fusions Centers e o que se espera com a experiência de Foz?
No Centro Integrado, reunimos agentes da PF, PRF, RF, FA, polícias locais, Coaf, Depen, entre outros. E a lista tende a aumentar. Integramos assim inteligência e bancos de dados de diversas agências. Isso vai incrementar a velocidade de investigações e operações. A legislação existente é suficiente para o centro operar. O centro, apesar de estar em Foz, atenderá todo o país, pois a região da Tríplice Fronteira é estratégica. Será ele o nosso laboratório para integração das agências de aplicação da lei na Justiça e Segurança Pública e acreditamos que é um modelo promissor.

O que o senhor diria que aprendeu neste primeiro ano trabalhando como ministro de Jair Bolsonaro?
A experiência revelou que é preciso aliar trabalho duro e eficiente, como – permito-me dizer – da equipe do ministério, com uma mensagem clara da missão, sem vacilos ou dubiedade. Essa mensagem, na área da segurança pública, é, em síntese: é preciso reduzir a impunidade para reduzir a criminalidade e, assim, aumentar a segurança para o indivíduo e para a sociedade. Isso vale para corrupção, criminalidade violenta e crime organizado. Da parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública, essa mensagem sempre foi clara e cristalina. Pode ser ilustrada pelo nossos dois cartões de entrada de 2019: a atuação imediata e intensa das forças federais para auxiliar o Governo do Ceará a debelar a crise de segurança de janeiro e a transferência, com as forças de segurança de São Paulo, e o isolamento das lideranças do PCC em presídios federais, ainda em fevereiro.

Fonte: Estadão, por