Redação –
Considerada por alguns especialistas como imprecisa e com punições excessivas, a lei de improbidade administrativa pode ser alterada por um projeto de lei em trâmite no Congresso. A lei foi promulgada em 1992 em meio às denúncias de corrupção no governo de Fernando Collor (1990-1992), com o objetivo de penalizar na área cível agentes públicos envolvidos em desvios.
Hoje, porém, até integrantes do Ministério Público, principal autor de ações desse tipo, defendem mudanças nessa legislação. O principal problema apontado pelos críticos é que as regras atuais deixam uma ampla margem de interpretação sobre o que é um ato de improbidade.
MAIS CLAREZA – O anteprojeto de reforma foi elaborado por um grupo de especialistas criado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e coordenado pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, em 2018. Agora está em tramitação em uma comissão especial da Câmara.
A proposta legislativa busca definir com mais clareza o quadro de situações de improbidade e excluir dele os atos decorrentes de “interpretação razoável” de legislação, regulamento ou contrato. O relator do projeto, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), disse que deve apresentar seu relatório até o final deste mês.
Ao longo de quase 30 anos, alguns promotores e procuradores passaram a considerar erros administrativos de prefeitos como enquadráveis na lei de improbidade.
EXEMPLOS CONCRETOS – De acordo com Zarattini, “se o prefeito resolve comprar cadeiras para o posto de saúde, e o promotor acha que deve ser comprado um tomógrafo, o promotor vai questionar e eventualmente dizer que houve improbidade. Porém, esse é um tipo de decisão administrativa do prefeito, que deve ser julgada pela população, que pode votar contra ele na próxima eleição.”
“A vida de prefeitos honestos é transformada em um inferno por causa da descrição muito aberta da lei, qualquer coisa pode ser posta ali”, afirma o juiz federal Friedmann Wendpap, responsável por mais de 90 processos de improbidade resultantes da Operação Lava Jato na 1ª Vara Federal Cível em Curitiba.
Segundo Wendpap, a lei veio à tona em 1992 como uma resposta ao caso dos anões do Orçamento e à percepção de que iriam fracassar os processos criminais contra o então presidente Collor, atualmente senador.
NÃO HAVIA PROVAS – Apesar de naquele ano Collor ter renunciado após a abertura de um processo de impeachment baseado em denúncias de corrupção, além de ter sido condenado à perda dos direitos políticos por oito anos pelo Congresso, na área penal as ações contra o ex-presidente não tiveram sucesso sob a justificativa de fragilidade das provas.
De acordo com Wendpap, instrumentos importantes de obtenção de provas à época não estavam regulamentados, como a delação premiada. Ante a descrença na possibilidade de levar políticos corruptos para a cadeia, a ideia naquele período foi aprovar uma legislação no campo cível para atingir o patrimônio dos autores de desvios.
Outra alteração do projeto em trâmite no Congresso é a de manutenção apenas da modalidade dolosa de improbidade, ou seja, passam a ser puníveis apenas as condutas em que há intenção de praticar o ato ilegal.
CULPA SEM DOLO – A proposta elimina crime culposo, situação na qual a conduta indevida ocorreu por negligência, imprudência ou imperícia, por exemplo. Com essa medida o número de condenações deve cair de modo significativo, uma vez que é muito mais difícil para a acusação comprovar na Justiça o ato doloso, ou seja, que o agente público agiu conscientemente com o objetivo de violar a lei.
O procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio, chefe do Ministério Público do Estado de São Paulo, também defende que a lei seja mais clara sobre as hipóteses passíveis de punição, mas faz ressalvas quanto ao tema do fim da forma culposa de improbidade.
Smanio entende que é preciso que a lei tenha algum tipo de previsão para os casos nos quais a culpa é grave, como, por exemplo, em uma situação em que um ocupante de órgão público, apesar de alertado por técnicos oficiais quanto a uma irregularidade, mesmo assim realiza o ato.
METRÔ PAULISTANO – O tema da decisão administrativa já esteve no centro de uma importante ação de improbidade da Promotoria paulista. O processo foi sobre a acusação de conluio na licitação para as obras de prolongamento da linha 5-lilás do Metrô de São Paulo em 2010 — caso revelado pela Folha.
Em agosto de 2011, o Ministério Público recomendou à estatal de transporte que anulasse os contratos decorrentes da concorrência pública sob suspeita.
O Metrô, então presidido pelo advogado Sérgio Avelleda, porém, não acatou a orientação, sob o argumento de que naquele momento ainda não estava comprovada a fraude e a anulação do contrato levaria à paralisação de obras, com prejuízos à população.
INCRIMINAÇÃO – Ante à recusa, a Promotoria incluiu Avelleda em uma ação de improbidade sobre o caso, com base nas decisões administrativas após o surgimento dos indícios de fraude, uma vez que ele ainda não ocupava a presidência da estatal à época da concorrência pública.
No julgamento do caso em primeira instância, em 2018, Avelleda foi condenado sob a justificativa de que naquele ano, sete anos após a recomendação, as obras ainda não estavam concluídas, e poderia ter sido realizada nova licitação sem prejuízo aos usuários do Metrô.
Porém, em segunda instância, Avelleda foi absolvido. Em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu a decisão de primeiro grau, por entender que no momento do pedido de anulação feito pela Promotoria havia apenas uma notícia de possível fraude, e Avelleda tinha a prerrogativa de decidir se a paralisação das obras era a melhor opção para atender ao interesse público.
OUTRA DISCORDÂNCIA – No âmbito do Ministério Público Federal, a procuradora da República Samantha Dobrowolski, que trabalha com a matéria desde 1998, também aprova mudanças na lei mas discorda da eliminação total da forma culposa de improbidade.
“Poderia ter sido buscada um situação intermediária, para situações de culpa grave, não só de inépcia, de incúria, mas de um grave descuido em relação aos princípios da moralidade administrativa. Até do ponto de vista simbólico, é importante que haja uma punição clara para isso, porque muitas pessoas andam no limite entre o lícito e o ilícito”, argumenta.
A procuradora também destaca como positiva uma alteração que cria a possibilidade de acordo formal entre o Ministério Público e réus nos casos de improbidade administrativa, a exemplo do que já acontece em outros tipos de legislação que preveem as figuras como a delação premiada.
EXCLUSIVIDADE DO MP – Outra nova regra do projeto é aquela que estabelece a exclusividade do Ministério Público para a apresentação de ações de improbidade.
Atualmente órgãos como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias dos municípios também podem ser autores desse tipo de processo.
Procurada pela Folha, a AGU enviou nota manifestando oposição a essa proposta, sob a alegação de que ela “exclui um relevante ator do combate à corrupção e, talvez, o principal interessado, que é o ente público lesado. Enfraquece, assim, a capacidade de resposta do país no combate à corrupção”.
###
DESCRIÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE
Como está hoje – O texto da lei é muito genérico sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação.
O que pode mudar – O projeto de lei traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevê que atos decorrentes de interpretação razoável de lei, regulamento ou contrato não configuram improbidade.
FORMA CULPOSA DE IMPROBIDADE
Como está hoje – A lei estabelece que atos culposos, em que houve imprudência, negligência ou imperícia podem ser objeto de punição.
O que pode mudar – Proposta deixa na lei apenas a modalidade dolosa, isto é, as situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração. Medida deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à Justiça provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei.
POSSIBILIDADE DE ACORDO JUDICIAL
Como está hoje – a lei proíbe expressamente a realização de acordo judicial.
O que pode mudar – O texto do projeto de lei estabelece a possibilidade de um tipo de conciliação entre as partes, tecnicamente chamado de acordo de não persecução cível.
TITULARIDADE DA AÇÃO
Como está hoje – O Ministério Público e outros órgão públicos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias municipais podem apresentar as ações de improbidade à Justiça.
O que pode mudar – O Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações segundo a proposta em trâmite na Câmara dos Deputados.
Fonte: Folha, por Flávio Ferreira
MAZOLA
Related posts
Editorias
- Cidades
- Colunistas
- Correspondentes
- Cultura
- Destaques
- DIREITOS HUMANOS
- Economia
- Editorial
- ESPECIAL
- Esportes
- Franquias
- Gastronomia
- Geral
- Internacional
- Justiça
- LGBTQIA+
- Memória
- Opinião
- Política
- Prêmio
- Regulamentação de Jogos
- Sindical
- Tribuna da Nutrição
- TRIBUNA DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA
- TRIBUNA DA SAÚDE
- TRIBUNA DAS COMUNIDADES
- TRIBUNA DO MEIO AMBIENTE
- TRIBUNA DO POVO
- TRIBUNA DOS ANIMAIS
- TRIBUNA DOS ESPORTES
- TRIBUNA DOS JUÍZES DEMOCRATAS
- Tribuna na TV
- Turismo