Por Siro Darlan e Silvana do Monte Moreira –
Série Especial: ADOÇÕES – Parte IX.
Adoção internacional une família americana a cinco irmãos do Distrito Federal. Processo da adoção internacional foi conduzido pela Comissão Distrital Judiciária de Adoção do TJDFT (CDJA). O trâmite seguiu o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ano começou com uma aguardada mudança de lar para cinco irmãos do DF. Após quatro anos aguardando por uma família que os acolhesse, eles encontraram um novo lar nos Estados Unidos. O processo da adoção internacional foi conduzido pela Comissão Distrital Judiciária de Adoção do TJDFT (CDJA), que contou também com a atuação do organismo internacional Lifeline Children’s Services.
As crianças estavam na Casa da Criança Batuíra. De acordo com a assistente social e secretária executiva da CDJA, Thaís Botelho, o processo costuma ser com casais sem filhos. “Contudo, nesse caso, o casal já tinha outros quatro filhos, e mesmo assim não houve dúvidas quanto ao engajamento no processo de adoção”, conta.
De acordo com ela, logo que o caso dos irmãos foi apresentado, a família se disponibilizou a adotá-los. Porém, como o casal ainda estava em processo de habilitação para adoção nos EUA, e a habilitação no Brasil somente pode ocorrer após o deferimento do pedido no país de origem dos adotantes, houve uma espera de quase dez meses para finalizar a habilitação brasileira. Todo o trâmite seguiu o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
“Observamos que a experiência prévia da maternidade e da paternidade parece ter tornado o estabelecimento de vínculos mais fácil e natural. O casal demonstrou habilidade para atender às diferentes demandas que surgiram e ainda para conduzir as tarefas cotidianas, sempre de modo afetivo e disponível para a aproximação e vinculação com as crianças”, avalia Thaís. Ela conta que um dos filhos do casal, de 22 anos, também veio para o estágio de convivência. “E sua participação foi muito positiva e contribuiu para o sucesso do projeto adotivo”, afirma.
Preparação
A secretária executiva da CDJA ressalta a importância da preparação das crianças para a transição do acolhimento institucional à vinculação a uma nova família. “Primeiro é preciso criar vínculo de confiança e de afetividade, e isso exige trabalho, presença, atenção. As crianças precisam de espaço de escuta para compartilhar suas angústias, medos, fantasias e sonhos”, explica Thaís. Ela completa que o investimento na preparação também é fundamental para os adotantes. “O tempo de espera pelo filho deve ser um momento de reflexão e de autoconhecimento, de modo a facilitar a adaptação entre as partes envolvidas”, pondera.
De acordo com a CDJA, no processo de adoção dos cinco irmãos, foram realizados 14 encontros de preparação antes da chegada dos adotantes e outros 10 durante o estágio de convivência com a família no Brasil. A equipe tem o compromisso de se dedicar semanalmente à construção do vínculo entre os envolvidos, visto que os encontros de preparação são semanais. “Esse é um período muito intenso e que exige dedicação da equipe técnica”, observa Thaís Botelho.
Novo caminho
Os irmãos — três meninos, de 9, 10 e 13 anos, e duas meninas, de 5 e 7 anos — agora seguem um novo caminho, levando gratidão, amor e lembranças como o pão de queijo no meio da tarde. Essa história de um tempo de espera e esperança inspirou a escrita do conto infantil Seguindo em Frente, de autoria de Thaís Botelho com ilustrações de Érika Duarte, dado de presente aos irmãos e sua nova família como lembrança de suas vivências no Brasil. A partir de agora, as crianças vão construir novas memórias familiares, com pai, mãe e mais irmãos, no Tennessee, EUA.
Sigamos com os depoimentos dos(as) adotados(as):
Michele dos Santos Souza
A adoção é tão importante na vida de alguém, como me dói saber que muitas mães colocam seus próprios filhos ainda pequenos pra adoção, e como me alegra saber que não importando a cor, por onde passou, não importando absolutamente nada, aquela criança é adotada e tem todo carinho e todo amor.
Essa não é minha história essa é história é de muitas crianças. A minha é, eu apenas bebêzinha na central do Brasil, ainda bebê ficava no chão comida de ratos, doente eu fui parar no hospital Souza Aguiar, Flordelis, uma grande mãe me socorreu, me adotou e me deu todo amor, ser adotada por ela é como se eu não fosse, é como se ela tivesse me gerado, ela tem tanto amor dentro dela, eu podia ter morrido, eu podia não está aqui hoje com 28 anos que tenho com ela, em 1993 nasceu esse amor por ela, e eu ainda bebê podia sim sentir isso e senti e sinto, pra quem não sabe tenho uma irmã de sangue sobrevivente da chacina da Candelária.
Hoje moramos juntas e ela é mais velha que eu, ela tem uma bala alojada no fígado, porque na madrugada passaram atirando e ela graças a Deus sobreviveu e eu também, eu parei no hospital Souza Aguiar e ela foi para o abrigo, minha mãe Flordelis lutou por nós, graças a Deus e a ela, temos saúde, estamos bem, cuidamos dos nossos irmãos adotivos também menores e é importante sim adotar, hoje eu não estaria aqui e nem a minha irmã, mas estamos firmes e fortes graças a essa mãezona, nós tentamos passar para as crianças um pouco de tudo o que ela é, todo cuidado, todo amor, todo carinho e principalmente respeito e pra quem conheceu aquela época da Candelária sabem, poucos sobreviventes e hoje ver minha irmã com uma filha maravilhosa e hoje me ver no espelho, posso todos os dias agradecer a Deus e a essa mãe, super mãe Flordelis.
Cheguei ao ponto de ter várias feridas de rato, e ela cuidou de mim com todo amor, eu não sei devolver metade do que ela fez por mim, meu amor por ela é imensurável, ela me deu um lar, uma família abençoada, um amigo irmão que de tanto grude que eu era, virou meu pai, André Luiz, meu amor, meu parceiro e principalmente meu amigo, amo esse meu irmão Pai, é complicado de entenderem porque cresci chamando ele de pai, e disseram que ele é meu irmão, mas o amor paterno era tão grande que ele resolveu me aceitar como filha e hoje temos esse amor, esse respeito, Meu pai André é homem mais sensacional que alguém pode conhecer, ele tendo 5 filhos, 4 grandes, decidiu me amar e me chamar de filha, eu quero que ele saiba que a minha vida, dentro de mim ele pra sempre é meu parceirão, te amo pai.
Essa é minha vida, essa sou eu cheia de saúde graças a Deus, me chamo Michelle dos Santos Souza.
Pedro Paulo
Sou Pedro Paulo, estou com 17 anos e 11 meses, fui acolhido com 11 anos (não lembro ao certo), fui para abrigo e também meus 4 irmãos porque minha mãe biológica não cuidava da gente e só queria ficar na rua fazendo besteira. Eu ia para a escola só para comer porque ela não pensava na gente, espancava de forma violenta e ainda tenho cicatrizes no meu corpo, eu ia para a escola mas era analfabeto. Minha vida era muito ruim porque eu apanhava demais também dos meus tios e aí eu ficava na rua o dia inteiro para não apanhar muito, também corria atrás de dinheiro catando latinha para comer. Passei muita fome e minha irmã mais velha denunciou minha mãe para o conselho tutelar e cada um foi para um abrigo diferente, mas eu consegui ficar no mesmo do meu irmão. Fugi de vários abrigos porque queria ficar com minha mãe biológica mas ela não queria ficar comigo e me devolvia sempre.
No último abrigo, encontrei meu irmão e uma irmã e lá fiquei até quase 13 anos. Conheci minha mãe Solange que foi minha madrinha afetiva e depois minha família acolhedora e depois me adotou quando eu tinha 14 anos. Minha família sou eu e minha mãe Solange e todos os parentes dela que agora também são meus.
Eu aprendi a ler e escrever com 13 anos quando minha mãe era minha família acolhedora. Com ela, eu conheci uma escola de verdade e fiz vários amigos, ela me ensinou o que é certo e errado, e me apoioa em tudo. Eu tenho explicadora todos os dias, estudo em colégio particular, faço terapia para conhecer e controlar minhas emoções porque às vezes eu sinto muita raiva, faço estimulação neurocognitiva e luto jiu-jitsu.
Odeio regras, mas estou aprendendo a respeitar e entender. A adoção me ensinou o que é uma família de verdade, me trouxe felicidade e segurança. Hoje sei falar, me expressar, sei ir à restaurantes e comer direitinho, viajo e faço passeios que jamais poderia com minha mãe biológica. Eu me sinto muito mais inteligente. Minha mãe adotiva sempre me prometeu que eu viria minhas irmãs adotadas e até hoje cumpre essa promessa. Minha mãe é minha melhor amiga e me ensina tudo. Eu quero ser pedagogo e minha mãe diz que posso ser o que eu quiser.
Vania da Conceição
Ser adotado ou acolhido pressupõe do outro lado, um ato humano e de muito amor. Significa trazer pra sua vida alguém que você não conhece, não sabe sua origem e que não foi gerado por você.
Eu tive a sorte de ser amada por Flordelis e outras pessoas maravilhosas, tenho irmãos que eu sei que jamais irão me abandonar, daqueles que te dão um “chute” e dizem vai lá, você é boa nisso, não perca a oportunidade, explore seu potencial, nada de ficar parada, levante a cabeça. Me impulsionam a não deixar ninguém dizer que não sou capaz e estão sempre colocando na minha cabeça que eu posso muito mais do que imagino.
A realidade mostrou que minha família não era perfeita, mas sou grata por tudo que tive com eles, na verdade sou imensamente grata por ter sido salva.
Leia também:
Dia 11 estreia a série “Adoções”
ADOÇÕES I – Família Harrad Reis
ADOÇÕES II – Do direito à convivência familiar e comunitária
ADOÇÕES III – Obrigações de cuidado
ADOÇÕES IV – Condições para adoção
ADOÇÕES V – O processo de adoção
ADOÇÕES VI – Cadastro Nacional de Adoção
ADOÇÕES VII – Adoção no Brasil
ADOÇÕES VIII – Adoções Internacionais
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ. siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
SILVANA DO MONTE MOREIRA – Advogada, militante da Adoção Legal, mãe sem adjetivos. Presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/RJ (2016/2018, 2019/2021), coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II, membro fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Representante para o estado do Rio de Janeiro da Associação Brasileira Criança Feliz, dentre outras atividades que desempenha. @silvanamonteadv
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