Por José Carlos de Assis

Num livro escrito em 2008, “A crise da globalização”, antecipei o que me parecia ser uma mudança de paradigmas milenares na história da humanidade. Com a vitória de Joe Biden, isso começa a materializar-se. Falei na mudança do paradigma da guerra, do paradigma ambiental e do paradigma genético. No primeiro caso, antes mesmo de qualquer iniciativa de Biden, sabemos que, entre potências nucleares, o paradigma de solução de conflitos por meio da guerra, entre potências nucleares, não pode realizar-se sem a destruição virtual de toda a humanidade. A mudança é radical e definitiva.

O paradigma ambiental sofre também uma mudança radical. O protocolo de Paris já havia indicado uma mudança em escala planetária no tratamento global do meio ambiente. Donald Trump, num recuo sem precedentes, retirou os Estados Unidos do acordo. Biden já sinalizou que voltará a ele. Isso recoloca os Estados Unidos, a China e a Rússia como líderes do processo de limpeza ambiental do planeta. Outros países, inclusive o Brasil, terão de seguir a iniciativa. O que está em jogo, nesse campo, não é apenas a nação. É a Terra, conforme a mudança específica desse paradigma.

É óbvio que também a genética indica o imperativo de uma mudança paradigmática de relações entre as pessoas e os povos. É o campo mais difícil para uma atuação política disciplinadora porque relaciona liberdade científica com controle de pesquisa. A liberdade irrestrita na pesquisa genética representa, porém, uma ameaça para a humanidade. Um cientista ou um grupo de cientistas loucos, dispostos a chantagear países e o mundo, podem desenvolver meios genéticos para isso. É o que pode acontecer até mesmo por acaso, sem intencionalidade.

Exceto o paradigma genético, dos outros dois temos indicações de que estão em processo de desenvolvimento. Contudo, considerado o fato de que, em termos geopolíticos, terá de haver necessariamente uma acomodação de poderes entre Estados Unidos, Rússia e China, também a questão genética terá de ser tratada entre os países líderes, pois há problemas de segurança mundial em jogo. Nesse sentido, as perspectivas são favoráveis. E dizer, como fazem alguns geopolíticos, que a vitória de Biden é a mesma coisa que a vitória de Trump, é uma tolice.

Deve-se considerar também que a relação entre Estados Unidos e China terá de tomar um curso pacífico, inclusive no comércio, tendo em vista a impossibilidade de uma guerra entre duas potências nucleares para resolver seus conflitos. Os Estados Unidos terão de acomodar-se à situação de segundo lugar na economia mundial, o que é inevitável e justo, tendo em vista o tamanho populacional da China. Isso também é uma mudança de paradigma de segundo nível, pois não implica outros deslocamentos de poder geopolítico, não obstante a perda relativa de espaço norte-americano no mundo.

Decidi escrever esse artigo porque amigos meus, comentando as eleições norte-americanas, e antes de saber seu resultado, argumentavam que a vitória de Trump ou Biden seria indiferente. É uma ingenuidade. Biden, pelo caminho ambiental, representa o novo. E Trump é o velho nesse campo.

Talvez os dois sejam semelhantes na questão da guerra, mas o fato é que, nesse caso, há uma trava a partir da qual nenhum deles pode ultrapassar sem risco para a humanidade. Mesmo assim, confio mais no Biden, apesar da tradição belicista dos democratas, do que em Trump, com sua absoluta arrogância.

Torci equivocadamente por Trump em sua primeira eleição. Achava que, como homem de negócios, teria um tratamento menos belicoso com Vladmir Putin, acomodando as relações com a Rússia e reduzindo as tensões mundiais. Foi um engano. Organizações não governamentais norte-americanas, como a Open Society, se encarregaram de azedar as relações do país com a Rússia, através do estímulo a um golpe de Estado na Ucrânia, tornando irreversível a deterioração das relações entre os dois países – mesmo porque os belicistas norte-americanos não aceitavam paridade de poder com a Rússia.

Uma mudança de paradigma é um fato peculiar na história humana. Ela cria trilhas por onde homens e grupos humanos tem necessariamente que passar no curso das civilizações. Entretanto, um louco pode tentar passar além da trilha. E esse é o caso dos Hitler, em sua ganância absoluta de engolir o mundo. Na sua prática, Trump mostrou que tem esse perfil. Demos sorte, porque uma diminuta margem de eleitores norte-americanos decidiu o resultado em favor de Biden. Dele podemos esperar um novo período histórico que afaste de nós os grandes fantasmas políticos desse início de século.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.