Por Luiz Carlos Prestes Filho –
Candidata a vereadora pela cidade do Rio de Janeiro, Elika Takimoto, afirma que: “Das prefeituras que mais admiro é a de Maricá. Nos últimos anos foi o município que mais gerou empregos. Podemos seguir o modelo aqui no Rio com incentivo à criação de cooperativas, fazer o poder público não mais olhar o camelô como inimigo, desassociando este trabalhador da pirataria, de modo que se entenda que o combate se faz nos setores de cima da pirâmide.” Em entrevista exclusiva para o jornal Tribuna da Imprensa Livre destacou que
“Os mais pobres precisarem mais do Estado. Os ricos não precisam. É a população da periferia que sai para trabalhar no centro e na zona sul, enquanto os ricos dormem. Essa população depende de transporte público. Não é na periferia que você encontra grande concentração de usuários de planos de saúde. A maior parte depende exclusivamente do SUS. Também é na periferia que se concentram os estudantes da escola pública. E é justamente na periferia o maior índice de morte de jovens negros, durante ações policiais.”
Luiz Carlos Prestes Filho: Como você vê a cidade do Rio de Janeiro no contexto politico nacional e internacional?
Elika Takimoto: A cidade do Rio de Janeiro é uma das cidades mais conhecidas no exterior. Assim como muitas pessoas acham que Nova Iorque é a capital dos Estados Unidos, dado a beleza, a importância e a projeção internacional do Rio, há quem pense que a Cidade Maravilhosa ainda seja a capital do Brasil. De fato, muita coisa que acontece no Rio reflete em todo o país. Aqui estão a Petrobras e a Vale, duas das maiores empresas brasileiras e uma produção científica imponente dada a concentração de Universidades, Institutos Federais e Centros de Pesquisa. Sem contar que o fato de Brasília ter se tornado capital do país não fez com que os holofotes fossem, de tudo, deslocados para lá. A mobilização política que acontece no Rio é considerada, por muitas vezes, um início e uma inspiração para que outras capitais também se organizem politicamente. Somos muitas vezes chamados de “vitrine”. Acrescento que nem sempre a vitrine mostra o que há de bonito e sim o que há de novo. Nessa esteira, ter um prefeito fundamentalista religioso que não valoriza festas populares como o nosso Carnaval (que é uma máquina propulsora da economia ao longo de todo ano) entra nessa vitrine das coisas horríveis e novas com as quais temos que lidar aqui. Essa relação conflituosa e o resultado disso ganham as manchetes da grande mídia e servem de exemplo para o resto do Brasil e do mundo que nos observa.
Prestes Filho: As políticas de Meio Ambiente deveriam orientar as políticas de Turismo, Cultura e Desenvolvimento Econômico?
Elika Takimoto: Se considerarmos que o estado do Rio possui 19,7% de seu território protegido por unidades de conservação e além disso, duas das maiores florestas urbanas do mundo, que são a Floresta da Tijuca e a Floresta da Pedra Branca, situadas na capital, eu diria que é impensável o turismo em nossa região, sem que seja orientado e integrado com a pauta ambiental. Um dos setores que mais crescem na área de turismo é o chamado ecoturismo. Antes da pandemia, por exemplo o ecoturismo demonstrava um crescimento superior ao turismo convencional no Brasil e o Rio é um dos destinos mais procurados. Só em nossa cidade contamos com duas unidades de conservação federais, quatro estaduais e dezessete municipais, incluindo o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar que são patrimônios da humanidade. O maior desafio para que este tipo de incentivo se dê de forma responsável e eficaz é a fiscalização. Não são poucos os casos de ações ilegais em áreas de proteção como festas, pernoites, descarte de lixo, interação desordenada com a fauna e a flora, inclusive práticas de biopirataria. Por isso, é preciso promover ações de integração entre as diferentes esferas do poder público, no intuito de valorizar o ecoturismo responsável, e o poder legislativo municipal tem obrigação de cobrar essas ações da prefeitura.
Prestes Filho: A atual gestão municipal conseguiu realizar ações ambientais que valorizaram as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), os parques estaduais e federais?
Elika Takimoto: Dialogando com a pergunta anterior, Crivella não realizou nenhuma ação ambiental de relevância estrutural para a cidade. Não sei se alguém lembra mas uma das primeiras pessoas escolhidas para conduzir a secretaria de meio ambiente assim que ele assumiu a prefeitura do Rio foi um ex-militar e servidor do Banco Central, sem nenhuma qualificação ou experiência na pauta ambiental. Seu único critério foi o fato desta pessoa ter base no meio evangélico que é o nicho político de Crivella. Essa mesma pessoa depois foi indicada a presidir a Comlurb mas foi afastada determinação judicial, e logo em seguida Crivella o remanejou para a Secretaria de Transportes. Crivella e este ex-secretário foram indiciados pelo Ministério Público por abuso de poder religioso nas eleições de 2018. O estado do Rio perdeu por desmatamento uma área equivalente a cem campos de futebol nos últimos seis anos. A cidade com maior número de denúncias é a capital com cerca de 2611 denúncias, de acordo com o programa “linha verde” do Disque Denúncia. Estamos falando de um dos biomas mais ricos do mundo que é a Mata Atlântica do qual só existe apenas 17% de pé. Crivella em nenhum momento foi enérgico ao combater crimes ambientais na cidade do Rio. Ao contrário, vimos o prefeito assistir apático a tentativa criminosa do Ministro Ricardo Salles de revogar a proteção ambiental sobre nossas áreas de restinga e manguezal nas últimas semanas. Sem contar o projeto de Crivella de destruir a Floresta do Camboatá, na Zona Oeste, para construir o Autódromo de Deodoro, que segue embarreirado pela justiça. Outro ponto importante de ser lembrado é que há quase um mês, Crivella exonerou a gestora do Parque Municipal do Penhasco Dois Irmãos para nomear uma pessoa sem nenhuma referência ou experiência na área. Um fato grave que nos acende o alerta sobre a possibilidade de Crivella fazer de nossos parques ambientais um palco de barganhas políticas.
Prestes Filho: Como você vê a política municipal? Como pretende legislar? O que é preciso mudar com urgência?
Elika Takimoto: Crivella se elegeu prometendo cuidar das pessoas, mas sua gestão conseguiu ser ainda pior que as anteriores. Cortou verba da saúde, extinguiu equipes de saúde da família, atrasou salário de servidores, usou a máquina pública para benefício de grupos religiosos e benefício político próprio, operou uma série de contratos irregulares e a câmara ainda assim o absolveu. A política municipal do Rio é o mesmo toma lá dá cá, o que mudam são os atores do jogo. Existem ótimos vereadores, mas ainda não são a maioria. Quem tem coragem para mudar é perseguido, de uma forma ou de outra. Já passam de dois anos desde o assassinato de Marielle e sequer tivemos uma conclusão efetiva do caso. É a naturalização da barbárie e do terror. Quero legislar com autonomia, senso crítico e ciente do meu real papel como vereadora. É preciso mudar com urgência a política de troca de favores para que nossa cidade seja realmente do povo.
Prestes Filho: Quais são as suas propostas para áreas tão sensíveis como Saúde e Educação? Como a professora imagina ser possível o poder municipal realizar ações conjuntas com as universidades públicas e privadas?
Elika Takimoto: O primeiro passo para criar propostas concretas para saúde e educação, saindo daquele velho chavão político, é pensar nestas duas áreas como um direito do povo e não um favor que os governos e representantes nos fazem. Basicamente, em meu programa legislativo eu falo em fiscalizar o uso de recursos, além de propor como usá-lo. Na educação, as propostas são: revisar o Plano Municipal de Educação a fim de rever metas vencidas e propor novas reflexões sobre nossa situação, especialmente no contexto da pandemia; cobrar investimentos da prefeitura na estrutura da rede municipal. Apenas 14% das escolas municipais possuem laboratório de ciências, 49% não possuem quadras de esporte e 33% ainda não possuem biblioteca, além da disponibilidade de computadores na rede municipal ser de 1 para cada 52 estudantes). Nesse sentido, devemos não só cobrar da prefeitura, mas também buscar recursos junto à Alerj ou em Brasília, além de elaborarmos um projeto de recuperação e integração de nossas bibliotecas municipais com a população. Também é preciso combater a evasão escolar e a defasagem idade-série com o desenvolvimento de canais de escuta e diálogo entre família e escola, acompanhamento do conselho municipal de educação e fiscalização das políticas da prefeitura na área. Lutar por uma educação inclusiva que assegure aos jovens com deficiência o direito à educação, com material didático acessível, profissionais capacitados em condições dignas de trabalho para conduzir o processo de aprendizado destes jovens… Quero fazer isso aprimorando e revisando as leis existentes voltadas para as pessoas com deficiência de nosso município e cobrando o pleno cumprimento da política municipal de educação especial. Pretendo também, lutar pela valorização profissional, cobrando do executivo municipal a implantação do plano de cargos e salários unificado para os servidores da educação, além do cumprimento de 1/3 da jornada docente destinada a atividades extraclasse. Por fim, quero lutar pela garantia de qualidade na alimentação dos usuários da escola pública com a fiscalização do Programa Nacional de Alimentação e do Programa de Aquisição de Alimentos. Na saúde, meu programa legislativo se propõe a Fortalecer a Comissão de Saúde da Câmara Municipal, Dialogar com o Conselho Municipal de Saúde, cobrar da prefeitura um canal de comunicação entre as diferentes esferas do SUS e elaborar um estudo econômico sobre o Rio em prol do serviço público, para garantir a contratação de servidores por meio de concursos com salário digno e Plano de Cargos e Salários. Sou contra a lógica das OS’s que Crivella não foi capaz de combater e sou contra suas manobras na Rio Saúde. Defendo o servidor concursado, com salário em dia e condições de trabalho dignas. Só assim poderemos pensar um Rio em que sua gente não padece em filas, não morre sem tratamento ou cirurgia e é atendida com eficácia e qualidade. Meu plano legislativo está disponível na íntegra em: www.elikatakimoto.com. Há muitas possibilidades de propostas que integrem a universidade com políticas públicas nestas e em muitas outras áreas, como, por exemplo, a elaboração cursos de atualização e capacitação para professores lidarem com novas tecnologias, novos conteúdos e novas abordagem em sala de aula. Elaborar por exemplo projetos que incentivem a residência médica nas equipes de saúde da família sob a supervisão de um médico concursado. É preciso vontade política da prefeitura e no que depender de mim, cobrança não vai faltar.
Prestes Filho: Quais suas propostas para fortalecer o empreendedorismo? Como gerar trabalho e renda no meio da crise que vivemos, por conta da pandemia?
Elika Takimoto: Primeiramente temos que refletir sobre a romantização do empreendedorismo em um país que não gera empregos. São mais de 13 milhões de desempregados no Brasil, mais de 1 milhão só no estado do Rio. De janeiro a julho deste ano, o Rio teve o segundo pior resultado relativo do país na balança entre admissões e demissões, segundo o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Não quero com isso dizer que não se deva incentivar o cidadão que decidiu empreender. Umas das prefeituras que mais admiro é a de Maricá. Nos últimos anos foi o município que mais gerou empregos. Podemos seguir o modelo aqui no Rio com incentivo à criação de cooperativas, fazer o poder público não mais olhar o camelô como inimigo, desassociando este trabalhador da pirataria, de modo que se entenda que o combate se faz nos setores de cima da pirâmide. É possível pensar em incentivo fiscal para empresas, de forma limpa e responsável, de modo que assegure empregos, sobretudo em tempos de pandemia. Como medida de incentivo ao empreendedorismo, enquanto vereadora, posso cobrar da prefeitura que implemente cursos de capacitação para empreendedores, micro e pequenas empresas. Um exemplo a ser seguido é o programa desenvolvido pela prefeitura de Maricá chamado “Somos Maricá” que promoveu uma série de cursos, palestras, workshops e encontros sobre empreendedorismo local. No entanto, reforço, essas medidas precisam ser tomadas pelo Poder Executivo local. Como vereadora posso elaborar projetos que caminhem nesta direção, além de cobrar da prefeitura e da secretaria municipal de trabalho e emprego um plano de desenvolvimento para Rio. Neste sentido, já refletindo com a segunda parte da pergunta, é preciso dizer que não há como afirmar que um vereador pode garantir que se mantenham os empregos na pandemia. O que se pode fazer é elaborar e cobrar as medidas que expus, além de pressionar para que o trabalhador não fique entregue à própria sorte. Maricá, por exemplo, criou o Programa de Amparo ao Trabalhador, que no contexto da pandemia, garantiu o pagamento de um salário-mínimo (R$ 1.045), convertido em Mumbucas, a trabalhadores autônomos e informais. Precisamos de um raio x das sequelas deixadas pela Pandemia no Rio, lembrando que ainda não acabou e que os próximos representantes do povo têm o dever de legislar em favor de quem foi mais prejudicado.
Prestes Filho: A Melhor Idade merece uma atenção especial neste momento?
Elika Takimoto: Sem dúvida. Inclusive, precisamos refletir sobre o fato de nossa pirâmide etária estar em mudança. Em dez anos teremos a quinta maior população idosa do mundo, de acordo com a OMS. Justamente neste período histórico de mudança sofremos uma retirada abrupta de direitos por Temer e agora aprofundada por Bolsonaro. A reforma trabalhista, a reforma da previdência, o teto de gastos… Tudo isso vai prejudicar ainda mais a população idosa no Brasil e não estamos falando de algo no futuro remoto. Já no presente, os dados sobre velhice no Brasil são preocupantes. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, os idosos correspondem a 17,44% dos 5% dos brasileiros mais ricos e 1,67% dos 5% mais pobres. Eles são 15,54% da classe AB, 13,07% da classe C, 4,71% da classe D e 1,4% dos idosos são da classe E. Em relação a fonte de renda, 59,64% das aposentadorias saem da previdência social, 40,78% dos benefícios do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e apenas 0,89% do Bolsa Família. O Rio é a capital com maior concentração de idosos com 14,5% da população acima dos 65 anos, mas observe que esta concentração se dá em maior parte nos bairros de Copacabana, Flamengo, Ipanema e Leblon. Envelhecer precisa ser um direito assegurado aos mais pobres. Para isso é preciso dar uma atenção especial aos idosos da periferia do Rio. Existe a luta maior para que as esferas federal e estadual garantam uma renda mínima e o direito de se aposentar bem. Como vereadora pretendo cobrar do município que as políticas previstas no Estatuto do Idoso sejam postas em prática no subúrbio, na periferia, nos bairros mais pobres. Quero que o idoso da periferia tenha o mesmo acesso a políticas públicas e qualidade de vida como têm os da Zona Sul.
Prestes Filho: A diversidade étnica e cultural deve ter uma agenda política específica? O carnaval, por exemplo, foi sistematicamente sabotado pela gestão atual. Isso deve ser modificado?
Elika Takimoto: É preciso retomar o caminho da força cultural carioca, não somente porque esta é uma vocação essencial do Rio, mas também porque a cidade, bombardeada permanentemente desde o golpe de 2016, terá que reinventar caminhos de emprego e renda numa economia brutalmente agredida pela inércia do poder público, hoje incapaz de perceber o potencial da cultura carioca como mola propulsora da recuperação econômica. Existe uma economia estruturada a partir do mundo do carnaval que, infelizmente, tem seu potencial pouco explorado, principalmente nestes tempos em que o fundamentalismo religioso invade cada vez mais a estrutura político-administrativa de nosso município. As escolas de samba são espaços construídos a partir de uma identidade cultural e territorial importantíssima, e reconhecendo isso podemos alcançar e dialogar com a população de forma mais direta. É preciso encarar o Carnaval como um ato de resistência, respeitar seus trabalhadores e reconhecer que o retorno financeiro promovido pelo setor é muito maior do que o valor investido pelo município. Para se ter uma ideia, o grupo de acesso não recebeu investimento da prefeitura em 2019.
Enquanto vereadora, buscarei oferecer caminhos para a formação e qualificação profissional nas áreas de artesanato, costura, desenho e moda, turismo, entre outras. Avançaremos assim no apoio e desenvolvimento da cadeia produtiva do carnaval em todas as suas potencialidades, e ao mesmo tempo garantindo emprego e renda através da Cultura.
Prestes Filho: O ex-prefeito Eduardo Paes rebatizou o território da “Pequena África”. Denominou de “Porto Maravilha”. Será que não chegou o momento de devolver aos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo (morros da Providência, Conceição e Pinto) o verdadeiro nome?
Elika Takimoto: O que foi feito na região da Pequena África foi mais uma forma de aculturação do espaço e sua gente e isto é uma agressão histórica que acontece no Brasil que nega seu passado escravocrata. Ali é porta de entrada do Brasil e também um ponto de reflexão sobre os horrores da escravidão e não me admira que um país mergulhado no mito da democracia racial não só normalize mas também romantize o processo implantado ali. O próprio conceito de “revitalização” é por si só uma mentira, afinal não existia vida ali antes? Eu penso que além de pensarmos o nome, é preciso dar protagonismo, ouvir, acatar e cobrar resultados das propostas vindas de movimentos e lideranças legítimas que estão há anos na luta pela valorização e resgate de memória da Pequena África. É preciso pôr em prática um plano de emergência que valorize a Pedra do Sal, o Largo da Prainha, o Cemitério dos Pretos Novos, o Cais do Valongo… Eu quero ser mais uma a pressionar o poder público em prol da Pequena África.
Prestes Filho: Qual seu olhar para a gentrificação promovida no Rio nos últimos anos?
Elika Takimoto: Essa pergunta dialoga diretamente com a anterior. O Porto Maravilha é um exemplo de gentrificação promovido nos últimos anos. A conservação e reestruturação de áreas urbanas é um debate mundial desde o século XX. A Carta de Atenas (1933), a Carta de Veneza (1964), o Manifesto de Amsterdã (1975) e a carta de Burra (1980) são fruto deste debate. No início deste século nós temos a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural e Imaterial, promovida pela UNESCO em 2003 e Declaração de Quebec em 2008. Estes documentos apontam um caminho de preservação da memória e identidade em harmonia com novas tecnologias, contudo, o que vemos no Rio é o interesse do Capital financeiro, da especulação imobiliária e de um mercado cultural elitizado protagonizarem estes processos em favor do lucro. E não foi só o Rio a passar por isso nas últimas décadas, há outros exemplos em Salvador, Recife, São Paulo, Cidade do México, Nova Délhi… A gentrificação é um sintoma de um problema maior que vivemos a nível mundial e não passa só pelas grandes construtoras ou governos. Existe algo mais profundo na elite de nosso país que é a sua mentalidade construída a partir da lógica de preservação de seus privilégios. Esta elite, inevitavelmente reside nos bairros mais caros e luxuosos e em momentos em que a população de expande, seja pelas vias de aumento da natalidade, ou maior fluxo de migração ou imigração, a função das elites volta-se para a preservação de seu bairro, tanto no aspecto físico, como no impedimento de novos moradores. Com isso, vem a lógica das remoções nos bairros mais pobres, a transformação destes bairros em atração turística, longe do sossego da elite… Não é algo simples de se combater, mas ter um mandato propositivo, que faça o debate e cobre soluções e diálogo com quem está pensando o rumo das cidades nos próximos anos, é o mínimo que podemos fazer.
Prestes Filho: A periferia merece uma atenção maior dos legisladores?
Elika Takimoto: Esta pergunta me faz lembrar uma fala que o presidente Lula sempre faz por onde quer que passe, que é a de justamente os mais pobres precisarem mais do Estado. Os ricos não precisam. Fazendo um link entre essa fala e a pergunta, minha resposta é de que a periferia precisa de atenção maior de todo o Poder Público. É a população da periferia que sai para trabalhar no centro e na zona sul, enquanto os ricos dormem. Essa população depende de transporte público. Não é na periferia que você encontra grande concentração de usuários de planos de saúde. A maior parte depende exclusivamente do SUS. Também é na periferia que se concentram os estudantes da escola pública. E é justamente na periferia o maior índice de morte de jovens negros, durante ações policiais. Para a periferia sobra a face mais cruel do Estado. Todo candidato e toda candidata têm que saber que, independente do cargo que pleiteie, caso seja eleito ou eleita, seu papel tem que ser cumprido sempre em função dos mais pobres e dos trabalhadores.
Prestes Filho: A pandemia fez as agressões contra a mulher tomar proporções assustadoras? Quais ações devemos realizar para mudar esse quadro positivamente?
Elika Takimoto: Esse é um problema grave que a Pandemia descortinou. A violência doméstica, antes da pandemia já era grave, com mais de 1 milhão de casos relatados entre 2010 e 2017, além de muitos outros não relatados. Com o isolamento social devido a pandemia, o índice disparou em todo o mundo. O Rio manteve um crescimento acima da média nacional, com 50% no aumento de números de casos. É um problema que perpassa todas as esferas de governo. Nos municípios isso deve ser combatido através de medidas de conscientização para que haja denúncia contra o agressor, assim como se deve estipular leis que obriguem condomínios a relatarem casos de violência doméstica, capacitar a guarda municipal para auxiliar e encaminhar devidamente os casos percebidos durante sua ronda, além de orientar aos profissionais das equipes de saúde da família, CRAS e CREAS que estão cotidianamente com estas mulheres a acolherem a vítima e denunciarem o agressor. Apesar de nas últimas semanas a ministra Damares ter anunciado um corte de 25% na área que promove o enfrentamento à violência doméstica, é preciso brigar por recursos, pensar em casas de acolhimento, serviços de proteção… Nada disso se faz sozinha, mas precisamos fazer de nosso futuro mandato um instrumento importante nesta luta.
Prestes Filho: Sua família tem tradição na política no Rio de Janeiro? Conte sobre seu pai e sua mãe, sobre sua família.
Elika Takimoto: Não há ninguém da minha família na política. Meu pai é japonês e nem sequer vota no Brasil. Minha mãe é do interior de Minas e foi dona de casa a vida toda. A família da minha mãe é muito grande, minha avó teve 16 filhos e tenho primos que nem conheço. A do meu pai foi destruída na guerra. Ele tem duas irmãs vivas que são monges budistas mas não temos nenhuma relação. A despeito de não serem ativos na política, meu pai e minha mãe foram muito ativos na minha educação e foi minha mãe que me ensinou o prazer da leitura. Através desse mundo, um universo se abriu para mim. Tanto na esfera literária, científica quanto no terreno político. Com 15 anos, ganhei de presente o livro “Brasil: nunca mais” e vi ali os horrores da ditadura. Depois disso, minhas leituras sobre a nossa história permanecem até hoje.
Prestes Filho: Como você se iniciou na política? Qual sua experiência no legislativo ou executivo?
Elika Takimoto: Se definirmos esse início pela minha filiação partidária, foi em agosto de 2017. Se ampliarmos esse conceito para meu envolvimento emocional e intelectual sobre os mais diversos temas que dizem respeito a uma vida coletiva, desde quando aprendi a falar. Se limitarmos essa entrada a um fato que me fez pensar sobre minha capacidade de atuar de forma mais efetiva em Assembleias e Câmaras, foi com a ligação do Lula. O fato de eu ser uma escritora e não conseguir me calar diante diversas dores e alegrias fez com que eu escrevesse muito sobre os mais diversos temas em redes sociais. Os textos foram sendo compartilhados e ganhando um alcance que eu jamais sonhava atingir. Muitas pessoas começaram a me perguntar se eu não tinha vontade de me candidatar. Sendo professora, escritora, palestrante, suburbana e mãe de três filhos não me passava pela cabeça que poderia me dedicar para mais uma coisa ou encarar um projeto grandioso como esse. A partir do momento que compreendi que esse projeto seria algo coletivo e não individual, usei uma coragem que estava já iminente. Em 2018, me candidatei a deputada estadual e fui a candidata mais votada do PT aqui no município. Por uma questão das regras do jogo que envolve, dentre outros conceitos, o quociente eleitoral, eu não fui eleita. Estou como a primeira suplemente na ALERJ. O fato de ter tido esse resultado maravilhoso – que superou minhas expectativas – fez com que eu me preparasse para me candidatar em 2020 a vereadora.
Nunca tive experiência no legislativo e no executivo mas acredito que todas as outras acumuladas, dentre elas, o fato de eu ser professora há 25 anos e ter me posicionado como uma liderança na defesa das autonomias das universidades, Institutos Federais e CEFETs somado aos demais estudos e diálogos com diferentes setores da sociedade faz com que eu tenha total segurança que conseguirei fazer um excelente trabalho caso seja eleita.
Prestes Filho: Você acredita que o instituto constitucional das eleições é a base da democracia? A democracia é o sistema político que deve ser protegido e fortalecido?
Elika Takimoto: A importância da disputa eleitoral para esquerda em todo o mundo é um processo cimentado desde o fim do Século XX quando as revoluções se consolidaram ou retrocederam. Não houve avanço de revoluções, nem mesmo, conjuntura favorável para isso desde o fim da União da Soviética. O PT representa bem este processo no Brasil, pois sabia que sem a disputa institucional não haveria transformação social no país. Acertadamente se forjou enquanto um partido de esquerda, sem uma ortodoxia. Isto contribuiu para que os limites de nossa democracia se ampliassem, primeiramente com a demarcação dos partidos de esquerda que compreenderam a importância da disputa institucional e demarcaram posição na construção da Constituição Cidadã de 1988, depois com a chegada do PT ao governo. Hoje, com todo retrocesso, nossa democracia resiste por uma soma de fatores como a militância de esquerda, a oposição dos partidos progressistas do Campo Democrático, além da resistência, em certa medida, de instituições como o Congresso, o STF, a OAB, tudo isso em conjunto com a indisposição das Forças Armadas em iniciar um processo autoritário mais aberto. Isso, de certa forma, impede Bolsonaro de fazer o que bem quiser, embora o estrago de seu governo já tenha nos custado a década.
Nossa democracia representativa e burguesa tem seus limites mas ainda é o meio pelo qual as esquerdas do mundo disputam suas ideias através de eleições, sob a concepção de que é preciso radicalizá-la mais com a ampliação de direitos para os mais pobres e para as trabalhadoras e trabalhadores.
A eleição é um momento de adesão nacional e por isso precisa ser disputada por nós. Se esta não fosse a ferramenta mais importante de disputa na sociedade atual, os próprios setores da direita não disputariam. Os próprios golpes que se articulam no mundo, como o caso do Brasil em 2016, passam pelo crivo legalista e institucional. São as contradições da democracia burguesa, mas que ainda assim é melhor que um regime autoritário como foi o Regime Militar. Mesmo o indivíduo fundamentando em tudo que há de mais retrógrado neste país, precisa se submeter ao processo eleitoral caso queira governar e este é o desafio que está posto nestas eleições municipais. O Brasil passa pelas cidades, onde se vive o cotidiano deste país, por isso as eleições de 2020 serão um termômetro importante sobre o nível do conservadorismo e fundamentalismo arraigado na população que precisamos combater. Nossa democracia deve ser defendida e ampliada para os mais pobres, e radicalizada com acesso a direitos, políticas de bem-estar social e inclusão.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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