Por Miranda Sá

“Não procures tornar-te juiz se não tens força para extirpar a injustiça, caso contrário irás intimidar-te diante de um poderoso e mancharás a tua integridade”. (Eclesiástico 7,6)

Um exemplo de cultura e sobretudo de honestidade e patriotismo, Ruy Barbosa nos deixou inesquecíveis lições, entre as quais expôs que “os governos seduzem os magistrados, os governos os corrompem, e, quando não podem dominar e seduzir, os desrespeitam, zombam das suas sentenças, e as mandam declarar inaplicáveis, constituindo-se desta arte no juiz supremo, no tribunal da última instância, na última corte de revisão das decisões da justiça brasileira“.

Assim, Ruy tornou-se um futurologista, jogando estas palavras como um quepe na cabeça do capitão Bolsonaro que não conseguiu seduzir os ministros do STF, não pode corrompe-los e por isto os desrespeita, chegando ao cúmulo de xingá-los de “filho da puta”, como um moleque de rua.

Platão, filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, ensinou em 400 anos a/C que “o juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis”; intrínseco dependente da Lei.

É por isto que reprovamos a indicação para o Supremo Tribunal Federal um juiz cujo perfil ressalta que é “terrivelmente evangélico” usando um advérbio que causa horror aos que conhecem a História da Civilização onde se capitula no século 11 o julgamento dos albigenses, acusados de heresia. Para presidir a Corte, o papa Calisto II enviou Simão de Monfort à França.

Mal chegado de Roma, o emissário papal se reuniu com os bispos que seriam jurados no Conselho de Sentença dizendo-lhes: – “Sentenciem-se todos à morte, Deus saberá livrar do Inferno os que forem inocentes”.

Seria intolerável hoje, pela evolução da sociedade humana, um juiz dogmático deste tipo. Todo magistrado deverá se assumir como um servidor incondicional da lei; e, obrigar-se a seguir os critérios de avaliação acima dos princípios filosóficos, ideológicos ou religiosos.

Fugindo à circunspecção, trago na memória uma anedota sobre juiz que ouvi quando era menino contada pelo meu pai, portanto antiquíssima. É a história de um indivíduo levado a julgamento por ter vociferado injúrias contra uma mulher no trem.

O magistrado inquirindo: – “Porque você cometeu esta agressão contra uma senhora?

– “É porque perdi a paciência e fiquei muito nervoso, Excelência. Eu estava sentado na janela ao lado dela quando chegou o cobrador; ela abriu a bolsa e tirou uma carteira, abriu a carteira e tirou o passe, fechou a carteira, abriu a bolsa, colocou a carteira dentro e fechou a bolsa. Entregou a passagem ao Condutor; este lhe devolveu o canhoto e então ela abriu a bolsa, tirou a carteira, fechou a bolsa, abriu a carteira, pôs o canhoto dentro e fechou a carteira; abriu novamente a bolsa, colocou a carteira dentro, fechou a bolsa, e resolveu usar óculos, então abriu a bolsa…”

– “Chega! ”, interrompeu o Juiz, -“ está irritante esta descrição”.

– “Pois foi esta irritação que dominou os meus sentidos, Excelência”. Emitida a sentença, o Nervosinho foi absolvido, alegrando-se por ter advogado em causa própria.

Infelizmente, as absolvições que vêm ocorrendo no Brasil não são por conta de irritação, mas do tal “garantismo jurídico” adotado por alguns ministros do STF. Essa ideologia garantista é levada ao exagero na Corte, como se vê no caso Lula da Silva. Lula devia estar na cadeia mesmo sem ser julgado, como foi, em 1ª e 2ª instâncias…. Bastava a delação premiada do seu ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

Assim, entra neste engenho a proteção de todos corruptos denunciados pelos policiais e procuradores federais da Operação Lava Jato, e condenados pelo juiz Sérgio Moro; como se tornou uma norma, já alcançou o julgamento de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas…

O “garantismo” evidencia e comprova o que afirma Lawrence J. Peter: – “Presume-se que um homem é culpado, até ele provar que é influente”.

MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.


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