Por Kakay

“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.” – Carlos Drummond de Andrade.

Existe uma regra, não escrita, que o governo quando toma posse tem 100 dias de paz, de crédito, para mostrar a que veio. A imprensa tem um pouco mais de paciência; os derrotados aproveitam para lamber suas feridas; a sociedade aguarda que os novos governantes se adequem à difícil tarefa de trocar as promessas de campanha por medidas reais e eficientes. Mesmo assim, tudo isso foi desprezado pelos fascistas bolsonaristas.

Com apenas 8 dias depois da posse, o presidente Lula (PT) teve que enfrentar uma tentativa de golpe de Estado. As inúmeras provocações intentadas pelo fascista Bolsonaro (PL), quando na Presidência, no sentido de ruptura institucional foram materializadas em uma invasão extremista às sedes dos Três Poderes. Algo de extrema gravidade.

A depredação do Palácio do Planalto, do prédio do Congresso Nacional e do plenário da Suprema Corte estarreceu o mundo. Quando vi aquela tribuna sagrada da Corte Suprema vilipendiada, fui às lágrimas, como disse no artigo “Confesso que chorei”. Uma revolta líquida pela bestialidade dessa seita criminosa e vulgar.

Móveis e janelas danificados no Palácio do Planalto

Ainda agora, mesmo depois das prisões dos extremistas de direita que tentaram derrubar o governo eleito democraticamente, há inúmeros movimentos golpistas sendo alimentados e gestados. Estamos ainda em um estado de alerta para assegurar a estabilidade democrática.

A prisão dos vândalos e dos extremistas não é o bastante. Há que se aprofundar e enfrentar com a letra fria da lei os financiadores e os que tramaram e ainda tramam o golpe. A estrutura descoberta é muito profissional e caríssima. A prisão do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, que claramente alimentou o golpe, dá um sinal da capilaridade do grupo golpista.

Entretanto, é preciso ir fundo, dentro dos limites constitucionais, para desfazer essa teia golpista. Certamente vamos desbaratar uma estrutura que envolve integrantes das Forças Armadas, da estrutura de segurança dos Estados, políticos, empresários, líderes comunitários, enfim, essa rede fascista e golpista tem que ser enfrentada. Esqueceram de ouvir o poeta Leão de Formosa:

“Aperfeiçoa-te na arte de escutar, só quem ouviu o rio pode ouvir o mar”.

Eu sei que existe uma direita raivosa, que normalmente não assume a sua sexualidade, mora em enormes armários, tem um fetiche enorme na farda, nas armas, na violência, num falso poder de um poder falso. Mas nós teremos que enfrentar todos esses símbolos. Neste momento, o que é falso é que os atos de 8 de Janeiro teriam sido uma tentativa natural de sucessão de poder. Não! O que ocorreu e está ocorrendo é uma tentativa de golpear a democracia. Tudo o que o líder de extrema direita, fascista, e que ocupou a Presidência da República nos últimos 4 anos pregou e instigou está agora vindo à tona. Essa tentativa de golpe nada mais é do que uma das suas várias investidas.

É necessário ter uma visão madura do que ocorreu. Não só a subida da rampa pelo presidente Lula no dia 1º de janeiro, que se fez acompanhar de pessoas do povo que jamais imaginariam subi-la e que representou a todos. Tem que ter muita segurança e noção do seu papel na história para, como o Lula, dizer que não quer subir a rampa sozinho. Mais. Chamar para subir junto um grupo plural, que representa os invisíveis sociais. Bastava isso. Lembrando Cecília Meireles:

“Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada”.

Mas a história surpreende e 8 dias depois da posse, as garras afiadas do fascismo tentam cravar no coração da democracia o seu cruel veneno. E aí, novamente, a genialidade democrática do presidente Lula dá uma surpreendente resposta: com a invasão criminosa e cruel da sede dos Poderes o presidente Lula vai, ainda à noite, visitar a sede do Supremo Tribunal Federal para presenciar a devastação fascista e demonstrar que o governo tem lado: o da Constituição.

Lula e ministros do Supremo durante vistoria nos prédios depredados do Palácio do Planalto e do STF. (Ricardo Stuckert/Twitter @LulaOficial)

E no outro dia do golpe, por ora controlado, numa demonstração de vigor constitucional, o Lula preside a principal reunião ministerial da história da República. Em meio a uma tentativa de golpe, Lula reuniu todos os governadores de Estado, os presidentes do STF, da Câmara e do Senado. No maior gesto simbólico desse mago da política, Lula encabeça uma caminhada, descendo a rampa do Planalto até a sede do STF, andando pela Praça dos Três Poderes. Simples assim, caminhando, só para mostrar que somos nós, o povo, os donos daqueles espaços.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, governadores e autoridades da República, cruzam a Praça dos Três Poderes, para visitar as instalações da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), um dia após os atos terroristas que depredaram a sede do tribunal. (Foto: Agência Brasil)

Em gestos simples, nosso presidente Lula subiu a rampa com uma diversidade que nos orgulha e representa e, quando acossado pela hipótese do golpe, desceu a rampa com toda a estrutura de poder da República. Obrigado Lula, por ser o mesmo ao subir a rampa com o nosso povo, sem empáfia, e por descê-la rumo ao Supremo Tribunal com os poderosos, sem subserviência.

Vamos enfrentar esses golpistas. E faremos do Brasil um país à altura de um presidente que tem como propósito acabar com a fome e enfrentar as desigualdades sociais. Parece um absurdo. Ou um sonho. Com o presidente Lula, é um passo à realidade.

Lembrando Mário Quintana: “Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo que deixei de cometer.”

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.

Publicado inicialmente no Poder360. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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