Por José Carlos de Assis

Um pleito presidencial secular carregado de simbologia e significados ocultos se avizinha: a visão da política brasileira traduzida no “Mito sem Máscara”.

A dupla crise em que o Brasil mergulhou – ou em que as elites, políticas e empresariais, o mergulharam – nos colocou frente a frente com dois inimigos potencialmente fatais, a pandemia do coronavirus, vinda de alguma parte do mundo, e a depressão econômica, esta arquitetada por Jair Bolsonaro sob as ordens do superministro da Economia, Paulo Guedes. São ameaças formidáveis. Os brasileiros já sentem, em estatísticas (mesmo fraudadas), a carga ameaçadora para a vida no país do coronavírus, provocando número crescente de mortes.

A crise depressiva da economia parece ser menos mortal, mas pode ser ainda mais fatal no médio prazo. Se viesse a acontecer aqui o que aconteceu por ocasião da Peste Negra na Europa, no século XIV, a atividade econômica pode reduzir-se em um terço, acompanhada pela devastação da população em porcentagens similares. Essa tragédia econômica e social sem paralelo estaria fora de alcance de nossos sistemas de saúde. Médicos e enfermeiros teriam que se tornar apenas coveiros, antes que sejam, eles próprios, levados às covas.

Muitas famílias seriam despojadas dos seus entes queridos, outras simplesmente desapareceriam. Rios e lagoas amanheceriam coalhados de cadáveres. Os sistemas de poder, inclusive a polícia, perderiam suas funções. O governo deixaria de governar por falta absoluta de recursos burocráticos. Os mercados colapsariam. Como a peste negra europeia, a pandemia do coronavirus literalmente destruiria o país. A reconstrução levaria décadas e séculos, com a sociedade totalmente desorganizada e dominada pela anarquia.

A possibilidade de eventos trágicos como esses acontecerem está longe de ser produto exclusivo da imaginação. Basta que a reprodução do vírus entre numa escala geométrica, isto é, que novos casos comecem a dobrar de um intervalo de tempo, digamos, de uma semana para outra. Ainda estamos longe disso. Acontece, porém, que não temos política contra a proliferação dos vírus no Brasil. Como todos os que acompanham essas questões sabem, o Presidente da República está em aberto confronto contra governadores e cientistas.

Num país normal, todas as forças políticas se uniriam para estabelecer uma estratégia coerente de combate ao vírus, de tal forma é a escalada da doença. Aqui não. Jair Bolsonaro é o primeiro violador das normas mundiais de proteção sanitária e faz questão de dar seu exemplo negativo ao povo, de forma escancarada. Ele se omite em relação à pandemia assim como tem-se omitido diante da devastação da Amazônia, da coleta de óleo nas praias nordestinas e nas políticas anti-povo adotadas no acaso das empresas estatais, que quer a todo custo doar ao setor privado desestruturando a base industrial brasileira.

Entretanto, não estamos condenados a ter esse destino sombrio. Podemos mudar o futuro inferido da situação atual. E o sentido de mudança que devemos dar é a retirada de Bolsonaro da Presidência da República. Com ele lá, não há política coerente de combate à pandemia e de prevenção da depressão econômica. Sem ele, podemos ter esperança num novo tempo. Sairia automaticamente Paulo Guedes, que recebeu a pasta da Economia como plenipotenciário ungido pelo Presidente e que opera ditatorialmente sem nunca ter recebido um voto popular.

Guedes jamais aplicará uma política verdadeiramente progressista depois da epidemia. Já fala, com seus acólitos, em restrições fiscais. Entretanto, uma política de tipo keynesiana, isenta de restrições fiscais – e da forma como foi aplicada pelo presidente Roosevelt na Grande Depressão dos anos 30, nos Estados Unidos -, é a única que pode ter eficácia numa situação de deficiência estrutural de demanda. Quando se fala em corrigir a demanda, fala-se em ampliar gastos públicos, e é isso o que tem de ser feito, como se verá adiante.

Uma política keynesiana é a única ação que, do ponto de vista econômico, salvará o Brasil depois da epidemia.

Como dito antes, a preliminar exigida é a deposição de Bolsonaro, porque só com a queda de Bolsonaro vai-se aplicar uma espécie do que o povo chama de “cama de gato” em Guedes. Entretanto, uma arrancada ainda mais forte na economia tem que estar associada às raízes do sistema econômico, e as raízes do sistema econômico estão enterradas nos municípios. As medidas mais práticas para ir ao município tomam o nome de política de finanças funcionais com absoluto respaldo do Governo central como fonte de recursos.

Fui uma espécie de consultor para a elaboração desses projetos. O leitor paciente encontrará nas próximas páginas os fundamentos deles. Estão ancorados na ideia de que em lugar de deverem à União, com se propala, a União deve a Estados e Municípios cerca de 1 trihão 380 bilhões de reais. O Congresso pode forçar o Governo federal a pagar essa dívida, e o momento agora é de envolverem vereadores e prefeitos nesse processo que terá de transitar pelo Legislativo.

A certeza em relação aos fundamentos desses projetos é absoluta. Estou apoiado em opiniões abalizadas dos principais economistas brasileiros, como Luiz Gonzaga Belluzzo, Márcio Pochman, Daniel Conceição e Antônio Corrêa Lacerda – este, presidente do Conselho Federal de Economia, Cofecon -, além, obviamente da minha própria. Uns, como Belluzzo, propõem simplesmente perdoar o que se chama dívida dos Estados. Eu, com minhas próprias convicções, sustento que é necessário que o Governo pague o que deve (638 bilhões de reais da Lei Kandir, em 2017) e devolva o que recebeu indevidamente dos Estados (400 bilhões).

Com esse dinheiro, será possível bancar a luta contra o vírus nos Estados e Municípios e financiar a retomada do desenvolvimento do país. Mais importante, este dinheiro bancaria uma reforma em profundidade do sistema federativo, eliminando o viés centralizador que vem desde a República de Vargas. Nesse caso, e também no regime militar mais recente, a centralização federativa gerou virtudes – inclusive industrialização acelerada. Já na Nova República batizada por Tancredo Neves, a Constituição de 88 deveria ser descentralizadora, mas se tornou ainda mais centralizadora que os regimes anteriores, conforme se vê, hoje, nas relações entre governo federal, estados e municípios, com o Governo central acumulando bilhões de reais em créditos contra os entes federativos, cuja situação de debilidade financeira se vê na rotina das caravanas de governadores a Brasília para tomar dinheiro emprestado.

O mais peculiar dessa proposta de revisão federativa, baseada no pagamento pelo Governo federal do que deve aos Estados, é que isso não custará um único real de receita tributária. Custará apenas o acionamento de alguns sinais eletrônicos no Banco Central e no Tesouro, sem nenhum efeito inflacionário enquanto houver recessão na economia, ou enquanto a economia tiver elasticidade na estrutura produtiva para se expandir absorvendo a moeda nova emitida.

Isso, contudo, faz parte do lado oculto da Economia que será melhor tratado, de forma teórica e prática, em outras circunstâncias . Espero que essa discussão contribua para pressionar as escolhas dos que vão dividir nosso destino entre esperança premiada e a demagogia. O povo parece ter uma percepção intuitiva do processo político. As últimas manifestações contra o racismo nos Estados Unidos e contra o fascismo no Brasil denotam uma visão histórica profunda, no sentido de que a sociedade civilizada, por mais pobre que seja, não tolerará mais um novo Hitler ou uma KKK semioficial. Por isso há uma percepção oculta de que a depressão econômica manipulada pelos ricos não será tolerada pelos pobres.

As próximas eleições presidenciais no Brasil devem ser levadas a sério em seu mais alto grau. Nos níveis federal e estadual devem considerar que, em lugar do palavreado recorrente sobre reforma federativa, precisam reconhecer que chegou o momento de por o discurso em prática. O município é onde vivem as pessoas, e onde o vírus se manifesta. É fundamental que, em tempo de pandemia, seja a base de qualquer política pública destinada a combater o vírus, como também a recessão. A indiferença em relação a essas duas crises nos entregaria à vingança das forças imateriais que não distinguem justos de pecadores na política e no processo sócio-econômico.

“O Mito sem Máscara”, escrito no fim de 2020, é um brado de alerta sobre o que pode vir a acontecer ao Brasil em face do coronavírus e da depressão econômica que nos ameaça, na ausência de um poder público responsável.

As eleições municipais foram uma oportunidade para um momento de colaboração ativa da sociedade numa cruzada de salvação do país. Não sabemos, enquanto os prefeitos eleitos não começarem a atuar, se será, ao contrário, o início da degradação definitiva do país numa fragmentação irresistível da cidadania. A escolha, em última instância, é da sociedade!

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JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor e colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.