Por Jorge Folena

A Revista Época noticiou que a Agência Brasileira de Informação (Abin) foi usada para favorecer o senador, filho mais velho do ocupante da presidência da República, no caso em que ele é acusado criminalmente pela prática de “rachadinhas” (crime de concussão: obter vantagens indevidas, em razão da função que exerce), quando deputado estadual no Rio de Janeiro.

O ocupante da presidência, na reunião ministerial de 24 de abril de 2020 (que veio a público por decisão do ex-ministro do STF, Celso de Mello), manifestou na oportunidade que ele iria formar sua própria agência de espionagem, pois a existente “nada lhe informava”. Esta assertiva causou grande perplexidade em muitos à época e imaginou-se que ele iria criar uma agência de espionagem paralela e pessoal.

Ocorre que, se confirmada a reportagem da Revista Época, a agência de informação constituída pelo ocupante da presidência é a própria Abin, cujos integrantes podem ter praticado um gravíssimo desvio de função para atender aos interesses pessoais da família do presidente. Com isso, tenta-se também manipular o poder judiciário para livrar o filho mais velho das graves acusações de concussão em curso contra ele.

Além dos diversos atos de violação à Constituição praticados pelo ocupante da presidência da República, que debocha do exercício do cargo mais importante do país, o emprego da Agência de Informação do governo para acomodar assuntos pessoais de sua família é mais um atentado contra o texto constitucional e fere os princípios da República, da impessoalidade e da moralidade administrativa.

Com efeito, a conduta de Bolsonaro se encaixa literalmente na descrição do patrimonialismo brasileiro feita por Victor Nunes Leal (em Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil) sobre o “filhotismo”.

Neste caso em particular fica evidente, a cada dia, que enquanto ele estiver ocupando o cargo maior do país, primeiro vêm os seus filhos, depois os seus amigos próximos e, por último, os governados.

Joga-se assim, às favas com a república e sua igualdade e transparência, que jamais existiram para o chefe da perigosa famiglia, cujo filho mais novo também já se utiliza da estrutura do governo para seus negócios particulares.

Com efeito, não se justifica a omissão dos poderes (legislativo e judiciário), que insistem em continuar a anistiá-lo dos tantos atos irresponsáveis e de improbidade que já vieram a público em menos de dois anos de (des)governo.

Da mesma forma, temos o descaso por parte dos militares, que seguem tomando parte nisto tudo passivamente (somente por interesses salariais), a cada dia com as fardas mais sujas de sangue, no país que já conta mais de 180 mil óbitos pela Covid-19, sem que tenha sido apresentada qualquer medida pelo chefe de governo para amenizar o sofrimento da população.

Pela gravidade das informações, devem ser iniciadas e aprofundadas, com urgência, as investigações dos mencionados fatos divulgados pela Revista Época, para que sejam responsabilizados todos os envolvidos neste gritante desvio de função da Abin para favorecer o filho mais velho do ocupante da presidência; a cada dia, o nome do país é jogado nesse gigantesco lamaçal, onde poderá ficar enterrado por muito tempo.


JORGE FOLENA – Advogado; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor e Vice-Presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre e dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.