Por João Batista Damasceno

Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição é o que diz o seu Artigo 102. E o STF tem proferido decisões que resguardam a Constituição. Duas decisões proferidas esta semana pelo STF ressaltam a importância do Estado de Direito. Numa, por maioria dos votos (9×2), o STF decidiu manter a possibilidade de restrição temporária da realização de atividades religiosas coletivas presenciais, como medida de enfrentamento da pandemia de covid-19.

Tal decisão não fere a liberdade religiosa, pois a fé poderá ser praticada sem qualquer restrição. O que se restringe é a possibilidade de aglomeração. Decidiu o STF que a prioridade do atual momento é a proteção à vida. A maioria dos ministros destacou a relevância da liberdade de religião e de crença, porém, com base em critérios técnicos e científicos, avaliou que as restrições são adequadas e necessárias para conter a transmissão do vírus e evitar o colapso do sistema de Saúde. Ao considerar que a medida é emergencial, temporária e excepcional, essa vertente observou que tal limitação resguarda os direitos de proteção à vida e à saúde, também protegidos constitucionalmente.

Em outra decisão, o ministro Luís Roberto Barroso determinou que o Senado adote as providências necessárias para a instalação da CPI para apurar eventuais omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da covid-19. Na liminar, o ministro Barroso destacou que a Constituição estabelece que as CPIs devem ser instaladas sempre que três requisitos forem preenchidos: 1) assinatura de um terço dos integrantes da Casa legislativa; 2) indicação de fato determinado a ser apurado; e 3) definição de prazo certo para duração.

Presentes os requisitos para a instalação das CPIs não pode um único senador, ainda que seja o presidente do Senado, impedir a instalação pretendida pelo coletivo de senadores que assinarem o requerimento. O presidente do Senado não tem poder para analisar a conveniência política de instalar as CPIs, quando atendidos os requisitos. Se tivesse, a vontade de um único senador estaria se sobrepondo a vontade dos demais.

O ministro Barroso salientou que não se pode negar o direito à instalação das CPIs em caso de cumpridas as exigências, sob pena de se ferir o direito da minoria parlamentar. “Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática. Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da casa legislativa, e não de maioria. Por esse motivo, a sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante”. O ministro justificou a concessão da liminar com a urgência em razão do agravamento da crise sanitária no país que está “em seu pior momento, batendo lamentáveis recordes de mortes diárias e de casos de infecção”.

Não faltaram vozes alegando que se está diante da judicialização da política. Mas, não se trata de disto. Ao contrário, trata-se de controle de legalidade. Num Estado de Direito todos estão subordinados à lei. Os cidadãos podem tudo o que a lei não proíbe. Mas, os agentes públicos são obrigados a fazer o que a lei manda.

Tanto na determinação de instalação da “CPI da Pandemia”, para apurar responsabilidade do presidente da República e seus auxiliares, quanto na decisão que julgou constitucional a restrição de cultos presenciais, o STF se pautou pelo bem mais precioso que uma pessoa pode ter: a vida.

Que todos tenham vida e que a tenham em abundância!


JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Juiz de Direito substituto de Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista do jornal O Dia, conselheiro efetivo da ABI, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.