Por João Batista Damasceno –
A indevida atividade de parlamentar, sem expressa atribuição da Casa a que pertença, ameaçando funcionários, filmando e expondo a imagem de pessoas e se manifestando com falta de urbanidade, caracteriza crime, improbidade administrativa, falta de decoro parlamentar e ilícito eleitoral.
Um tipo de propaganda eleitoral fora da época, a pretexto de fiscalização e denúncia, ronda o país. Trata-se de atuação ilícita de parlamentares, sem autorização das respectivas casas a que pertencem. No auge da pandemia causada pelo Sars-Cov-2, o incitamento por autoridade pública apurado na CPI da Covid, atiçou a irracionalidade dos que invadiram hospitais para conferir a quantidade de internados. Alguns se arriscaram ao adentrar alas reservadas a pessoas contaminadas, bem como expuseram pacientes e profissionais de Saúde a riscos, por ingresso sem a assepsia necessária.
A onda desrespeitosa, midiática e visando a propaganda eleitoral seguiu para outros ramos de atividade: escolas, universidades, hospitais psiquiátricos, repartições públicas, abrigos, aldeamento indígena e moradias coletivas. O “pé na porta do barraco”, praticado rotineiramente por agentes do Estado em favelas e periferia, onde o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio é letra morta, tem levado vereadores e deputados a se comportarem com igual desrespeito em relação a cidadãos usuários dos serviços públicos e aos servidores que prestam os serviços.
A pretexto de exercer seus mandatos, não faltam parlamentares, em ação midiática caracterizadora de propaganda eleitoral extemporânea, expondo indevidamente, em suas redes sociais, imagens captadas sem autorização. Alguns chegam a se vestir, juntamente com seus assessores e seguranças, como se fossem uma ‘milícia fardada’ ou grupamento paramilitar, em violação à Constituição que veda o uso de uniforme por grupos políticos.
O controle dos atos da administração pública pode ser feito pelos escalões superiores, mediante controle interno, ou de um poder sobre o outro, mediante controle externo. As comissões parlamentares diversas e as CPIs são instrumentos de controle que tanto pode ser interno quanto externo. Não se confunde com a atividade midiática de indivíduo ocupante de mandato em afronta aos demais órgãos da administração pública.
As atuações institucionais devem ser desempenhadas com observância das leis que conferem as funções aos órgãos e agentes.
Nenhum agente público pode pendurar a identidade funcional no pescoço e sair atuando como super-herói fora dos limites legais. A lei que define os crimes de abuso de autoridade é textual e aqueles que agem como justiceiros podem ser, com base nela, apenados. É crime de abuso de autoridade “invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei”.
A invasão de qualquer imóvel torna o parlamentar abusado sujeito à perda do mandato, por decisão da própria casa a que pertença ou do Poder Judiciário. A exposição de imagem de crianças ou adolescentes igualmente é ilícita, assim como é indevida a exposição da imagem de alunos, professores, pacientes hospitalares e profissionais de Saúde.
Além da atividade legislativa, o parlamento tem a prerrogativa de fiscalização dos atos do poder público. Mas, tal atuação há de ser institucional, ou seja, quando atribuída ao parlamentar pela Casa da qual faça parte. Os membros do Poder Legislativo podem atuar individualmente ou em comissões, mas sempre que lhes for atribuída tal função por resolução do órgão a que pertençam. Nunca no exercício das próprias razões.
A indevida atividade de parlamentar, sem expressa atribuição da Casa a que pertença, ameaçando funcionários, filmando e expondo a imagem de pessoas e se manifestando com falta de urbanidade, caracteriza crime, improbidade administrativa, falta de decoro parlamentar e ilícito eleitoral. A propaganda eleitoral fora de época enseja a reprimenda da Justiça Eleitoral. Uma das consequências é o indeferimento de candidatura futura.
A mesma Constituição que atribui poderes aos agentes políticos do Poder Legislativo para a fiscalização dos atos da administração os delimita, assegura a todos o direito à honra, à imagem, a inviolabilidade do domicílio e a liberdade de exercício profissional, bem como veda tratamento degradante e humilhante.
Os agentes públicos, inclusive os parlamentares, estão sujeitos a conjunto de deveres esculpidos na ordem jurídica e podem ser apenados por suas ilicitudes.
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro efetivo da ABI; Colunista do Jornal O Dia. (Publicado inicialmente em O Dia)
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