Por Siro Darlan

O Padre Cícero Romão Batista é uma lenda que em breve completará 200 anos e que viveu no nordeste brasileiro protegendo as vítimas da exploração rural escravocrata e combatendo a fome física e espiritual.

Desde o começo de sua vida sofrida foi castigado pelo destino perdendo sua mãe para o cólera quando estudava em minha cidade natal Cajazeiras, no Colégio do Padre Rolim, pioneiro da educação no Nordeste, motivo porque Cajazeiras é conhecida como “a Cidade que ensinou a Paraíba a ler”.

Padre Cícero sempre mostrou sua rebeldia à situação de exploração da burguesia nordestina do povo pobre e oprimido. Conseguiu fazer um meio campo de qualidade servindo aso ricos e atendendo às necessidades dos pobres. Sua liderança incontestável atraia políticos, fazendeiros, mulheres piedosas e cangaceiros como Lampião que o tinha como um padrinho e protetor. Como representava a Igreja dos pobres e oprimidos aos quais atendi, aconselhava e ensinava a trabalhar para ganhar o sustento, a tirania dos invejosos e poderosos não o perdoou.

Padre Cícero (foto abaixo) foi perseguido e torturado em sua vida sacerdotal pela vilania dos burocratas da Igreja conservadora e os políticos que o odiavam por sua atividade pastoral. Padre Cícero ganhava muitas terras de doações de fiéis agradecidos por sua presença santa e confortadora em suas vidas. Mesmo odiando o comunismo, que afirmava ser coisa do Diabo, praticava o comunismo cristão, dividindo tudo que era colhido em suas propriedades com os pobres camponeses.

Distribuía trabalho em suas fazendas e tudo que era colhido era dividido entre os trabalhadores e fiéis necessitados. Criou várias indústria de sapataria e espalhou trabalho para os cearenses que aprendiam um oficio e ganhavam o pão e sustento das famílias.

Ser fiel aos ensinamentos de Cristo e dar cumprimento fiel às leis é um ato de coragem que incomoda muita gente.

Havia em Juazeiros um imigrante Romeno chamado Wendel que se encantou com Padre Cícero, apesar de professar outra religião, e exigiu que sua filha fosse incorporada ao grupo de Beatas que ajudavam no apostolado. Padre Cícero respondeu que havia outras mulheres com maior preparo para o cargo e rejeitou, mas o romeno foi ao Bispo que obrigou que a filha do poderoso Wendel entrasse na Corporação das Beatas. Esse pai que gosta de dar à filha presentes que não lhe pertencem guardou mágoa de Padre Cicero, e mais tarde, foi um dos principais responsáveis pelo afastamento de Padre Cícero.

Em 1969, Juazeiro do Norte ganhou uma estátua de padre Cícero com 27 metros de altura. Todo ano, levas de romeiros afluem ao local, nas datas de seu nascimento e morte, reforçando a fé em sua santidade. (Divulgação)

Outro personagem articulador dessa covardia com o povo que tinha fome de justiça, foi o Coronel Luiz Miojo, que já havia respondido a 16 processos na justiça, com vasta prova de seus crimes, mas que sempre sobrepunha seu poder aos julgadores e suas fraudes e prejuízos ao erário e à confiança na justiça mantiveram sua impunidade. Padre Cícero sempre atento a tudo o que acontecia condenava abertamente as mafiosas ações desse coronel, que foi outro que se aliou para causar a queda de Padre Cícero.

O terceiro personagem foi um turco vendedor de favores, chamado popularmente como “Dromedário” por sua corcunda e aparência lombrosiana, e foi quem liderou o processo de afastamento, perseguição e excomunhão de Padre Cícero. Era o mais cruel dos três, costumava torturar os inimigos e era conhecido como o “Torquemada do Ceará”. Um dia quando agia como “Persecution” matou um advogado com um grito que desestabilizou o profissional e enfartou. Esse comerciante dominava a área das concessões onde colocou um sobrinho de parcos conhecimentos para o serviço, mas graças a seu constante lobby obteve o cargo em mais um ato de nepotismo. Ele também dominava a Câmara de Comércio e a mídia local, para quem trabalhava assiduamente criando e inventando fake News sobre o apostolado de padre Cícero. Em pouco tempo tornou-se um dos homens mais ricos do agreste nordestino graças a sua aliança política com um governador corrupto a cujos pés da esposa se ajoelhou para ganhar uma capa de poder.

E assim, Padre Cícero sucumbiu e foi afastado de sua missão evangélica, mas o povo jamais o esqueceu e o considera um santo, a quem veneram e obtém milagres. Hoje, até a Igreja já restabeleceu a honra de Padre Cícero que chegou a receber a absolvição do papa Leão XIII, em 1898, e do Papa Bento XVI que encaminhou sua reabilitação em 2001.

Padre Cícero ainda é idolatrado em todo Nordeste onde sua imagem está em quase todos os lares, já os detratores foram esquecidos pelo lamaçal da história.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


AGENDA

Dia 22 de dezembro, quarta-feira, a loja de vinhos IPANEMA WINE BAR realiza o lançamento de “Crônicas Subversivas”, do historiador Lincoln de Abreu Penna, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre. O livro é um apanhado de crônicas e pequenos ensaios cuja maioria foi publicada aqui na Tribuna da Imprensa Livre. “Os princípios da legalidade e da soberania nacional marcaram a minha geração, voltada para o culto dos valores democráticos e libertários”, destaca o autor. O lançamento acontece às 19h e haverá bate-papo com o autor. A IPANEMA WINE BAR fica na Rua Gomes Carneiro, 132, loja 112 em Ipanema, Rio de Janeiro. Contatos: (21) 3798-1169 / 97614-6144 / 98846-5176 / ipanemawinebar@gmail.com

Tribuna recomenda!

NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.