Por João Marcos Buch

O colapso do sistema prisional é resultado de um estado historicamente escravocrata, que nos últimos anos tem feito uso de uma necropolítica para reduzir os direitos humanos e os paradigmas constitucionais a meros obstáculos ao enfrentamento do crime. As leis penais em sua maioria foram criadas a partir de compromissos ideológicos de neutralização, para o aprisionamento dos “indesejáveis”, na perspectiva de uma elite política e econômica. Isso resultou em um sistema de justiça criminal e penitenciário segregacionista, destinado a encarcerar na sua maioria pessoas de 18 a 28 anos de idade, pretas, pardas e pobres.

Imagem: Reprodução/arquivo Google

A pandemia da covid-19 descortinou e agravou esse terrível quadro e foi preciso seguir com mais energia na retaguarda humanitária e constitucional. Após a declaração de estado pandêmico pela OMS em março de 2020, baseado na recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, mantive as inspeções presenciais nas unidades sob minha responsabilidade correicional, formando comitês interinstitucionais.

Ao lado das inspeções frequentes e reuniões junto aos gestores e aos representantes dos presos, medidas de redução de danos foram tomadas. Além disso, fundado nos direitos humanos, passei a deliberar sobre prisões domiciliares para presos em grupo de risco e para aqueles em regime semiaberto já próximos do regime aberto. Assim, espaços de triagem e isolamento puderam ser criados, conseguindo-se manter sob controle a entrada e a disseminação do vírus dentro do complexo prisional.

Tudo porém continua frágil.

As equipes de saúde carecem de recursos humanos e insumos, nem todos os presos conseguem demonstrar a necessidade de uma prisão domiciliar, os familiares estão impedidos de fazer visitas, dependendo de um precário sistema de visita virtual, bolsas (jumbos) acabam não entrando mais e os detentos sentem falta de produtos básicos, que antes eram trazidos pelas famílias, mas que deveriam ser providos pelo estado e nunca foram, dependendo agora exclusivamente do pecúlio, que é valor resultante do pagamento pelo trabalho interno, que poucos exercem, ou proveniente dos familiares.

Este momento de pandemia é um ponto de inflexão, ou melhoramos em nosso projeto de vida coletiva ou retrocederemos a uma situação talvez de não retorno.

Apenas com a desconstrução da cultura do encarceramento em massa, da ideologia supremacista branca, da falácia da meritocracia, com a efetivação de uma sociedade mais solidária e fraterna, é que superaremos a pandemia e alcançaremos um patamar mínimo de civilidade e justiça social.

(A ‘Coluna Tribuna dos Juízes Democratas’ é associada à ‘Coluna Clausula Pétrea’ do justificando.com).


JOÃO MARCOS BUSH é juiz de Direito em Joinville (SC).

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