Redação

O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) admitiu pela primeira vez que os ofícios usados por políticos para destinar verbas do orçamento secreto criado pelas emendas de relator-geral não estão públicos. A admissão contraria o discurso do ministro Rogério Marinho, que insiste em dizer que “não há nada de secreto” na destinação de verbas da sua pasta.

Na narrativa do ministro, repetida pelo presidente Jair Bolsonaro, os documentos estão publicados no site da pasta na internet. O Estadão quis saber onde poderia encontrá-los. A resposta é que não há obrigatoriedade para divulgação. Ou seja, não existe transparência nesses gastos públicos;

DIZ O MINISTÉRIO – “O MDR destaca que, por se tratar de um instrumento novo, não foi instituída a obrigatoriedade de os ofícios de parlamentares com o direcionamento de recursos estarem disponíveis na plataforma”, afirmou.

O Estadão revelou o conteúdo de mais de 100 desses ofícios reservados nos quais deputados e senadores determinam a destinação de recursos das emendas de relator para obras e compra de máquinas agrícolas, como tratores.

A divisão das cotas foi feita dentro do Palácio do Planalto, no gabinete do ministro Luiz Eduardo Ramos. Os políticos tratam a verba como “minha cota” e definem, até mesmo, o preço do que deve ser comprado, gerando superfaturamento. A divisão dos recursos não foi equânime e desrespeitou veto do próprio presidente Jair Bolsonaro que impedia a interferência do Congresso na aplicação dessas verbas.

EM SIGILO TOTAL – A reportagem do Estadão também insistiu para que o ministério de Rogério Marinho dissesse se há, em algum documento ou página pública, os nomes dos congressistas que indicaram a destinação das verbas. A pasta não respondeu até a conclusão desta edição.

Além de os ofícios não estarem públicos, como admitiu o ministério, não há na maioria dos casos nenhuma outra fonte de informação pública sobre qual político indicou o quê, ao contrário do que acontece com os demais tipos de emendas parlamentares (individuais, de bancada e de comissões).

Na plataforma +Brasil, criada pelo governo para disponibilizar dados sobre convênios, a única informação disponível sobre a destinação das verbas RP 9 é o dado de que se trata de uma “emenda de relator”, sem mais detalhes.

SEM TRANSPARÊNCIA – No dia 7 de abril, a reportagem solicitou ao ministério, por meio de Lei de Acesso à Informação, “todos os documentos de autoria de deputados federais e senadores que foram encaminhadas ao ministério com indicações de propostas para celebração de convênios e contratos de repasse nos últimos doze meses”.

O Ministério do Desenvolvimento Regional, por meio da LAI, considerou o pedido “desproporcional”. “Estima-se que o tempo de geração de PDF é de aproximadamente 5 minutos, que neste caso representariam 5.785 minutos de trabalho ou 96,4 horas de mão de obra dos agentes públicos desta Pasta para atendimento a um único pedido de informação”, justificou. Mesmo depois de recurso, a pasta não liberou o acesso aos ofícios.

Em conversa com apoiadores na terça-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro negou a existência do orçamento secreto. “Como o Orçamento foi aprovado, discutido durante meses e agora apareceu R$ 3 bilhões? Só os canalhas do Estado de S. Paulo para escreverem isso”, disse.

ALEGAÇÕES ABSURDAS – Em entrevistas sobre o assunto, o ministro Marinho também costuma argumentar que o fato de o Orçamento Geral da União ser votado pelo Congresso a cada ano significaria que não há nada de secreto sobre os acordos políticos para destinação das verbas RP 9 – o que não é verdade.

Do total de R$ 3 bilhões indicados, pouco menos de R$ 1 bilhão estão cobertos por algum tipo de informação disponível no site do Ministério. Sobre os R$ 2 bilhões restantes, não há qualquer informação sobre quem direcionou as verbas. O mesmo acontece com os R$ 17,1 bilhões restantes das emendas RP 9 de 2020, inclusive em outros ministérios.

Ao longo da última semana, o Ministério do Desenvolvimento Regional mudou de versão algumas vezes sobre o sigilo dos documentos relacionados às emendas de relator-geral (RP 9).

VERSÕES CONTRADITÓRIAS – Na quarta-feira, por exemplo, a pasta disse que “os documentos e ofícios referentes aos convênios firmados pelo MDR estão disponíveis na Plataforma Mais Brasil”, versão que seria negada pela própria pasta mais adiante.

Em outros momentos, o ministério disse que “os documentos exigidos pela legislação para a aprovação dos instrumentos (convênios) são disponibilizados na plataforma Mais Brasil de forma pública. Os documentos disponíveis no âmbito da Pasta são os mesmos inseridos na plataforma”. Como os ofícios de deputados e senadores destinando dinheiro são oriundos de negociações políticas, não há qualquer exigência legal de que eles sejam enviados.

Senadores também alegaram que não poderiam divulgar os documentos alegando “risco à segurança do Estado” e até mesmo à “segurança da família”.


Fonte: Estadão