Por Aderson Bussinger –
Passei toda a minha infância e parte da juventude em Nova Friburgo, de onde somente saí em 1981 para ingressar na universidade, em Niterói, e convivi neste período com o drama das enchentes na cidade, pois residi durante muitos anos na antiga Rua Baronesa, (atual Rua José Tessarollo dos Santos), ao lado do maior rio do município, o Bengalas, que corta toda a cidade, e embora morasse em um sobrado bastante seguro, era comum o automóvel de meu pai ser tomado pelas aguas, e, pior ainda, sua pequena confecção de roupas, no prédio anexo, era também inundada, com enorme prejuízo. Minha situação, contudo, era incomparavelmente distante da situação da maioria da população pobre que morria debaixo dos escombros, o que sempre se repetiu nestas enchentes e, ano após ano, passei a concluir, infelizmente, que sempre houve um aproveitamento destas enchentes para, sob o pretexto de socorro e solidariedade, injetar-se recursos-extras no setor privado, bem como desviar dinheiro do Estado, salvo honrosas exceções.
Lembro-me também que em 1978 participei de um grande mutirão de ajuda aos desabrigados das enchentes na cidade, tendo uma parte destas famílias permanecido precariamente instalada em um antigo prédio público, salvo engano, uma unidade do serviço de agua e esgoto, que ficava no início do bairro de Duas Pedras, sendo que neste local desenvolvemos, através do trabalho pastoral do Colégio Anchieta e da Diocese, sob o comando do saudoso Bispo Dom Clemente Isnard, um importante auxilio solidário ás vítimas, famílias inteiras sem teto, o que, posteriormente, converteu-se em um movimento amplo em favor de moradias que contou com muito apoio da sociedade e também um dos assuntos mais discutidos na cidade era o duvidoso destino das verbas alocadas para estas famílias, denominadas popularmente de “os flagelados”.
Afastado de Friburgo por muitos anos, morei em São Paulo, e em 2011 retornei novamente quando da violenta tromba d’água que caiu sobre a cidade, primeiramente para ver se meus pais se encontravam a salvo, como felizmente estavam, pois naquele período já moravam em outro local, e, na sequência, me engajei no movimento de socorro e solidariedade ás vítimas através da subseção friburguense da OAB, sob a então presidência do amigo Advogado Andre Pedrazzi, (que também teve sua casa parcialmente destruída), que prestou um importante assistência não somente aos advogados, mas somou-se aos esforços de ajuda a toda população, incluindo a cobrança de respostas do poder público e distribuição de 60 mil cartilhas contendo informações sobre direitos básicos da população atingida. Além da destruição de casas, mortes, desabrigados, milhares de crianças e idosos mal acomodados, dezenas de desaparecidos, IML lotado de corpos a serem reconhecidos, pedidos judiciais de sepultamento emergenciais, enfim, todo o quadro que bem conhecemos, o que mais me chamou a atenção, como ex-morador da cidade, foi o fato de que, guardadas as proporções, os mesmos locais vulneráveis ás enchentes e deslizamentos de outrora, continuavam sendo as mesmas áreas atingidas, acrescidas de outras pela amplitude do fenômeno meteorológico de 2011, claro, mas, de modo geral, o que era arriscado na década de 70, seguia sendo perigoso naquele início do século XXI, como, por exemplo, as margens do rio Bengalas, por toda a sua extensão, entorno e encostas que já haviam cedido em anos anteriores. Os jornais estão repletos de informações, assim como os cemitérios abrigam aqueles que pagaram com a vida o preço da irresponsabilidade estatal, tendo o fotógrafo da OAB, o nosso Lula Aparício e o jornalista e também fotógrafo Pedro Bessa, além de outros, feito um excelente trabalho de memória fotográfica deste período.
Registro, nesta oportunidade, que perdi uma parente nesta tragédia, a também advogada Valeska Bussinger Namem, prima distante, que morreu soterrada por um dos desmoronamentos, a quem presto homenagem, juntamente com as demais centenas de vítimas e seus familiares
Pois bem, nesta semana o governador interino do Estado do Rio de janeiro se encontra em visita á região serrana, com passagem por Nova Friburgo e decretação de luto oficial de dois dias, sendo anunciado cerca de R$ 500 milhões em obras na Serra, com previsão de investir cerca de R$ 135 milhões na contenção das encostas, sendo que, segundo os jornais, serão realizadas dez intervenções em Nova Friburgo e Teresópolis. Eu, antes de tudo, quero dizer que louvo a visita do Governador interino, pois demonstra interesse pela gravidade do problema, bem como importantes os valores anunciados, mas não posso deixar de dizer que, em 2011, quando o próprio Vice-Governador instalou seu gabinete itinerante em Nova Friburgo, tive a oportunidade de participar, pela OAB, de vários encontros, reuniões deste com entidades da sociedade civil friburguense, e, na ocasião, as cifras anunciadas eram também significativas, uma delas na casa de R$ 400 milhões, via BNDES, para recuperar a indústria e a agricultura locais, o que foi prometido ser liberado pelo então ministro da Integração Nacional de Dilma Rousseff , Fernando Bezerra Coelho( senador e líder de Bolsonaro) e pela então ministra do Meio Ambiente Isabella Teixeira. Era uma das iniciativas do Programa Emergencial de Reconstrução – Rio de Janeiro, cujo objetivo era ajudar na recuperação econômica dos municípios atingidos.
Além destes anúncios, na ocasião, houveram dezenas de outros recursos, promessas do Banco Mundial, inclusive, MPs editadas, verbas emergenciais do Governo Cabral e também outras rubricas de origem federal, uma quantidade tão elevada de dinheiro público que chega-se a perder a conta em meio a tantos números, na casa de milhões, entretanto, de fato, nada mudou de substancial, – estrutural !- pois a crua verdade é que permanecem ainda, segundo o Jornal GLOBO, editorial de 12/01 último, cerca de 86 mil pessoas vivendo em áreas suscetíveis de deslizamento em Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, os três municípios mais atingidos em 2011. Não se tem notícia que os familiares dos 918 mortos e 99 desaparecidos tenham sido todos indenizados, devidamente, bem como até hoje centenas de famílias de desabrigados de 2011 ainda dependem do auxílio-moradia. E isto sem contar que as estimativas do número real de mortes em 2011 passam de 1500, bem como os desaparecidos ultrapassariam a casa dos 150. E toda vez que chove, por exemplo, em Nova Friburgo, o velho Rio Bengala sobe e transborda, um pouco mais, um pouco menos do que nas vezes anteriores, mas o fato é que o problema está longe de ser resolvido, assim como as moradias em áreas de risco e principalmente o desmatamento, bastando, para tanto, observar a quantidade de casas (de luxo) ao redor da bela e majestosa Pedra da Catarina.
Mas não é só!
Além da incúria na prevenção destes acontecimentos, as denúncias de desvio de dinheiro público decorrentes das providencias anunciadas naquela tragédia para região serrana deram motivo a mais de 30 ações judiciais para tentar recuperar tais valores, sendo dezenas de réus, mas até hoje nada foi ressarcido aos cofres públicos, sejam municipais, estaduais ou federais. Sabe-se que o MPF tenta reaver o valor de R$ 23 milhões, com base em valores de 2011, imagine-se isto sendo atualizado, sendo que 8 bons e dedicados juízes federais já sentenciaram, felizmente, oito das 22 ações movidas pela promotoria federal, com ordem de devolução imediata, mas os réus estão ainda recorrendo, o que é um direito, evidente, mas a considerar que já se passaram 10 anos destes crimes, desconfio que haja muita procrastinação.
Só em Nova Friburgo, (município teria oficialmente recebido R$ 10 milhões), consta haver tramitando 7 ações por improbidade administrativa e uma ação criminal.
Todos estes dados podem ser checados na internet, distribuição de feitos nas justiças federais e estaduais, sendo que, ressalvado uma involuntária falha ou outra nas informações sobre quantitativo milionário de dinheiro público em relação ao qual recaem suspeitas, posso assegurar que as informações que ora me refiro são muito próximas da realidade, sendo mesmo fato notório que parte do socorro financeiro ás vítimas e as obras emergenciais foram instrumentalizadas para o enriquecimento ilícito de corruptos e corruptores, incluindo a participação de muitas empresas, o que evidentemente, registro, não foram todas. Em verdade, assim como no nordeste brasileiro é notória a “indústria da seca”, que aproveita a falta de chuvas para captar e desviar recursos públicos, temos infelizmente na região serrana do o Rio de janeiro a “indústria das enchentes e desabamentos”, que movimenta milhões por ocasião destes terríveis acontecimentos, injeta muito dinheiro público em projetos anunciados, via bancos públicos, mas, ao final, tudo fica como antes, salvo exceções, e esta indústria macabra das enchentes se enriquece mais uma vez, a cada nova tragédia.
Concluo este texto, que é também um desabafo de quem ama e se preocupa com Nova Friburgo, em especial, destacando que, a meu ver, sem pretender aqui fazer qualquer juízo de valor em relação ao tratamento que será dado em relação a estas novas verbas pelos novos governantes, seja no âmbito municipal, recém-eleito democraticamente e também o interino-estadual, alçado provisoriamente à chefia do executivo por um processo de impeachment em curso, estes novíssimos recursos públicos anunciados devem ser objeto de rigoroso controle e fiscalização popular desde o início, no seu nascedouro, tanto pelos órgãos estatais competentes, câmara dos vereadores, TCE, TCU, MPE, MPF, como principalmente pela imprensa e entidades da sociedade civil organizada, associações, igrejas, sindicatos, OAB, Fórum sindical do município, grupos ecológicos e outros fóruns e coletivos de acompanhamento dos atos de governo, sendo certo que, para terminar, em breve síntese, a prioridade para mim deveria ser: 1- indenização de familiares de mortos e desaparecidos de 2011 e casa para quem ainda não recebeu; 2- realização de obras –estruturais- nos morros e rio bengalas; 3- discussão democrática com a sociedade civil interessada sobre prevenção e proteção do meio-ambiente . E insisto: com muita fiscalização popular.
ADERSON BUSSINGER – Advogado sindical, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, conselheiro da OAB-RJ, membro efetivo da CDH da OAB-RJ, membro do IAB, ABJD e ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). Colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, integra a Comissão Nacional eleita de Interlocutores do Fórum Nacional em Defesa da Anistia Constitucional.
MAZOLA
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