Por Siro Darlan

“Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’.

Mateus 25:34-36.

A Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro foi fundada no ano de 1582 pelo Padre José de Anchieta para cuidar das pessoas e criou em sua estrutura administrativa diversas Mordomias para servir à população mais carente, o que faz até à presente data. Uma dessas Mordomias é dedicada aos presos, e conforme consta em seu artigo 118 destina-se a dar assistência jurídica e cuidar do livramento das pessoas presas. Foi, portanto a primeira instituição a criar um serviço de assistência jurídica, hoje tão bem realizada pelas Defensorias Públicas e advogados.

Histórico – Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. (Fonte: FIOCRUZ)

Contudo a Irmandade da Misericórdia, fiel aos desígnios de seu fundador e inspirados na Sagrada Escritura, continua a prestar seu caridoso concurso aos encarcerados, considerados os maiores infelizes a quem se deve prestar consolo e auxílio. O escritor e primeiro biólogo da Santa Casa escreveu que: “O mais importante dos serviços filantrópicos da Misericórdia, depois dos hospitais era o patrocínio aos presos e consolo extremo seguido do piedoso funeral aos padecentes”. Tratando dos presos recomendava o Compromisso 1618 aos Mordomos que pusessem nos seus livramentos e sustentação toda diligência e caridade.

É importante notar que foi essa Mordomia dos Presos a instituição precursora da Justiça Gratuita no Brasil. Graças a ela o herói da Independência, Tiradentes, teve assistência jurídica no processo que lhe moveu a Corte Portuguesa que teve início com a delação promovida pelo coronel Joaquim Silvério dos Reis, que a história chama de traidor. O que seriam os delatores da modernidade senão igualmente traidores da ética e da camaradagem. Foi através da Santa Casa de Misericórdia que foi contratado o melhor de todos os advogados da época, o DR. Jose de Oliveira Fagundes, na época o mais preparado e famoso, com honorários estipulados em 200 mil réis.

A outra face (quase oculta) de Tiradentes - Jornal Plural
Martírio de Tiradentes, pintura de Aurélio de Figueiredo (1893)

Em 3 de julho de 2022, fui eleito, juntamente com o ilustre desembargador Antonio Carlos Esteves Torres, Mordomo dos Presos. Essa é uma tarefa que muito me agrada e rejubila por poder praticar uma das bem-aventuranças. Aliás é uma atividade que pratico desde que fui Juiz da Vara de Execuções Penais e tive a alegria de visitar todos os presídios do Estado do Rio de Janeiro. Quando juiz da Vara dos Adolescentes em conflito com a lei institui e pratiquei a realização das audiências no local onde os jovens estavam apreendidos e todas semana me dirigia ao então Instituto Padre Severino, hoje Dom Bosco, onde decidia com a equipe técnica o destino a ser dado aos jovens.

Atualmente, como magistrado, estou impedido de continuar promovendo a integração social dos privados de liberdade em razão de uma “fake news” produzida, provavelmente para impedir que o “estado de coisa inconstitucional” decretado pelo STF pudesse ser testemunhado e denunciado.

No entanto, pudemos testemunhar que nos últimos anos alguma coisa de educativo foi produzido nos presídios, seja através da ação maravilhosa do Juiz de Joinville João Marcos Buch, seja pelo lançamento do Livro de poesias produzido pelos presos da Escola Estadual Mario Quintana, no estabelecimento Penal Lemos de Brito.

Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Diálogo entre João Marcos Buch e presos. (Divulgação/acervo pessoal)

Leitura inspira presos a escreverem livro com poemas e crônicas | GZH

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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