Por João Claudio Pitillo e Roberto Santana Santos

Dia 24 de março, o Presidente da República Jair Bolsonaro, usou o conceito de “terra arrasada” para criticar governadores e prefeitos que estão adotando o isolamento social (quarentena coletiva) para deter a expansão do COVID-19. Bolsonaro criticou tal estratégia, alegando que a mesma é ineficiente. Alerta que as mortes serão inevitáveis, porém, poucas; e que o estrago maior será na economia, onde seus efeitos podem acarretar em mais mortes do que o COVID-19. Tal afirmação do presidente Bolsonaro não conta com respaldo do Ministério da Saúde e nem dos especialistas de todo o mundo, que alertam ser o isolamento a única saída para controlar um vírus que ainda não possui vacina ou medicação.

Para além da disputa ideológica embutida no discurso de Bolsonaro, existe a análise técnica do referido discurso, não sobre a área da Saúde e sim sobre a área Militar. Vejamos: sendo Bolsonaro um homem oriundo do Exército Brasileiro, tendo se tornado oficial depois de cursar a AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), onde formou-se na Arma de Artilharia, e depois, já graduado como tenente, feito o curso na Brigada Paraquedista, acreditava-se que o mesmo teria conhecimento técnico-científico para não empregar um conceito militar fora de seu devido lugar.

Bolsonaro como artilheiro não poderia postar-se de maneira vacilante como tem feito. Ao não compreender o tamanho da ameaça que o COVID-19 mantém sobre o Brasil, peca na sua análise de momento (erro terrível para um oficial) e mostra-se em contradição com a Arma de Artilharia, já que a mesma tem, por emprego, fornecer apoio de fogo para outras unidades.1 Contra o COVID-19, precisamos de um fogo supressor,2 ou seja, uma barragem de fogo capaz de afastar essa doença de nossa sociedade, e o nosso presidente, que por coincidência foi artilheiro, teima em subestimar o inimigo e negligenciar a técnica de supressão do contágio da doença a partir do isolamento social.

A tática de “terra arrasada” surgiu na Antiguidade, onde um exército destruía toda a infraestrutura econômica de sua sociedade enquanto recuava, alterando todas as “condições em constante desenvolvimento”3 possíveis, para impedir que o inimigo conseguisse apoio logístico (alimentos e demais provisões) para continuar atacando ou mesmo para consolidar o que já fora conquistado. Lembrando que esses exércitos da Antiguidade não tinham a prática de transportar seus próprios suprimentos. Na Contemporaneidade, algumas vezes fora usada tal tática. Dois momentos tornaram-se célebres e podem muito bem exemplificar a referida tática de “terra arrasada”: o primeiro, na Guerra Napoleônica contra a Rússia em 1812; e depois, na invasão nazista contra a União Soviética em 1941. Nesses dois momentos, os invadidos negaram todos os recursos aos invasores por intermédio da “terra arrasada”. Com o desenvolvimento tecnológico, tal tática se tornou ineficiente, porque a capacidade dos exércitos em transportar seus recursos suplantou tal ação defensiva.

Quando os governadores e prefeitos aderem à tática do “isolamento social”, utilizam-no para preservar vidas e propriedades, defendendo a economia automaticamente. Como uma sociedade irá se desenvolver e será capaz de travar uma luta contra uma pandemia, com parte da população doente? A capacidade de produção também será duramente afetada se boa parte da força de trabalho adoecer. Os gastos médicos para tratar milhões de infectados também podem exaurir os cofres públicos, comprometendo o orçamento para as demais áreas. A prevenção ao avanço do COVID-19 está sendo tratado pelas Forças Armadas como uma guerra, isto é, a tarefa mais difícil desde a Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, os governadores e prefeitos defensores do isolamento, atuam de forma preventiva e em consonância com as Forças Armadas.

Mesmo com a oposição do presidente, o isolamento social está sendo implementado. Mais, no entanto, será necessário. As experiências chinesa e sul-coreana, as mais eficazes no combate ao vírus até o momento, demonstram que o isolamento da população em casa deve ser complementado por testes em massa (com testes rápidos), para todas as pessoas que apresentarem qualquer tipo de sintoma do COVID-19. A partir daí começa uma verdadeira “busca ao vírus”. Todas as pessoas que tiveram contato com outra infectada devem ser testadas, o que, com o tempo, fornecerá ao poder público um verdadeiro mapeamento comunitário de todos os infectados. Isolando e tratando essas pessoas, quebra-se a corrente de transmissão da doença. Em algum momento será necessário trancar algumas cidades ou estados (“lockdown”) para que as pessoas não transitem entre territórios ainda em situação de epidemia para outros que já superaram a doença. Essa é, basicamente, a “Supressão”, o método chinês de combate ao coronavírus, que explica o sucesso daquele país para zerar os casos, mesmo sem vacina ou remédio.

O fato de a pandemia ser vista como um inimigo de guerra mostra a necessidade de se adaptar a economia convencional para a economia de guerra, e criar alternativas que podem minorar a crise. A conversão das indústrias para a produção de materiais para o combate a doença é uma boa alternativa, como também o incentivo para a produção de alimentos a fim de exclusivamente suprir o mercado interno, já que as exportações estão comprometidas. Se necessário for, a constituição de uma economia solidária a partir de “vales”, ou até mesmo a emissão controlada de moeda pode ser feita. As Forças Armadas serão necessárias, principalmente para logística e transportes. Em uma guerra, toda a sociedade fica voltada para um único objetivo: vencê-la. Várias medidas podem ser tomadas para enfrentar a pandemia e driblar a crise, basta o governo estar interessado em defender o seu povo.

A mobilização nacional se faz necessária a partir da constatação do tamanho da ameaça que se abate sobre a Nação. De imediato, se faz imperativo transformar cada cidadão em um combatente disciplinado, que faz das medidas protetivas da área de Saúde uma palavra de ordem a ser seguida à risca:

“A vida dos soldados torna-se saudável; os recrutas, criados em um ambiente de melhor saúde pública, bem alimentados pelos produtos da agricultura mecanizada, eram mantidos em forma e fortes”.4

A postura jocosa e descompromissada do presidente Bolsonaro tem dado um péssimo exemplo à Nação e comprometido todas as estratégias de combate ao COVID-19. Desalinhado à conjuntura internacional de combate à pandemia, o presidente tem se mostrado um verdadeiro “quinta coluna”. Omisso e desleixado com a emergência que se impõem à Nação, parece trabalhar para o caos, onde seus arroubos autoritários e reacionários poderiam ser a única proposta viável. Em flagrante traição aos desígnios de um Presidente da República (e também de um oficial artilheiro), Bolsonaro tem evitado a governança e atuado como um derrotista diante de uma guerra que está apenas no início.

Ao se negar a compreender os pressupostos científicos que apontam o isolamento como o remédio eficaz à pandemia, Bolsonaro aposta em um discurso vazio sobre economia, apresentando-a como antítese, quando, na verdade, a economia é filha dessa mesma ciência que ele nega na área da Saúde. Como militar e oficial, ocorre em duas grandes falhas: na covardia e na falta de iniciativa, dois predicados que impedem que um militar avance na carreira. Mediante esse cenário de dúvidas e incertezas, certificasse que a preocupação que Bolsonaro demostra com a economia é surreal, porque a mesma já vinha combalida (PIB que não cresce, desemprego estabilizado em alto patamar, maioria da população na informalidade e dólar a 5 reais), e o retorno à ela, em detrimento da saúde coletiva, não resolveria o problema dos mais necessitados.

A guerra como locomotiva da história traz algumas oportunidades e o presidente Bolsonaro, se portando como “Capitão Corona”, ou uma espécie de “Recruta Zero”, não terá capacidade de compreender esse momento histórico. Isto é, o capitão Bolsonaro está acochambrado e pronto para trair a sua pátria?


1  http://www.cporr.eb.mil.br/index.php/artilharia – 31/03/2020

2  HOGG, Ian V. Artilharia a Tática dos Canhões, Rio de Janeiro, Rennes, 1977. Pág.8

Conceito soviético usado para definir todos os elementos do campo de batalha que podem influir em um combate

4  KEEGAN, John. Uma História da Guerra, São Paulo, Companhia das Letras, 2006. Pág.459

João Claudio Platenik Pitillo – Doutorando em História Social pela UNIRIO, Especialista em História Militar e Pesquisador do NUCLEAS-UERJ.

Roberto Santana Santos – Doutor em Políticas Públicas pela UERJ. Professor da Faculdade de Educação UERJ.