Por Luiz Carlos Prestes Filho

Para Carlos Alexandre Andrade Cardoso, biólogo com especialização em Entomologia Médica, professor e curador do Museu de Conhecimentos Gerais de Saquarema, Estado do Rio de Janeiro, a nossa identidade indígena, o espírito guerreiro dos Tamoios inspira. Inclusive, para atravessar este momento trágico da Covid 19: “Lutamos contra o criminoso invasor colonial, no século XVI, sofremos com o racismo, o escravagismo e massacres injustificáveis. Mas a História está ao nosso lado”.

Luiz Carlos Prestes Filho: A pandemia modificou as atividades do Museu de Conhecimento Gerais?

Carlos Alexandre Andrade Cardoso: A Pandemia nos pegou desprevenidos. No final do ano passado estruturamos uma programação que iria ter início após o carnaval, a partir do ano letivo das escolas e das universidades. Os estudantes e professores são o nosso público alvo. De uma hora para outra, nos vimos confinados. Esperamos até o último minuto, na esperança de que tudo fosse resolvido rapidamente, mas não veio a solução. Tivemos que cancelar tudo, agimos como todos os espaços culturais do Brasil e do mundo. Gostaria de destacar que o Museu de Conhecimentos Gerais de Saquarema foi criado como um espaço de compartilhamento de vivências. Hoje temos um dos maiores acervos da Região dos Lagos em diversas áreas do saber. Nossa atividade veio para dar suporte para as escolas e para as universidades, tanto públicas como privadas. Aqui ilustramos as aulas e, por outro lado, oferecemos a visualização de artefatos que a maioria da população conhece somente por meio de livros, revistas, filmes cinematográficos e programas de televisão. Nosso intuito é despertar aquela sementinha da surpresado do conhecimento. Aqui trabalhamos com Educação e Cultura, por esta razão na nossa insígnia está fixada a imagem do Primeiro Herói Nacional do Brasil – Aimberê. O líder da Confederação dos Tamoios que reuniu tribos indígenas de todo território nacional para lutar contra o criminoso invasor colonial. No século XVI nosso território sofreu com o racismo, o escravagismo e massacres injustificáveis historicamente. O invasor português derramou o sangue de milhões de inocentes, tentou impor o cristianismo como uma filosofia de vida. Mas a identidade dos Tamoios sobreviveu e ela nos inspira. Inclusive, para atravessar esse momento trágico da Covid 19.

Prestes Filho: Quais projetos foram cancelados?

Carlos Alexandre: Tínhamos uma programação para a “Semana Nacional de Museus” do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Atividade que realizamos todo ano na região, com eventos planejados em parceria com instituições do município e de outras cidades. Nessas ocasiões convidamos pesquisadores com notório saber e acadêmicos para realizarem palestras. Montamos exposições com objetos do acervo da nossa pinacoteca; do arquivo histórico; e do banco de dados natural. Também, pretendíamos realizar em agosto, os eventos – “Primavera dos Museus”; e a “Semana de Ciência e da Tecnologia”.

Prestes Filho: Quais atividades foram realizadas durante o isolamento social?

Carlos Alexandre: No isolamento tivemos que nos adaptar a vida on-line. Vários professores entraram em contato solicitando vídeos sobre a História do município de Saquarema. Pediam para apresentar peças de nosso acervo. Relutamos um pouco, por não ser nossa prática. Depois, cedemos e passamos a realizar obras audiovisuais sobre o acervo. Resolvemos agora a dar palestras específicas com convidados, sempre de forma on-line.

Prestes Filho: Você previu um dia os museus atravessarem essa situação?

Carlos Alexandre: A área museológica, assim como toda a área cultural e educacional, nunca foi prioridade nas políticas públicas. Situo esta nossa área no campo da resistência. Esta somente existe por conta do amor e da dedicação de brasileiros abnegados. Infelizmente, é um problema que vem da formação básica. Veja que o incêndio do Museu Nacional gerou uma comoção temporária. Mas na verdade nada se resolveu. Quando ele vai renascer das cinzas? Ninguém sabe.

Prestes Filho: A homenagem ao herói Aimberê trouxe uma aproximação do museu com tribos indígenas?

Carlos Alexandre: Recentemente, estive visitando a tribo indígena de Maricá, onde pude registrar um pouco da luta deste povo por seu espaço vital. Assim como ocorre em todo o País, na Região do Lagos, continuamos, à mais de 500 anos, desrespeitando os verdadeiros donos desta terra. Os índios estavam aqui bem antes dos invasores coloniais. Mas, como disse anteriormente, a nossa formação educacional e cultural é deficitária. Veja que não conseguimos nem defender os Sambaquis de Saquarema frente aos interesses inescrupulosos especulação imobiliária. Os Sambaquis são destruídos sem dó e sem piedade. Os que ainda existem, estão de pé por conta da dedicação de alguns profissionais que dão a vida pela preservação da nossa identidade.

Prestes Filho: Como os interessados poderiam contribuir com o fortalecimento do Museu de Conhecimentos Gerais de Saquarema?

Carlos Alexandre: O museu foi idealizado por mim e conto com ajuda de muitos voluntários na recepção dos visitantes, nas pesquisas e na manutenção do acervo. Até o momento não temos nenhum apoio público ou privado. As despesas são pagas por mim e, esporadicamente, por amigos. As contribuições dos visitantes ajudam. Mas todos os nossos eventos são gratuitos, pois acredito que, por menor que seja o valor, não iríamos atender a um público em geral, estaríamos de alguma forma elitizando as visitações. Quem desejar contribuir, nos procurem diretamente. Temos uma página bem ativa no Facebook.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).