Por Aurelio Fernandes

Lisboa, 1979. Nos bastidores do encontro entre trabalhistas brasileiros e trabalhistas exilados, Brizola é confrontado por líderes trabalhistas históricos sobre o papel deles no evento, que propunha um novo trabalhismo como base para o Novo PTB. Este questionamento fundamentava-se no fato de que a maioria dos participantes não vinha do trabalhismo histórico, mas sim dos antigos PSB e PCB, da ORM-POLOP, do MNR, do MRT, da VPR, da ALN, da Var Palmares, do PCBR e outras organizações que desempenharam um papel destacado na luta popular e classista antes do golpe militar empresarial ou durante a resistência armada à ditadura.

Rio, 1980. A esquerda do MDB carioca se confunde com as pichações nos muros – “Por um PTB socialista!” – que clamavam por um caráter socialista para o novo PTB. Naquela época, a consciência política deles indicava a incompatibilidade entre o “populismo” do PTB e a busca pelo socialismo. Alguns, ao se filiarem ao PDT durante a fusão do PP com o MDB em 1981, começam a perceber o equívoco desse posicionamento.

Contrariando as afirmações dos críticos, Brizola e o novo trabalhismo faziam uma profunda crítica aos erros e limitações do antigo PTB. Eles recusavam apenas o rótulo de “populismo”, que visava apagar as contribuições do antigo trabalhismo para a política brasileira e para a melhoria das condições de vida do povo trabalhador.

Influenciado pela teoria marxista da dependência, o novo PTB apontava os limites de uma política de desenvolvimento voltada para as maiorias no capitalismo dependente. Defendia que o trabalhismo era o caminho brasileiro para o socialismo, resgatando a afirmação de Brizola em 1963: “O problema latino-americano deve ser concebido como um problema de libertação nacional. É imperativo que a revolução encontre soluções socialistas. E não se trata de escolher uma doutrina de um livro. Apenas as soluções socialistas permitem a defesa dos povos contra o imperialismo.”

O novo PTB, transformado posteriormente em PDT após o confisco da sigla pela ditadura, encarnava uma superação dialética do antigo trabalhismo, apontando claramente para o socialismo como objetivo, sem perder o fio da história das lutas do povo trabalhador.

Luiz Carlos Prestes e Leonel Brizola, 1984. (Acervo comunista/Twitter)

Infelizmente, a degeneração política da “Nova República”, fruto da “abertura lenta, gradual e segura” implementada por militares, classes dominantes brasileiras e o império estadunidense, impactou esse projeto. Aliada aos erros políticos dos dirigentes, a atual condição do PDT se resume a uma caricatura do que poderia ter sido.

Outros partidos também não escaparam dessa degeneração, com destaque para o PT, que surgiu negando sectariamente o “populismo” e hoje reproduz todos os equívocos do antigo PTB em seus governos, sem herdar suas virtudes. Arrisco afirmar que hoje, Lula é o político brasileiro mais “getulista”, mas de um getulismo baseado na conciliação entre capital e trabalho, considerado inviável por Getúlio na Carta Testamento. Uma parte significativa da esquerda parece ignorar essa autocrítica.

É interessante notar que a maioria dos partidos fundados na “Nova República” resultou em divisões e rachas, originando novas agremiações políticas que, ao não superarem antigas contradições, estão fadadas ao raquitismo, ao asinismo eleitoral ou a eternas divisões.

Nesse contexto, surge a iniciativa de refundar o PTB, liderada por militantes derrotados na luta interna no PDT. No entanto, questiono até que ponto essa iniciativa é uma mera reedição do PDT com novas lideranças: um “P(d)T (do) B”. Tenho dúvidas se esse novo PTB resgata o projeto do novo trabalhismo de Brizola – o brizolismo – ou se representa uma tentativa de reviver um PTB que defenda o getulismo baseado na conciliação entre capital e trabalho, colocando Jango e Brizola como meros seguidores/continuadores desse projeto.

As respostas a esses questionamentos serão dadas pelas futuras ações e políticas desse novo PTB. No entanto, uma tendência parece se desenhar neste momento, seja pela ênfase em Getúlio em detrimento de Brizola e Jango como meros seguidores/continuadores, pela ausência do lema “Trabalhismo como caminho brasileiro para o socialismo” ou, o que considero mais emblemático, pela vinculação à liderança do Presidente Lula e ao que ele representa na vida política atual, algo que esse PTB tem assumido publicamente.

AURELIO FERNANDES – Professor de História, educador popular e militante dos Círculos pela revolução brasileira.

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