Por Lincoln Penna

Os tempos tensos em que vivemos às vésperas da data de mais um aniversário da Independência do Brasil, requer por parte do povo uma mobilização de suas consciências.

Ou seja, precisamos estar em permanente “estado de emergência” diante de ameaças que rondam o transcurso das manifestações convocadas para intimidar os poderes da República e a cidadania. Aos que lerem essas linhas após o dia 7, terão um quadro do ocorrido e acompanharão as suas repercussões e desdobramentos.

Uso o termo estado de emergência porque ele pode ser aplicado a situações como a nossa, embora tenha sido previsto no artigo 4º do Pacto dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, em 1966 para fins de natureza institucional. Ele foi concebido para regular uma emergência em casos que atentem contra os estados em sua soberania nacional. Consagrado, portanto, pela ONU, esse recurso prevê seu emprego em situações de extrema gravidade. E tal procedimento extraordinário foi acolhido pelos constituintes de 1988.

Assim, os artigos 136, e seguintes até o 141 fazem alusão a esse dispositivo, cuja decisão cabe ao presidente da República, em consulta ao Conselho de Defesa Nacional bem como aos demais poderes. Entre nós, o termo passou a ser substituído por duas denominações, que possuem alguma similaridade com o estado de emergência. São elas: o estado de defesa e o estado de sítio. Ambos só podem ser decretados pelo presidente da República.

Há entre essas duas emergências níveis de alcance quanto ao que se poderia dizer de restrições enquanto perdurarem seus efeitos. No caso do estado de defesa. Ele é usado diante de iminente instabilidade política e institucional, com vistas à normalização da vida política do País. Em sua vigência podem ser suspensas as garantias do cidadão, tais como o direito de reuniões e de manifestações de opinião, que ficam momentaneamente suspensas.

No que se refere ao estado de sítio, este decreto eleva o grau de controle da sociedade, pois em princípio ele é utilizado em face de situações de guerra, com grande comoção social, e com isso todas as liberdades democráticas ficam suprimidas até sua suspensão, decisão também que depende do presidente. Trata-se de um expediente de maior restrição e normalmente ocorre em guerras externas ou internas. Estas últimas derivadas de confrontos entre forças que disputam o controle do poder, as chamadas guerras civis.

Sua adoção é prevista em último caso e costumam ter duração de no mínimo trinta dias.

A emergência que estamos assistindo tem sido provocada pelo próprio presidente, ao estimular um cenário de intimidação contra os demais poderes e a própria Constituição, a partir de uma narrativa segundo a qual ele está simplesmente colocando em prática um dos pilares da Carta Magna, a liberdade de expressão. Força, com isso, um aumento da tensão ao radicalizar sua atitude e a convocar toda a sua gente fanatizada, que o considera o mito salvador da pátria.

O que precisamos é que o povo adote o seu estado de emergência. Não confrontando nas ruas e praças públicas através de um voluntarismo desorganizado nesse dia 7, com conseqüências imprevisíveis. É este cenário o desejado pelo mito dos ingênuos e outros desavisados, provavelmente para demonstrar superioridade em face de seus oponentes. A emergência coletiva e voltada para costurar mais apoios e alianças contra a turbulência enfurecida de quem se acha insubstituível em nada significa passividade ou acomodação, mas lucidez e preparação articulada para, aí sim, partir para a luta inevitável diante das iniciativas antidemocráticas, que possam vir como conseqüência dessas manifestações ruidosas.

Ao escrever na véspera do dia 7 de setembro, não tenho senão o impulso de um alerta para o day after, porquanto não tenho dúvida de que o resultado do que ocorrer nesta data terá implicações no nosso futuro imediato do País, para o bem ou para o mal. Estar atento já é um estado de emergência dos cidadãos que sustentam os valores da democracia. Até porque nada pode ser construído se esses valores forem violados e nos enfiarem goela abaixo o extremismo de uma vocação autoritária sem freios.

A história tem demonstrado que o argumento da força em circunstâncias de crise aguda costuma superar a força dos argumentos. Evitar essa repetição, mesmo como farsa, é sempre conveniente para o povo mais desassistido e vulnerável.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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