Por Sérgio Ricardo –
Baía de Guanabara recebe o despejo ilegal de 1 bilhão de litros de chorume por ano.
Nesta segunda-feira (21), o Movimento Baía Viva ingressou com uma Representação judicial junto aos Promotores de Justiça Augusto Vianna Lopes, da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural de Niterói, e José Alexandre Maximino Mota, coordenador do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, solicitando a criação de uma força tarefa a ser formada por Promotores de Justiça para enfrentar os graves impactos socioambientais, econômicos e à saúde pública provocados por um grande número de lixões considerados “desativados” pelos órgãos ambientais e grandes aterros sanitários que não dispõem de sistemas de tratamento de chorume ou os operam de forma bastante precária, limitada e ineficiente.
Segue abaixo os principais pontos da Representação judicial do Baía Viva.
Prezados Promotores:
Considerando que em 05/12/2019, o Movimento Baía Viva protocolou junto a este MP-RJ de Niterói uma Representação judicial visando apurar a ocorrência de Crime Ambiental (Lei Fed. 9605/1997) provocado pela geração de um volume estimado entre 120 m3 a cerca de 328 m3 por dia (328 mil litros/dia) de chorume (lixiviado) pelo Aterro “desativado” do Morro do Céu (antigo Lixão do Morro do Céu), de Niterói, que tem sido diluído com esgotos na ETE Icaraí e ilegalmente despejado em corpos hídricos e no mar (emissário submarino).
A citada Representação proposta pelo Baía Viva, destaca que há uma estimativa de produção/geração anual de chorume no Morro do Céu de mais de 118 milhões de litros de chorume não tratado (cerca de 9.840 mil litros de chorume por mês), que gera um efluente poluente, tóxico e perigoso a saúde humana e ao meio ambiente.
Em outras Representações que tramitam junto a diversas Comarcas do MP-RJ, temos alertado para a gravidade desta situação que vem se acumulando ao longo de anos: atualmente, a Baía de Guanabara recebe o despejo de um volume de chorume sem tratamento estimado em 3 milhões de litros por dia – ou seja, 1 BILHÃO DE LITROS DE CHORUME POR ANO , culminando na poluição da águas, manguezais e praias, além de prejudicar a pesca e representar riscos à saúde da população.
Na escala da Região Metropolitana, destacam-se como principais geradores de chorume não tratado o Lixão de Gramacho (Duque de Caxias), o CTR Santa Rosa (Seropédica), o Lixão de Itaóca (São Gonçalo) e o Morro do Céu.
Cita-se ainda o Lixão de Gericinó, situado na Zona Oeste carioca, entre outros lixões “desativados” e aterros sanitários situados em outros municípios do território metropolitano, cuja operação e gestão do chorume produzido é bastante precária, limitada, ineficiente.
Para todos esses passivos ambientais citados, o Baía Viva ingressou entre 2018 e 2020 com Representações específicas: no entanto, consideramos que, até o momento, a atuação do MP-RJ e também do MP Federal quando ocorreu, deu-se de forma bastante fragmentada, limitada, com poucos resultados efetivos em termos de controle desta intensa fonte cotidiana de poluição.
Apesar disso, não temos visto por parte da Administração Pública uma atuação baseada numa análise integrada, holística, de caráter multidisciplinar e multi-escalar que deveria abranger todos estes citados passivos ambientais e vários outros lixões e aterros sanitários espalhados pelos municípios fluminenses: caso ocorresse uma atuação coordenada e integrada, como solicitamos nestas Representações, ficaria demonstrado, de forma inequívoca, que trata-se de um problema socioambiental de grande relevância, e que exatamente por isso deveria ser objeto de uma atuação integrada por parte do MP-RJ, o que lamenta-se que – até o momento –efetivamente não ocorreu!
DESCUMPRIMENTO DE LEIS AMBIENTAIS
Especificamente, no que tange ao não tratamento ou mera “diluição” de chorume nos corpos hídricos, nota-se um flagrante desrespeito e descumprimento tanto das leis estaduais nº 4191, de 30 de Setembro de 2003 (em diversos artigos) e de no. 8298, de 21 de janeiro de 2019 (artigos 2º. e 3º); assim como da Lei Estadual no. 9055, de 08/10/2020, em especial os artigos 8º., 9º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 18º e 21º.
Portanto, numa flagrante impunidade, a concessionária privada Águas de Niterói S/A, que opera a ETE Icaraí, recebe chorume para “diluição” e lançamento nos corpos hídricos sem dispor da obrigatória outorga de lançamento de chorume; o que configura o não cumprimento das normas de descarga do efluente tratado e de transferência dos contaminantes para o solo e o meio hídrico.
Lamenta-se que apesar do nosso alerta ambiental e de saúde pública, não se tenha tomado providências efetivas em relação à nocividade do chorume que potencializa o processo de eutrofização de corpos hídricos(ou excesso de nutrientes no ambiente aquático) de corpos hídricos com a adição de fósforos e nitratos na água. A sobrecarga de poluentes provoca a floração em que algas e cianobactérias se multiplicam rapidamente devido à quantidade excessiva de nutrientes para alimentá-las (fosfato e o nitrato na água).
Também sequer foi investigado neste IC os aspectos epidemiológicos e de riscos à saúde humana, apesar de ter sido alertado de que os efeitos deletérios do nitrogênio presente no chorume: o nitrato é tóxico e causa a doença denominada metaemoglobinemia infantil, que é letal para crianças.
Por sua vez, a amônia é um tóxico bastante restritivo à vida dos peixes; provoca consumo de oxigênio dissolvido das águas naturais ao ser oxidada biologicamente.
SITUAÇÃO ATUAL
As Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) operadas pela CEDAE e por concessionárias privadas, já há alguns anos tem recebido grande volume de chorume para diluição e lançamento nos corpos hídricos e na Baía de Guanabara, a saber:
– Concessionária Águas de Niterói S/A: recebe O chorume na ETE Icaraí oriundo do Aterro do Morro do Céu;
– Concessionária Águas do Imperador: recebe na ETE Quitandinha o chorume do Aterro sanitário de Pedro do Rio (Petrópolis);
– Concessionária PROLAGOS: recebe chorume do Aterro Dois Arcos (São Pedro D´Aldeia);
– CEDAE: recebe na ETE Alegria e na ETE Pavuna-Sarapuí o chorume de diversos de diversos Aterros sobretudo do CTR Santa Rosa (Seropédica).
As ETEs não são adequadas para receber chorume de aterros sanitários e lixões, já que libera substâncias nocivas como o nitrogênio amoniacal, uma vez que consome o oxigênio dissolvido neste corpohídrico e provoca impactos diretamente na cadeia alimentar e na qualidade dos peixes e da água.
O aterro sanitário que mais recebe chorume é o CTR Santa Rosa, situado em Seropédica. Este CTR tem levado grande volume de chorume para tratamento/diluição nas unidades da CEDAE.
O lixão de Gericinó, situado na Zona Oeste carioca, faz lançamento in natura de chorume nos corpos hídricos: não dispõe de outorga de lançamento de chorume.
No caso do Lixão de Jardim Gramacho, Duque de Caxias, ocorre o lançamento in natura do chorume nos corpos hídricos e na baía. Neste caso, os cotidianos vazamentos de chorume para os rios, a baía e manguezais são tão intensos que pescadores artesanais das Comunidades da Chacrinha e Saracuruna vivem grave situação de insegurança alimentar (muitas passam fome diariamente!), já que ao invés de viverem da pesca e da catação de caranguejos, tentam sobreviver da catação de embalagens plásticas (garrafas PET), conforme tem sido demonstrado pela imprensa.
No caso do Lixão de Itaóca, em São Gonçalo, não há o tratamento do chorume que é lançado in natura nos corpos hídricos e na baía. Não dispõe de outorga de lançamento de chorume. No Inquérito Civil em andamento na Promotoria do MP-RJ, chegou-se à um impasse uma vez que nem a Prefeitura local, nem muito menos a concessionária privada se dispõem à assumir a responsabilidade legal e financeira sobre os custos da remediação ambiental da extensa área do lixão, nem do tratamento do chorume que tem vazado diariamente em grande volume para rios, manguezais e moradias pobres. No local, são comuns os casos de Hanseníase sobre a população residente no entorno do lixão, entre os quais famílias de ex-catadores que trabalhavam no lixão.
Destaca-se que esta atividade de “diluição e lançamento de chorume nos corpos hídricos” não dispõe de EIA/RIMA, nem temautorização dos Comitês de Bacia Hidrográfica, conforme já descritos nos citados inquéritos civis em tramitação neste MP-RJ. Além disso, não está sendo feito o pagamento pelo uso do recurso hídrico, previsto nos artigos 12,13, 15,19 e 22 da Lei Federal 9433/1997.
Esta atividade poluidora tem afetado a balneabilidade das praias e contaminação dos corpos hídricos, provocando perdas expressivas na economia da pesca artesanal, prejudicando o turismo e o direito a usos públicos como recreação e lazer náutico.
DA CADUCIDADE DO TAC DE 2005
Por sua vez, nossa Representação já alertava o MP-RJ quanto ao fato do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado em 30/03/2005* ter caducado há muito tempo, uma vez que não tem sido efetivamente cumprido por parte da concessionária privada as exigências técnicas de controle ambiental no que diz respeito à obrigatoriedade de construção de rede coletora de esgotos, para coletar e tratar todo o chorume gerado e captado no Lixão do Morro do Céuna ETE Icaraí, pelo tempo que durar a produção de chorume na área do mesmo.
*Á época, firmaram este TAC: o MP-RJ, a concessionária Águas de Niterói S/A, o município de Niterói, a CLIN e a FEEMA (atual INEA-RJ).
O TAC de 2005, à época previu alguns compromissos que visavam resolver temporariamente (e de forma emergencial) alguns problemas despoluição e contaminação ambiental oriundos do lixão, o que visava minimizar e prevenir uma crise maior caso houvesse o desmoronamento do enorme maciço (montanha) de lixo.
DA INADEQUAÇÃO E INCONVENIÊNCIA DO TRATAMENTO DECHORUME EM ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ESGOTOS (ETEs)
Outro aspecto grave lamentavelmente não considerado em nossa Representação de 2019, diz respeito ao fato de que comprovadamente as ETEs não são adequadas para receber chorume de aterros sanitários e lixões, já que libera substâncias nocivas como o nitrogênio amoniacal, uma vez que consome o oxigênio dissolvido neste corpo hídrico e provoca impactos diretamente na cadeia alimentar e na qualidade dos peixes e da água.
A prática do chamado “co-tratamento” é uma falácia, e mesmo assim tem sido utilizada tanto pela CEDAE como por concessionárias privadas (como a Águas de Niterói), sem ser levado em conta os impactos gerados pela presença no chorume de elevadas cargas de amônia, cargas de nitrogênio, metais pesados, nitrato que devido aos problemas de performance, rendimento e eficácia das ETEs convencionais bastante comuns durante o processo de “co-tratamento” de chorume em ETES, resultam no comprometimento da qualidade do efluente tratado, com a transferência de contaminantes para o solo, cadeia trófica, peixes e ao meio hídrico em geral.
Lamenta-se que os inquéritos civis não tenham levado em conta estes riscos à saúde pública, ao meio ambiente, corpos hídricos e à cadeia alimentar.
RISCOS POTENCIAIS DO LANÇAMENTO DE ESGOTOS COM CHORUME NO EMISSÁRIO SUBMARINO DE ICARAÍ
Também não foi analisado nos ICs, o fato de que a LO IN000671 de 21/08/2009 da ETE Icaraí tinha por objeto a “operação de estação de tratamento de esgotos e lançamento de seus efluentes em emissário submarino”, com 3.340m de extensão, que passou a ser lançado na saída da Baía de Guanabara. No entanto, em 04/10/2012, foi expedida uma mera Averbação AVB0001642 em nome da Concessionária Águas de Niterói S/A, que alterou o objeto da atividade para permitir a “operação da estação de tratamento de esgotos ETE de Icaraí com lançamento de seus efluentes em emissário submarino, e com o recebimento de chorume, limitado a 660 m3/dia”, sem que fosse no mínimo exigida a elaboração de um novo estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
O resultado de mais esta grotesca fraude no processo de licenciamento, resultou na expedição em 04/07/2016 da LO IN035042 com o objeto “para operar a estação de tratamento de esgotos ETE de Icaraí e lançar seus efluentes em emissário submarino”, com validade até 04 de Julho de 2021.
FRAUDE NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO MORRO DO CÉU
O MP-RJ durante 1 ano de tramitação da citada Representação, também não levou em conta a apuração de fraude no processo de licenciamento ambiental, em especial quanto ao chamado “chorumeduto”: o duto (tubulação) de chorume exigido no TAC de 2005 nunca existiu e o chorume do Morro do Céu desde aquela época é despejado in natura diretamente na rede coletora de esgotos da região.
Ressalta-se, mais uma vez, que o suposto duto (de chorume) é na verdade uma galeria de esgoto convencional, que recebe contribuições de esgotos de todo o bairro do Caramujo e verte por centenas de outros logradouros por todo o percurso até a entrada da ETE Icaraí.
Sequer foi investigado no âmbito do citado inquérito civil, a grave denúncia de fraude de estranha substituição de pareceres técnicos no âmbito do processo em tramitação no INEA, que devido à uma questionável “mudança de entendimento”, na prática, contribuiu para isentar a concessionária Águas de Niterói da responsabilidade de instalar um novo sistema de tratamento de chorume.
Outra fraude foi cometida no processo de renovação da licença do emissário submarino da ETE de Icaraí que passou, repentinamente e sem critérios técnicos, a ter a autorização para tratar chorume numa infraestrutura (ETE) que foi inicialmente projetada, construída e licenciada pelo INEA exclusivamente para tratar esgotos sanitários, como já descrito na Representação do Baía Viva de 2019.
DA CRISE DO CHORUME NÃO TRATADO
Por fim, a origem da atual “CRISE DO CHORUME NÃO TRATADO” que abrange todo o Estado do Rio de Janeiro, já foi detalhadamente descrito nesta citada Representação e em diversas outras protocoladas pelo Baía Viva junto à este MP-RJ e ao MPF, nos quais são solicitadas um conjunto de providências para apurar responsabilidades administrativas e criminais.
Lamenta-se que também estas questões de maior gravidade não tenham, até o momento, sido investigadas.
DO PEDIDO
Face á esse quadro de impunidade ambiental, REQUEREMOS:
1-Quanto ao TAC de 2005, que o MP-RJ denuncie o TAC do antigo Lixão do Morro do Céu visando torná-lo sem efeito (por sua caducidade), já que esse é o instrumento que tem justificado a manutenção da licença fraudulenta do INEA-RJ para que a ETE Icaraí continue a receber chorume, conforme proposto há poucos meses numa reunião virtual com o Promotor de Justiça Luciano Oliveira Mattos de Souza;
2-Que, finalmente, o MP-RJ através da coordenação do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA) e da atuação articulação e integração das diversas Promotorias de Meio Ambiente, determine a criação de uma força tarefa, inclusive se possível com a participação do MP Federal, para atuar de forma célere e efetiva sobre os diversos passivos ambientais formados por lixões ditos “desativados” que tem vazado grande volume de chorume diariamente para o meio ambiente e corpos hídricos; assim como para exigir a apresentação deum Cronograma de instalação de sistemas de tratamento de chorume eficientes por parte dos aterros sanitários em funcionamento no Estado do Rio de Janeiro.
Na certeza de contar com a Vossa pronta atuação nos despedimos, desejando votos de elevada estima e consideração.
Atenciosamente,
Pede Deferimento,
Sérgio Ricardo
Movimento Baía Viva
SÉRGIO RICARDO VERDE – Ecologista, membro fundador do movimento BAÍA VIVA, gestor e planejador ambiental, produtor cultural, engajado nas causas ecológicas e sociais, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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