Por Cid Benjamin –
Pode-se medir o grau de civilização de uma dada sociedade pela forma como ela trata seus segmentos mais indefesos: idosos, crianças, doentes mentais, presos.
Vamos, então, imaginar a situação de um trabalhador que, depois de 35 anos de trabalho regular, tendo comprovado que contribuiu religiosamente com a Previdência Social, cumprindo com sua parte no contrato com o Governo, deu entrada no pedido de aposentadoria e fica, por meses ou mais de um ano, esperando que seu direito seja reconhecido.
Imaginemos mais: que não estamos diante do caso de apenas um trabalhador, mas de mais um milhão de pessoas nessa situação. Afinal, só em dezembro do ano passado, 732.987 pessoas entraram com pedido para que seus direitos fossem atendidos pelo INSS. E em janeiro, foram 815.099, somando-se aos que já estavam esperando.
Indo adiante, imaginemos que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e do Ministério da Previdência Social, a fila de espera no INSS tenha tido um aumento de 13% em janeiro em relação a dezembro do ano passado. Sim, em janeiro havia 1,23 milhão de pedidos parados há mais de 45 dias, enquanto em dezembro eles eram 1,08 milhão.
Há mais: além das aposentadorias estão paradas também as análises de auxílio-maternidade e licença por acidente de trabalho. Isso, sem falar nos muito miseráveis, que aguardam o Benefício de Prestação Continuada (BPC), inscrito na Constituição.
Matéria recente da revista “Exame” afirma, baseada em números oficiais, que há 1,8 milhão de trabalhadores na fila, aguardando uma decisão sobre o pedido que fizeram para receber os direitos a que fazem jus.
Imaginemos, ainda, que o ministro Carlos Lupi, afirme – como fez em recente entrevista à GloboNews – que o governo vai trabalhar para diminuir a fila de segurados à espera de liberação de benefícios, mas não tinha como estabelecer um prazo para a situação estar normalizada. E, pior, admita que a fila não vai acabar até o fim deste ano. “Fila não se resolve do dia para noite (…). Meu prazo é de racionalidade e razoabilidade”, afirmou.
Como “racionalidade” e “razoabilidade” não botam comida na mesa, é preciso buscar uma solução para o problema.
O INSS e o Ministério da Previdência argumentam que há uma falta crônica de servidores, pois há tempos não são realizados concursos públicos para repor as vagas abertas com aposentadoria de funcionários e o aumento natural da demanda. E – como era de se esperar – o quadro piorou sensivelmente nos governos Michel Temer e Bolsonaro.
A solução apontada por Lupi é o pagamento de um bônus para que servidores do INSS façam horas extras, a partir deste mês, para tentar diminuir as filas. Francamente, é óbvio que isso não resolve uma fila de 1,8 milhões de pessoas. É não ver a gravidade do problema.
De acordo com o Regulamento da Previdência Social, no Decreto nº 3.048/1999, o prazo do INSS para análise de concessão de benefício é de 45 dias. Mas, devido às crescentes filas, em 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF) fez a homologação de um acordo entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), flexibilizando esse tempo. Pelo acordo, os prazos podem variar conforme a espécie e o grau de complexidade do benefício, desde que não ultrapassem 90 dias.
Desconsiderando solenemente a determinação do Supremo, fato é que o INSS está deixando pessoas esperando há mais de um ano.
Diante disso, ou se busca uma solução emergencial, ou o ministro e o governo, de tabela, estarão passando dois atestados: um de insensibilidade e outro de incompetência.
O colega e amigo Álvaro Nascimento, que me alertou para o problema e sugeriu a redação deste artigo, tem uma proposta que está tentando fazer chegar às mãos de Lupi esta semana e que me parece bastante razoável: que todos os pedidos que tenham mais de 90 dias (o prazo determinado pelo STF) sem qualquer manifestação do INSS sejam automaticamente concedidos. Isso não impede o órgão siga analisando cada um deles e se eventualmente descobrir alguma inconsistência, necessidade de comprovação de documentos ou constate fraude na solicitação, suspenda o pagamento, processe o beneficiário e corra atrás do prejuízo.
Com certeza, isso não afetará mais do que 1 ou 2% do conjunto de solicitações. O que não pode ocorrer é 98 a 99% dos contribuintes da Previdência ficarem meses e meses à espera de um benefício estabelecido em contrato enquanto a Previdência Social diz em seu site, laconicamente, que o seu processo “está em análise”.
É bom que o governo Lula abra os olhos para essa situação.
***
AGENDA
https://www.oabrj.org.br/eventos/juizes-perseguidos-estado-direito
CID BENJAMIN foi líder estudantil nos movimentos de 1968, participou da resistência armada à ditadura e foi dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Libertado em troca do embaixador alemão, sequestrado pela guerrilha, passou quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil em 1979, foi fundador e dirigente do PT e, depois, participou da criação do PSOL. É jornalista, professor e autor dos livros “Hélio Luz, um xerife de esquerda” (Relume Dumará, 1998), “Gracias a la vida” (José Olympio, 2014) e “Reflexões rebeldes” (José Olympio, 2016). Organizou, ainda, a coletânea “Meio século de 68 – Barricadas, história e política” (Mauad, 2018), juntamente com Felipe Demier.
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