Por Siro Darlan e Silvana do Monte Moreira –

Série Especial: ADOÇÕES – Parte XIV.

Em 2014 o CNJ Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento n 36 que, resumidamente, em seu Art. 1o, determinou às Presidências dos Tribunais de Justiça que promovesse, no prazo de 90 (noventa) dias, estudos destinados a equipar comarcas e foros regionais que atendem mais de 100.000 habitantes, com varas de competência exclusiva em matéria de infância e juventude, encaminhando o resultado para esta Corregedoria Nacional de Justiça no prazo assinalado. Essas varas, por sua vez, deveriam ter 1 psicólogo, 1 assistente social e 1 pedagogo para cada 100 mil habitantes. Em 2021, sem que os tribunais de justiça cumprissem a determinação, foi lançado o Provimento n 116 que muda a redação de determinação para recomendação, além de alterar de 100 para 200 mil habitantes.

Interessante termos que ter provimentos para fazer cumprir a lei, eis que a prioridade absoluta é princípio constitucional inserto no artigo 227 da Constituição Federal. Prioridade absoluta que, obrigatoriamente, tem que ser observada pelo judiciário, o que, lamentavelmente não ocorre. Esse desprezo pela infância – que não é economicamente ativa e não vota – contribui para a invisibilidade de crianças e adolescentes que, enquanto o decurso inexorável do tempo rouba-lhes a infância, tornam-se filhos do Estado.

Enquanto lutamos para que as varas da infância e juventude tenham competência exclusiva; enquanto buscamos que equipes Inter profissionais sejam contratadas, nossas crianças perdem o direito de serem chamados de filhos e filhas.

Nossa Carta Magna em seu artigo 227 determina o princípio da prioridade absoluta no interesse superior das crianças e adolescentes, mas os tribunais não pensam nem respeitam tais princípios, infelizmente. Enquanto isso as crianças são as maiores vítimas da violência, do descaso, do desrespeito e das mortes em nosso país.

Vamos aos depoimentos daqueles que se salvaram desse determinismo da má administração da justiça no Brasil.

1. VERÔNICA EDUARDA

Meu nome é Verônica Eduarda e eu tenho 12 anos. Fui adotada pelos meus pais através da busca ativa. Eu morava no Paraná e agora moro em Brasília. Eles viram o meu vídeo com meu irmão e se apaixonaram pela gente.

Quando meus pais foram ao abrigo, eu sabia que eles seriam ótimos pais para mim e para o meu irmão.

No início foi um pouco difícil, mas eles davam muito amor pra gente e foi um pouco difícil também chamar o eles de pai e de mãe, mas daí eu conseguir e fico chamando a minha mãe o dia todo.

O meu irmão mais novo não quis ficar com a gente, meus pais tentaram de tudo e os psicólogos também. Foi um pouco difícil pra mim, mas ninguém pode obrigar ele a ficar né.

Eu deixei meus 5 irmãos (a), eles moram longe de mim, mas o importante é que eles estão felizes porque eu conseguir ser adotada. Eu tinha muito medo de não ser adotada porque eu já tinha 11 anos.

A minha família de hoje é muito grande e divertida, melhor do que a minha família de sangue.

A minha mãe é a melhor mãe do mundo, ela briga comigo, mas eu sei que é para o meu bem, eu amo muito ela e o meu pai também.

O meu pai é muito brincalhão eu amo ele muito. Eu estou muito feliz por eles terem me adotado.

Eles são meu mundo e meus amores.

Ter sido adotada mudou minha vida, agora eu posso esquecer o passado e seguir em frente para uma nova vida.

2. MARIA EDUARDA

Maria Eduarda nasceu pra nós aos 6 meses de idade, mas a história dela é nossa espera por sua chegada começou bem antes…

Demos entrada no processo de habilitação em setembro de 2013, fomos habilitados em outubro de 2015 devido à pouca quantidade de agentes da equipe técnica do fórum.

Alguns diriam que foi muito tempo, nós dissemos isso na época, mas foi o tempo certo para conhecermos o universo da adoção, as crianças reais e com isso abrirmos nosso perfil.

No mesmo mês que nos habilitamos nossa filha nasceu e nós nem fazíamos ideia…

Maria Eduarda nasceu de um parto difícil, com genitora embriagada que fora encaminhada à maternidade pelo SAMUR pois estava em um bar passando mal.

Estava bolsa rota de quase 1 semana, bebê em sofrimento.

Nossa pequena nasceu com 30 semanas, prematura extrema, pesando 610g.

Além da prematuridade e baixíssimo peso, também tinha baixa estatura e feições diferentes de um bebê típico.

Ela foi deixada na maternidade pela genitora sem nunca ter recebido uma visita.

Ficou 3 meses na UTI neo Natal até ser abrigada.

Maria Eduarda tinha a suspeita de uma síndrome pouco conhecida, SAF (síndrome do álcool fetal). Mais tarde, aos 8 meses fechamos diagnóstico exatamente nessa síndrome.

Duda, como a chamamos, chegou pra nós com muitos nãos, muitas incertezas, muitos “isso talvez ela não faça”.

Tínhamos motivos de sobra, pelo que falavam, para não trazer nossa filha pra casa, mas já era nossa filha desde o primeiro olhar e jamais a deixaríamos no abrigo.

Trouxemos Duda para casa no dia do nosso primeiro encontro, 12/04/16 e essa foi a decisão mais acertada de nossas vidas.

3. DANIEL

Quando você foi adotado? 19/09/2008.

Qual a sua idade hoje? 14 anos.

Qual sua idade quando foi adotado(a)? 1 ano e 2 meses.

Porque estava acolhido? Eu fui acolhido pois minha mãe estava doente e veio a falecer e meu pai tinha se separado dela e por motivos financeiros ele não pode ficar comigo.

Como é a sua família? Minha família é perfeita. Tenho 2 mães, uma irmã (ela chegou em agosto de 2015) e um irmão/pai. Na verdade, ele é afilhado de uma das minhas mães e me batizou. Eu o chamo de pai. E ele chama minhas mães de mãe também.

O que você entende que mudou na sua vida com a adoção? Mudou tudo na minha vida! Pois com a adoção eu pude receber novas oportunidades e também ganhei uma família espetacular.

Escreva sobre você hoje, quem é você e o que a adoção representa na sua vida. Me chamo Daniel tenho 14 anos, estudo no Colégio Matriz Educação, moro em Bangu, gosto de jogar bola e lutar judô. Penso no futuro virar jogador de futebol ou ser militar, sou muito feliz com a família que eu tenho.

Amo todos eles!

Leia também:

Dia 11 estreia a série “Adoções”

ADOÇÕES I – Família Harrad Reis

ADOÇÕES II – Do direito à convivência familiar e comunitária

ADOÇÕES III – Obrigações de cuidado

ADOÇÕES IV – Condições para adoção

ADOÇÕES V – O processo de adoção

ADOÇÕES VI – Cadastro Nacional de Adoção

ADOÇÕES VII – Adoção no Brasil

ADOÇÕES VIII – Adoções Internacionais

ADOÇÕES IX – Adoção Internacional

ADOÇÕES X – Famílias

ADOÇÕES XI – Os Grupos de Apoio à Adoção

ADOÇÕES XII – Prioridade absoluta 

ADOÇÕES XIII – Grupos de Apoio á Adoção

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ. siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com

SILVANA DO MONTE MOREIRA – Advogada, militante da Adoção Legal, mãe sem adjetivos. Presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/RJ (2016/2018, 2019/2021), coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II, membro fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Representante para o estado do Rio de Janeiro da Associação Brasileira Criança Feliz, dentre outras atividades que desempenha. @silvanamonteadv


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