Por Lincoln Penna

Em homenagem à Olga Amélia Telles, militante da justa causa das mulheres.

As mulheres de meu tempo de adolescente diferiam muito das mulheres de hoje, passados mais de seis décadas, salvo no que diz respeito a sua condição de sujeição imposto pelo mando masculino.

Lembro que na casa de meu avô materno, quando ele recebia a visita de alguns casais, os homens se reuniam entre si porque tinham de tratar de “assuntos sérios”. Às mulheres, restava a conversa amena sobre as suas ocupações domésticas.

Esse retrato sucinto das relações sociais mudou de uns tempos para cá, porém nem tanto. As principais mudanças decorreram do ingresso das mulheres no mercado de trabalho nessas últimas décadas, até então praticamente reservado aos homens, exceção feita para os encargos mais desqualificados do ponto de vista da formação técnica e educacional.

Tela “A redenção de Cam” do pintor espanhol naturalizado brasileiro Modesto Brocos (1852-1936)

Dos serviços domésticos prestados pelas mulheres, eu pude conviver com dois casos desde a minha tenra idade, isto porque tive uma ama-de-leite, a Odete, que tivera uma filha, a minha irmã-de-leite, Maria Helena. Odete era alegre, sua risada irradiava o ambiente onde estivesse. Ajudou-me ainda a tratar de uma pneumonia da qual sarei por conta da chegada da penicilina trazida por um diplomata que servia nos EUA.

O outro caso, ou melhor, a outra mulher extraordinária, a Geraldina, dos grotões das Minas Gerais, era a cozinheira encarregada dos quitutes deliciosos. Seus “causos” eu os ouvia ao mesmo tempo em que ela fazia longas pausas para dar as baforadas em seu cachimbo, admirado por mim diante daquela cena jamais esquecida. E em ambas, apesar do batente duro sem hora para finalizar suas ocupações, destilavam o bom-humor de quem se julgava ainda devedoras do abrigo nas casas de seus patrões.

No fundo, todos nós pertencentes ao patronato doméstico naturalizávamos aquela situação. Eram pessoas que mesmo sendo remuneradas, embora sem direitos legais, se achavam gratas pelo simples acolhimento nessas casas de uma classe média, em geral, convencida de que prestavam um grande favor a essas empregadas domésticas.

O direito das mulheres em votar e serem votadas não alterou substancialmente a condição de subalternidade nas nossas relações sociais. A condição feminina era, então, como de certa forma até hoje, vista com desdém e forte preconceito. Basta citar uma situação comum nos meus tempos de juventude, ainda recorrendo a minha memória. Refiro-me às mulheres separadas dos maridos ou desquitadas, pois não existia ainda o divórcio, e muito menos os direitos reconhecidos hoje em lei.

Em 1977, senador Nelson Carneiro recebe apoio a projeto sobre divórcio. (Fonte: Agência Senado)

Eram raros os casos em que as mulheres separadas eram vistas como uma prostituta em potencial. A vida social dessas mulheres tornava-se quase impraticável uma vez que as mulheres “bem casadas” as tinham como perigosas atrações para seus maridos, que também não escondiam suas constantes insinuações junto as que teriam sido, como se dizia, “abandonadas” pelos maridos.

Os direitos das mulheres, representados hoje pelos movimentos que se estendem mundo afora é coisa relativamente recente em termos de fortes pressões sobre os poderes públicos. Mas, é salutar tomar conhecimento da composição do atual governo do Chile, com cerca de 50% de seu ministério ocupado por mulheres. O mesmo acontece com o governo do presidente Lula, cuja presença feminina não somente não é desprezível, ao contrário, como está representada por um grupo forte de mulheres emponderadas e decididas por isso mesmo a alavancar mais ainda a presença feminina nas esferas, tanto dos poderes públicos quanto das empresas privadas.

Hoje em dia praticamente todos os movimentos sociais destinam em suas pautas e em seus corpos organizacionais um espaço para as demandas específicas das mulheres em sua brava luta por direitos que em alguns casos permanecem sonegados. Da mesma forma que a direção dessas entidades voltadas para a ampliação dos direitos sociais já se encontram entregues a mulheres em sua direção, fato auspicioso e que enseja o fortalecimento das lutas sociais pela democracia e justiça social.

Ao se aproximar mais um Dia Internacional das Mulheres, nesta data de 8 de março, fica a convocação para que homens, mulheres e as várias representações de gênero permaneçam na luta por novas conquistas sociais e políticas.

Só dessa maneira, poderemos verdadeiramente fincar as bases do Estado Democrático de Direito, sem o que não poderemos estar falando em democracia.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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