Por Ricardo Cravo Albin –
“Ao final da pandemia da Gripe Espanhola há um século, todos foram às ruas em festejos impensados. A segunda onda, semanas depois, foi muito mais letal que a primeira.” (Margareth Dalcolmo in prefácio do Livro “Pandemia e Pandemônio”)
Voltando ontem de Maceió, onde palestrei no Museu da Imagem e do Som de Alagoas sobre uma continuada paixão, a importância das bandinhas de música dos coretos no Brasil. Sentei-me ao lado de jovem médico (identificado de imediato pela pasta aberta depois da decolagem, de onde sacou pequena garrafa de água). Dirigiu-se a mim simpaticamente identificando-se como infectologista: “vou ter que bebericar alguns goles d’água razão por me ver obrigado a despojar-me do mais essencial que carrego no corpo, a máscara.” Foi a senha para acender meu entusiasmo e iniciar um papo revelador.
A primeira observação do cientista já me encantou – “veja como uma sabedoria intuitiva a pretexto de economia mesquinha foi providencial, os serviços de comes e bebes na maioria dos aviões em viagens curtas cessaram. Isso, ou seja, a subtração do uso de máscaras dessa multidão concentrada poupou milhares de infecções. Aliás, os restaurantes e bares deveriam ser confinados com mais rigor porque são ambientes fechados onde todos retiram suas máscaras. Isso, aliás, foi uma tese de Congresso em Harvard sobre repercussões da Covid de que acabei de participar, pouco antes de chegar ao Brasil. Onde estou agora para relatar a um grupo de colegas da Universidade sobre a evolução da pandemia por aqui.” A partir daí meu interlocutor providencial me transferiu conhecimentos preciosos.
Começou por observar o gigantesco prejuízo sanitário imposto por Trump em relação à pandemia, razão dos picos em vários estados do país, sem contar o desprezo e ironia em relação à vacinação em massa, sobretudo nos menores de idade. Em seguida aduziu o mais grave, o aumento nesses dias de infectados em países ricos da Europa, onde, com a doença controlada, medidas de restrição foram abolidas. O que, segundo ele e seu grupo de Harvard está causando extremo desconforto, indicando que a ciência está perplexa, sem saber lidar com uma doença que promete convivência hoje ilimitada e tragédias continuadas nas falências dos hospitais, sobretudo em países pobres.
E aí ele cita o Brasil, exemplificando, com repugnância visível, os episódios ocorridos no Estado do Amazonas.
Logo acrescentou aquilo que mais temia, apesar da redução das infecções e mortes proporcionadas por vacinas produzidas em tempo recorde. Com todas as letras, ouvi que o grupo liderado por Harvard converge por A mais B com a OMS ao reconhecer que a Covid não cessará. Fica endêmica e não desaparecerá de nosso cotidiano por tempo ainda (meu Deus!) indeterminado. E aí as situações se afunilam, especialmente quando as equações incidem sobre os países mais pobres, que ainda pagarão preços altíssimos em abandono e mortes. A Alemanha, o país mais rico da Europa, elogiada por manter a doença sob controle no auge da crise, agora se surpreende com os números de vítimas a dispararem. Semana passada o país informou ao mundo ter registrado a maior quantidade de infecções diárias, 50.196, rompendo pela primeira vez desde 2020 a marca de 50 mil. E isso, anotou meu interlocutor com a voz um tanto emocionada, com quase 70% dos alemães completamente imunizados, enquanto o Brasil tem apenas 58% de sua população.
De fato, a vacinação tem proporcionado benefícios animadores, sobretudo em relação aos óbitos e internações. A Holanda foi há pouco o primeiro país rico a retornar as medidas de restrição. O benefício de medidas extremas, como o fechamento total de cidades fica hoje na gangorra dos efeitos políticos, e dos prejuízos econômicos. A China, onde a opinião estatal se sobrepõe às individualidades, é o país exceção que ainda mantém políticas de confinamento total.
Já por aqui, governadores, prefeitos e o presidente da república, têm acelerado a flexibilização diante dos resultados positivos da vacinação. Não só porque o custo político no ano eleitoral já às portas indica procedimentos menos rigorosos, mas pela saturação da população. Embora pouco se sabendo das estruturas estratégicas da pandemia, e suas terríveis variantes, o Brasil carece – isso será fundamental e meu vizinho de cadeira se declarou preocupado com a transição para uma não ainda admitida normalidade. Que jamais será a mesma. Todos os cientistas, inclusive meu interlocutor binacional de Harvard e da OMS, não têm quaisquer pudores em afirmar o que ninguém quer ouvir: o fim da pandemia jamais existirá!
Um amigo meu, melômano e fã da MPB, ao ouvir isso de mim soltou a voz e cantou com certa fúria a canção “Nada será como antes” de Milton Nascimento: “Que notícia me dão dos amigos/Que notícias me dão de você/Amanhã ou depois de amanhã/ Resistindo na boca da noite um gosto de sol”.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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