Por Bolivar Meirelles

Aguçada a fome e a miséria. Novembro de 2021. Furtar para comer, dar comida a filhos. Punições, punições… prisões. Furtou para comer. Claro que, assistência jurídica a quem furta?… Impossível! Terrível contingência.

Furtar ou morrer.

Assistir a morte de seus pequeninos filhos. Contadores, contadoras, advogados e advogadas tributaristas…”Ivos Gandras da vida!”, acordem insensíveis maus perceptores da “realidade concreta”. Ipanema, Leblon…mendigos mendigando…pedintes, três a quatro, dividindo as quadras da Rua Visconde de Pirajá em Ipanema; dividindo as quadras da Rua Ataulfo de Paiva no Leblon; no Centro da Cidade. Mal dormidas de mendigos, mal alimentados, mal dormidos, mulheres, homens, crianças, leais cães, juntos na dor e na tristeza. Furtar um pão?… Sobrevida continuando com a falta protéica, um copo de leite, uma fruta…qualquer base alimentar. Mãe e filhos, filhas, perambulando nas ruas do Rio de Janeiro. Trôpegos, pernas fracas, pés calejados em um andar sem rumo. Ir sem ir. Destino sem destino. Barriga vazia. Mãos trêmulas. Ser sem ser. Perambula num perambular sem sentido. “Vivos mortos a vagar na Terra”. Uma fruta, à frente de uma barriga vazia. Um filho no colo, peito vazio de leite. Maçã, banana… laranja…o que for. Mãe trôpega, mãos tremendo, pega a fruta. Mecanismos policiais, por vezes privados, seguram, com firmeza, a mão trêmula dessa desvairada mãe ou qualquer pessoa famélica. Presa, furto. A criança? A quem entregar?…mais um cão a vagar. Justiça, como chegar lá? Paupérrimo nem sabe os caminhos de seus direitos.

Infelizes, injustiçadas criaturas.

Grande empresário, as mesas fartas, nada em falta, sempre bem alimentado, bem servido. Boas taxas proteicas. Alguma indigestão, por excesso alimentar, naturalmente. “Pobre morre de inanição, rico de indigestão”. Péssima distribuição dos recursos socialmente produzidos. Sempre a produção social. No capitalismo, apropriação individual. Tortuosos caminhos. O rico, o milionário. Imposto de renda. Problema,…(como esconder o excesso de renda?). Que drama de quem tem muito!? Contadores, advogados tributaristas. Profissionais especializados em esconder os “roubos legais”. Ajustam as sonegações às leis burguesas. Leis protetoras do grande capital. Professoras e professores do ensino básico pagando mais imposto de renda do que empresários. Absurdo! Verdade no entanto. O mesmo teto de imposto de renda. Mendigos presos por pequeno furto. Uma calhorda técnica, legislações burguesas, capitalistas, grandes profissionais liberais. Rendas escondidas e os pequenos furtos por famélicos, famélicas, crianças com fome, expostos, “à luz do dia”. Prisões aos pobres. Liberdade aos ricos, escondedores de rendas. O povo caminha, para manter a dignidade, a ter de “assaltar”. A forma não sei. Morrer de fome e miséria, falta de emprego, de colégio público, creches necessárias? Ninguém vai morrer de fome.

Furtar passa a ser ação de dignidade humana frente aos desvios de renda dos mais ricos.

BOLIVAR MARINHO SOARES DE MEIRELLES – General de Brigada Reformado, Cientista Social, Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, Mestre em Administração Pública, Doutor em Ciências em Engenharia de Produção, Pós Doutor em História Política, Presidente da Casa da América Latina.


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