Por Siro Darlan –
Maquiavel, em sua magnífica lição sobre a arte da política afirmava: “Como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão!”
Passados os anos de chumbo da ditadura empresarial militar, tivemos um pequeno suspiro de democracia até voltar os anos de ódio que dividiu nossa nação entre a sociedade da mentira e da enganação, que utiliza do ódio para combater os inimigos e os democratas. Esses últimos mais ingênuos porque acreditam na força da lei estão conhecendo novas formas de fazer política como as fake news e o lawfare. E então voltamos ao Mestre Maquiavel quando diz que: “É fácil persuadir o povo de algo, difícil é manter essa persuasão”.
O professor, cientista político e desembargador João Batista Damasceno abordou em sua coluna Resistência Lírica os políticos fazendo uso de propaganda eleitoral fora de época a pretexto de fiscalização e denúncia de “irregularidades”. Esse fato ocorreu com o vereador e ex-PM bolsonarista Gabriel Monteiro (PSD-RJ) invadiu armado a UPA de Magalhães Bastos, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, na madrugada desta sexta-feira (12), ameaçou e acordou médicos que estavam na sua hora de folga.
O Ministério Público investiga se o vereador cometeu crime de abuso de autoridade por essa e várias visitas semelhantes. Na ocasião dois médicos estavam de plantão na unidade quando o vereador, que estava acompanhado de sua equipe, invadiu a unidade. Um deles disse que o vereador e seus seguranças estavam armados, e que ameaçaram os profissionais.
“Eu fui tirar a minha hora de descanso quando fomos abordados, batendo, batendo na cama, no quarto dos enfermeiros, com uma total falta de respeito. Nunca imaginei que ia ser acordado por pessoas armadas do meu lado”, contou o médico, que não quis ser identificado, por telefone.
Segundo o Desembargador João Batista Damasceno: “A onda desrespeitosa, midiática e visando a propaganda eleitoral seguiu para outros ramos de atividade: escolas, universidades, hospitais psiquiátricos, repartições públicas, abrigos, aldeamento indígena e moradias coletivas. O “pé na porta do barraco”, praticado rotineiramente por agentes do Estado em favelas e periferia, onde o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio é letra morta, tem levado vereadores e deputados a se comportarem com igual desrespeito em relação a cidadãos usuários dos serviços públicos e aos servidores que prestam os serviços.
A pretexto de exercer seus mandatos, não faltam parlamentares, em ação midiática caracterizadora de propaganda eleitoral extemporânea, expondo indevidamente, em suas redes sociais, imagens captadas sem autorização. Alguns chegam a se vestir, juntamente com seus assessores e seguranças, como se fossem uma ‘milícia fardada’ ou grupamento paramilitar, em violação à Constituição que veda o uso de uniforme por grupos políticos”.
O Professor e escritor Eduardo Banks afirma em sua observação: “Ele, mesmo sendo vereador, NÃO PODE entrar nas dependências de um hospital que servem de DORMITÓRIO a médicos e enfermeiros, porque se tratam de COMPARTIMENTOS HABITADOS, fora do uso comum, e protegidos como DOMICÍLIO. O vereador entrar no alojamento de um hospital público está fazendo o mesmo que se invadisse a casa de um cidadão sem ordem judicial, e pode responder tanto sob a rubrica do artigo 150 do Código Penal, quanto por ABUSO DE AUTORIDADE, ante o artigo 22 da Lei nº. 13.869/2019”.
E complementa, com grande percuciência: “Ouso divergir; o “abuso de autoridade eleitoral” é aquele do artigo 298 do Código Eleitoral, que se consiste em “prender eleitor”; estou vendo o artigo 22 da Lei nº. 13.869/2019, que trata da mesma conduta do artigo 150 do Código Penal, só que praticada por funcionário público no exercício de suas funções. Não está o vereador praticando ato de seu mandato ao “fiscalizar” o interior de um hospital municipal? Sim, é ato relativo ao exercício do mandato, mas ele não pode “fiscalizar” os QUARTOS onde os médicos e enfermeiros DORMEM, sem ordem judicial, porque mesmo localizados em um “próprio municipal”, são COMPARTIMENTOS HABITADOS, NÃO ABERTOS AO PÚBLICO”.
A consequência da condenação com base em qualquer dos crimes da Lei nº. 13.869/2019 é a “perda do cargo, do mandato ou da função pública” (artigo 4º., inciso III). Se falar que é “motivação eleitoreira”, corre o risco de cair em um subjetivismo, e a defesa dele explorar isso. Melhor enquadrá-lo no artigo 22 e seus parágrafos da Lei de Abuso de Autoridade, que não depende de outro elemento subjetivo do injusto além da própria Esta não foi a primeira vez. Com a justificativa de fiscalizar o poder público, Gabriel Monteiro passou a se utilizar do mandato para invadir unidades públicas de saúde. Uma delas foi a Coordenação de Emergência Regional do Leblon, na Zona Sul.
No dia 26 de março, Gabriel invadiu a unidade sem autorização da direção, entrou na área específica para internados com Covid-19 e utilizou equipamentos sem higienização, como o celular, acompanhado de assessores.
Em um ofício do Conselho Regional De Medicina enviado à Câmara, os profissionais da CER Leblon afirmaram que o vereador entrou em uma unidade destinada a pacientes com covid-19, com 20 pacientes em ventilação mecânica, dependendo de altíssimo cuidado e vigilância, sem respeitar normas sanitárias.
Ele esteve também no hospital Albert Schweitzer, em Realengo, administrado pela Organização Social Cruz Vermelha, no dia 7 de abril.
O vereador Gabriel Monteiro disse que não houve ameaça e nem constrangimento a nenhum profissional da UPA, e afirmou que recebeu várias denúncias sobre profissionais dormindo durante o serviço na unidade.
A Secretaria Municipal de Saúde afirmou que quando o vereador chegou na unidade, não havia pacientes pra serem atendidos na sala de espera, e que o médico estava no seu horário de descanso, podendo ser acionado a qualquer momento, caso algum paciente desse entrada na UPA vontade de agir de modo arbitrário e violento”.
Por fim, conclui o desembargador Damasceno: “A indevida atividade de parlamentar, sem expressa atribuição da Casa a que pertença, ameaçando funcionários, filmando e expondo a imagem de pessoas e se manifestando com falta de urbanidade, caracteriza crime, improbidade administrativa, falta de decoro parlamentar e ilícito eleitoral. A propaganda eleitoral fora de época enseja a reprimenda da Justiça Eleitoral. Uma das consequências é o indeferimento de candidatura futura.
A mesma Constituição que atribui poderes aos agentes políticos do Poder Legislativo para a fiscalização dos atos da administração os delimita, assegura a todos o direito à honra, à imagem, a inviolabilidade do domicílio e a liberdade de exercício profissional, bem como veda tratamento degradante e humilhante. Os agentes públicos, inclusive os parlamentares, estão sujeitos a conjunto de deveres esculpidos na ordem jurídica e podem ser apenados por suas ilicitudes”.
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SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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