Por Lincoln Penna –

Nada no mundo é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo já chegou. (Victor Hugo)

Há 134 anos foi implantado o regime republicano no Brasil. De lá para cá, a República não tem sido senão um nome fantasia, cujo princípio ativo jamais tornou-se realidade, salvo em esporádicos momentos de nossa história e mesmo assim discutíveis.

A República como sugere o seu vocábulo, ou seja, o regime da coisa pública, não logrou senão a simpatia dos mais genuínos adeptos de um regime da austeridade no trato dos bens públicos, cujo sentido se encontra na mais profunda aversão à corrupção e aos desvios dos bens de todos e especialmente no que se refere à gestão pública, não pode ser objeto de permanentes suspeições desde a sua mais remota instalação. Historicamente surgida em oposição aos regimes nobiliárquicos, o ideário republicano foi pouco a pouco ganhando a adesão de indivíduos que criam no poder decisório do povo.

Ao trazer consigo os vícios e males de um passado colonial e neocolonial pleno de favores aos bem-nascidos, grandes proprietários de terras e herdeiros dos tempos da escravocracia, a República que herdamos é uma fraude, para dizer o mais simples e rasteiro sentido no que respeita ao que tem sido desde a sua fundação. Se esta realidade nos agride quando nos encontramos frente a frente ao balanço de sua existência, só nos resta tomar conhecimento dos fatos que nos levaram até essa triste realidade.

“Proclamação da República”, 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853-1927). Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo (SP)

Daí, a importância de se recorrer à história para que entendamos as razões que nos levaram a essa realidade cada vez mais entristecedora. Assim, a exclusão social prima-irmã das injustiças sociais que atravessam a nossa trajetória como país responsável pela desigualdade social cada vez mais acentuada, a despeito das riquezas que aqui foram e tem sido produzidas mercê do trabalho de homens e mulheres, é uma realidade a ser conhecida com vistas a sua superação. Esta tarefa de superação das amarras a entravarem o fluxo da vontade geral tem sido o mote para as grandes transformações.

Presentemente, estamos diante da multiplicação de “repúblicas marginais” a ocuparem territórios nas principais metrópoles do país e sob o controle de agrupamentos milicianos, geralmente egressos alguns deles das forças de segurança do estado, quando não ex-servidores públicos em conluio com esses marginais.

Tudo isso é sabido pela opinião pública, que sistematicamente acompanha as ações criminosas e delituosas a agredirem a sociedade política e civil.

Numa economia de mercado sujeita a interferência permanente do poder econômico cuja matriz já não tem bandeira, dada a internacionalização do capital, é uma realidade que agride primeiramente a soberania nacional colocada de lado em favor dos grandes e lucrativos negócios. Diante desse quadro é assustador a ausência de uma política de estado, ou de um projeto nacional de média e longa duração objetivando traçar uma programação que venha a contemplar o interesse nacional. O que se passa é a visão de curto prazo de modo a beneficiar um ou mais mandatos de gestão de governos somente interessados em seus objetivos políticos paroquiais.

Chegou a hora de haver um contraponto a essa situação que vem de tempos em tempos priorizando interesses particulares nada republicanos, de maneira a acomodar pautas específicas que não contemplam necessariamente o interesse nacional. É uma realidade que não agride apenas a existência da República centenária em vigor, mas a própria sociedade nacional, esgarçando-a e violentando-a sem cessar.

Manifestação em Brasília. (Reprodução/Twitter/George Marques)

Nesse cenário, cabe um papel decisivo das instituições políticas republicanas, bem como das Forças Armadas, que integram o corpo garantidor da República e que se encontra umbilicalmente vinculadas a sua existência, que unificadamente e cada qual de acordo com os seus misteres concorrer para o fortalecimento do regime que inspirou os mais ardorosos defensores de uma sociedade política inclusiva e solidária. Este dado histórico, no entanto, não significa que os militares tenham o condão de monitorar os rumos do regime republicano, interpretação equivocada e que ainda assim tem sido evocada por interesses que não consultam os legítimos ideias republicanos.

Mas, cabe sobretudo à cidadania consciente, organizada e mobilizada, o dever de pôr em prática o exercício da cidadania, própria de uma verdadeira República, sem o que inviabilizaremos a República e objetivamente a sociedade nacional brasileira.

Trata-se de uma tarefa política que depende da capacidade de cada um de nós convencidos de que não devemos esperar a chegada de um vulto salvacionista, pois os exemplos passados demonstraram a ruína que pode aprofundar ainda mais as muitas sequelas e mazelas que acumulamos ao longo de nossa existência nacional.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

Tribuna recomenda!