Por João Batista Damasceno

A eleição na ABI marcada para o próximo dia 29/04 polariza forças progressistas. A discussão entre partidários das chapas, por vezes, tem descambado para a incivilidade e ofensas pessoais. Nada que não seja comum em processos eleitorais. O eleitoralismo promove alteração emocional em parcela dos corpos eleitorais no Brasil e se funda na cordialidade que nos caracteriza.

A polarização da eleição da ABI não se fundamenta no espectro ideológico, uma vez que ambas as chapas inscritas se situam no campo progressista. O conflito se estabelece no campo da concepção do que seja a ABI e nos programas das chapas.

Retomando a atuação histórica da ABI a atual diretoria teve a competência para recolocá-la no papel de protagonista na vida política nacional. Dentre as várias atuações destacam-se a ampla interlocução com a sociedade civil e com as instituições; os peticionamentos por impeachment do Presidente da República e alguns dos seus ministros, por crimes de responsabilidade; peticionamento ao relator para a independência judicial da ONU alusivo a extemporâneo indulto individual concedido a criminoso pelo Presidente da República; designação pelo Presidente Pagê de associado para atuação junto ao Tribunal Superior Eleitoral/TSE como observador do processo eleitoral e partícipe em grupo que analisa as fake News, além de outras importante atuações da entidade.

Mas das discussões estabelecidas durante o processo eleitoral sobre o papel da ABI ouvi de alguns associados que deve atuar como um sindicato, para outros como uma entidade fiscalizatória do exercício profissional, para alguns como entidade cultural e há os que a querem como entidade recreativa ou assistencial aos profissionais de comunicação.

A ABI não é uma entidade sindical, embora possa defender os interesses dos profissionais de comunicação.

Os jornalistas Daniel Mazola, Alcyr Cavalcanti, Hermano Gonçalves, Lênin Novaes, Wilson de Carvalho, Modesto da Silveira, Sérgio Caldieri e Orpheu Salles. Reunião da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI – ano 2012: (Crédito: Iluska Lopes / Tribuna da Imprensa Livre)

A ABI não é uma entidade corporativa de jornalistas, a exemplo dos conselhos profissionais (OAB, CRM, CREA…). As entidades corporativas são autarquias, criadas por lei, e visam ao disciplinamento e fiscalização do exercício profissional de cada categoria. Embora a OAB tenha, igualmente, importante papel na vida sócio-política brasileira, desempenha atividade fiscalizatória, ético-disciplinar e assistencial. É uma autarquia, embora atípica, criada por lei.

A ABI não é uma entidade exclusivamente cultural.

O Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, mais antiga entidade cultural brasileira, fundado em 1843, e do qual Barbosa Lima Sobrinho era associado e Herbert Moses fora diretor, se destacou ao longo de sua existência como entidade jurídico-cultural e construiu a estrutura jurídica brasileira no Segundo Império. Mantém seu papel institucional como entidade jurídico-cultural com relevantes serviços prestados ao campo jurídico. Mas o papel institucional da ABI é socialmente também mais amplo.

Edmundo Moniz, Helio Fernandes e Barbosa Lima Sobrinho, durante eleições na Associação Brasileira de Imprensa-ABI. (Reprodução)

A ABI é mais que um sindicato, autarquia corporativa ou entidade cultural. Trata-se de uma entidade político-cultural e assim se destacou nos seus 114 anos de existência, tendo tido na sua presidência dois intelectuais notáveis no campo jurídico e político-cultural, quais sejam, Barbosa Lima Sobrinho e Herbert Moses, dentre outros.

O jovem Samuel Wainer cochicha ao ouvido do Barão de Itararé, no banquete em sua homenagem, em junho de 1944 na Associação Brasileira de Imprensa. (Acervo da família/Reprodução)

A atual diretoria da ABI soube recolocar a ABI no seu lugar de protagonista da vida sócio-política brasileira. Sem os arroubos da militância apaixonada, soube agir quando uma multa judicial por compartilhamento de matéria de site de assessor parlamentar lhe atingia o bolso em R$ 20.000,00. Mesmo com o comportamento responsável restou a multa no valor de R$ 10.000,00. Sem tal responsabilidade o dano poderia ter atingido monta impagável, com repercussão sobre seu patrimônio, como já aconteceu com outras entidades, dentre as quais a FENAJ.

Sucedendo a atual presidência, candidata-se Cristina Serra, cuja atuação profissional é destacada. Sua participação nos debates por ocasião do golpe que destituiu a Presidenta Dilma nos proporcionou a reflexão sobre o fato de lhe terem imposto a perda do cargo à Presidenta, mas mantidos os seus direitos políticos. O estranhamento manifestado por Cristina Serra nos permitiu ver a falta de fundamento jurídico para o impeachment, pois se presente causa para a condenação a pena teria que ser imposta na sua integralidade. Ao contrário, pela falta de fundamento jurídico apenas se produziu o golpe parlamentar relativamente ao afastamento do cargo.

A ABI, entidade sócio-jurídico-político-cultural, retomou seu protagonismo na vida nacional e espero que se mantenha no rumo que voltou a trilhar.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI. Texto publicado inicialmente em O Dia.


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