Por Miranda Sá

Calculam os antropólogos que foi mais ou menos a 25 mil anos a.C. que bandos de caçadores e coletores humanos se fixaram à terra, e transformaram as reuniões em torno das fogueiras que eram circunstanciais num ritual constante e permanente. O que se tagarelava noturnamente aquentando-se ao fogo eram reportagens sobre caçadas e fantasias nascidas da escuridão e dos sonhos. Eram reportagens.

Vivia-se no Período Neolítico – a Idade da Pedra Polida -, e a narrativa dos anciãos e anciãs enumerando experiências vividas ou transmitindo mitologias ancestrais eram dirigidas aos indivíduos solteiros e aos pré-adolescentes (Darcy Ribeiro estranhou que os idosos e casados não participavam dessas reuniões numa tribo estudada por ele).

O costume mudou com o processo histórico da civilização que vem dos impérios antigos, as repúblicas gregas e romanas até hoje, mantendo a divulgação por escrito das reportagens, pelos petróglifos, tijolos cuneiformes, escritas hieroglíficas e livros em forma de pergaminhos.

Com o surgimento da imprensa, o jornal assumiu também a categoria de fogueira, aglomerando à sua volta leitores ávidos por novidades e curiosidades. Esta fogueira se estendeu para o rádio e à televisão, que reúnem grandes audiências para ouvi-las e vê-as “ao vivo”.

Infelizmente a reportagem escrita ficou na saudade. Recordo duas espetaculares delas, publicadas n’ O Cruzeiro: “100 dias na Fronteira da Loucura”, de José Leal e “Falta Alguém em Nuremberg” de Davi Nasser. Recordo também a excelência da reportagem policial que nos traz a história do meu amigo, Octávio Ribeiro, que brilhou nas páginas da Última Hora.

Uma das tiradas deste repórter é antológica. O fundador da UH, Samuel Wainer, que levou o noticiário de polícia para a capa do jornal, reclamou um dia que a reportagem se tornara rotineira, dizendo ironicamente que se resumira à queda de bêbedos. Eis que Octávio, concordando com o chefe e tomado de brios, pediu ao editor carta branca para agir.

O jovem Samuel Wainer cochicha ao ouvido do Barão, no banquete em sua homenagem, em junho de 1944 na Associação Brasileira de Imprensa. (Acervo da família/Reprodução)

Com transporte, verba e um fotógrafo (que esqueço o nome) à escolha, foi a uma colônia de pescadores que ficava na Maré, defronte à Ilha do Governador. Dirigiu-se a uma birosca, pôs uma Praianinha na mesa e convidou quem estava lá para beber. Antes de pedirem a terceira garrafa. perguntou aos presentes se era verdade que havia aparecido uma criatura assustadora na Baía.

Um dos presentes lembrou que um velho pescador havia comentado isto. Octávio mandou um rapaz chama-lo e travou com ele perguntas pertinentes ao aparecimento do bicho, e com os dados obtidos escreveu a sua reportagem. No dia seguinte, a Última Hora estampou em letras garrafais: “HÁ UM MONSTRO NA BAÍA DA GUANABARA!”

É inesquecível também a Realidade, da Editora Abril, sob a direção de Milton Coelho da Graça, falecido em 2021; orgulho-me de haver participado da Realidade Amazônia e Realidade Meio Ambiente, que proporcionaram à equipe dois Prêmios Esso de Jornalismo.

Na radiofonia restou apenas pobres reportagens esportivas, que as emissoras de tevê imitam e desenvolvem-nas visualmente. Mas, tristemente ficam limitadas ao tititi de comentaristas repetidores de frases feitas como vem ocorrendo na política.

Jornal, revista, rádio e televisão só nos acrescentam cultura através do jornalismo científico; fora disto, só o ramerrão partidário e mercenário da política polarizada; trouxe, ao pé da fogueira, somente louvaminhas aos que ocupam o poder.

Para gáudio de quem deseja se informar, temos agora a fogueira tecnológica da Internet vivendo um estágio superior da reportagem. Nas redes sociais revive a reportagem investigativa, crítica e denúncias dos malfeitos do “andar de cima”, voltando ao princípio decantado por Millôr de que “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”..

Triste, porém, é que as redes montam armadilhas criadas pelo extremismo ideológico para divulgar notícias falsas traduzidas do inglês fake news. Assim, a fraude política campeia  com um único objetivo: manter o troca-troca do bolsonarismo e com lulopetismo e vice-versa.

Assim se cola os extremistas à polarização, com o superbonder da falsidade ideológica. É hora de recuperarmos virtualmente a boa reportagem para cortar as amarras do sistema mercenário da Comunicação.

MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo. mirandasa@uol.com.br

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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