Por Carlos Mariano –
Vila Isabel, homenageando Martinho, e Unidos da Tijuca, com tema indígena, também fizeram belas apresentações.
A noite do último dia de desfile das grandes escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro foi aberta com a apresentação do Paraíso do Tuiuti. O carnavalesco da escola de São Cristóvão, Paulo Barros, fez pela primeira vez em sua trajetória um enredo de tema afro-brasileiro. Conhecido por fazer tema estrangeiros, Barros rendeu-se ao axé e à africanidade brasileira.
O Paraíso mostrou na Marquês de Sapucaí os ensinamentos dos orixás e daqueles que povoaram o mundo trazendo em suas almas a diáspora. O início do desfile da Tuiuti foi arrebatador: trazia o abre-alas que interpretava Orunmilá, o Senhor dos Segredos e do Conhecimento. Logo atrás vinha a ala guardiões da tradição, que interagia com a alegoria fazendo uma performance bonita e sincrônica bem ao estilo Paulo Barros. O que se viu em uma hora de desfile da Tuiuti foi um diálogo interessante entre uma África antiga e mítica, com uma África moderna e pop. Infelizmente o gigantismo e peso das alegorias e fantasias prejudicaram o andamento do desfile da escola, mas, sem dúvida o primeiro enredo afro-brasileiro apresentado por Paulo Barros foi totalmente aprovado.
A tradicional Portela foi a segunda escola da noite a desfilar e trouxe “Igi osé baobá”: a história das gigantescas e milenares árvores que representam a ancestralidade, religiosidade, identidade e a memória do povo africano. Destaco no desfile a bateria comandada por Nilo Sérgio, que honrou as tradições da batida portelense herdada dos seus grandes mestres do passado como Marçal e Mug. Cadência, ritmo e esmero foram algumas das qualidades apresentada pela bateria durante o desfile. Afinação e boa distribuição dos instrumentos contribuiu para um ritmo muito bom ao samba portelense, coisa que a opinião pública vinha reclamando antes do início do Carnaval.
A Mocidade Independente de Padre Miguel pisou na avenida confiando muito na força do seu samba-enredo, que fez muito sucesso no período pré-carnavalesco. Mas, o que se viu durante o desfile foi que a tão esperada explosão do arerê do refrão principal do samba não teve eco nas arquibancadas. O enredo sobre Oxóssi, orixá protetor da escola, teve uma narrativa muito linear, às vezes repetitiva, dando uma sensação de um desfile um pouco monótono e sem surpresas.
A Unidos da Tijuca, trazendo o único tema indígena do Grupo Especial, foi uma grata surpresa da noite: Jack Vasconcelos assinou o enredo Waranã – a resistência vermelha”, e o desenvolveu com muita criatividade e leveza. A Unidos da Tijuca contou, em seu bonito desfile, a história da lenda do guaraná à formação do povo Sateré Mawe. O samba, de autoria de Anderson Benson e parceria, rendeu muito bem na avenida e foi levado com muito ritmo pela bateria de Mestre Casagrande. A Tijuca fez desfie para voltar na noite das campeãs.
A Grande Rio, certamente, fez o grande desfile da noite e de todo o Grupo Especial, e é a grande favorita para conquistar um inédito campeonato para Duque de Caxias. “Fala Majeté! Sete chaves de Exu” foi o tema da tricolor da baixada. Ele foi desenvolvido com muita criatividade e inteligência pela dupla talentosa de carnavalescos da escola Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Foi um desfile apoteótico no qual Exu, pela primeira vez, teve sua história contada por uma escola de samba. O orixá foi representado em suas várias facetas representando a liberdade, a diversidade, a alegria, a bagunça, o barulho e a transformação. Em tempos de governos intolerantes espalhados no Brasil e pelo mundo foi uma mensagem muito oportuna.
O samba é um dos melhores da safra e rendeu muito bem na condução espetacular de mestre Fafá. Destaco ainda a última alegoria da escola que representava Estamira – catadora de reciclagens no lixão de Gramacho, Duque de Caxias, se comunicando com Exu, que é personificado no infinito cósmico. O legado deixado pelo desfile da Grande Rio é a desconstrução do Exu demônio construído pela Igreja Católica.
Encerrando o desfile do Grupo Especial veio a querida Unidos de Vila Isabel trazendo como tema o seu maior compositor e um dos mais brilhantes intelectuais negro do Brasil: Martinho da Vila. A Vila fez um desfilaço digno do homenageado. Destaque para o abre-alas da escola que representava o povo dos Macacos e Pau da Bandeira descendo escadas e ladeiras em defesa de suas raízes para homenagear seu poeta maior. Foi muito emocionante!
O samba de André de Diniz e Parceria rendeu muito bem na pista e fez a escola desfilar alegre e solta. Aliás, vale ressaltar que o desfile da Vila Isabel teve como uma de suas características uma certa malemolência e gingado na sua evolução. A Vila balançou devagar devagarinho na avenida como seu mestre Martinho. Pelo desfile que fez a Vila Isabel também tem grandes chances de voltar entre as campeãs.
Embora não saibamos qual será a campeã, certamente, todos nós renascemos das cinzas e somos todos vencedores, pois, o nosso Carnaval voltou e está mais forte ainda.
Leia também:
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CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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