Por Ricardo Cravo Albin –
Embora justas e adequadas, não pensem que as duas palavras acima se referem à indignação pela cidadania ultrajada. Ou pela liberação em série, suprema infelicidade do STF, dos patéticos condenados em 2ª Instância pela Lava-Jato, os de ontem, os de hoje e até os de futuro próximo.
Tampouco imaginem que estou a me referir à vergonha da insegurança pública, ao inominável abandono de itens de essência como escolas, hospitais e transportes.
Não, estes péssimos hábitos de agora são um tanto menores, mas não menos agressivos para quem cultua a cidade. É também um esboço do desprezo do poder municipal para com os adereços que mimoseiam praças e passeios públicos, ou seja, as estátuas, as obras de arte, as esculturas. Por outro lado, antepõe-se ao abandono a selvageria dos indivíduos que as golpeiam sem dó, nem piedade. Tão somente para trocá-las por míseras moedas em ferro-velho. Ou por abjeta maldade. Ou ainda para atender a colecionadores hediondos (sim, eles existem), capazes de encomendar a “bandidos” de aluguel, cometendo abismal desonestidade, a privatização de obras de arte do povo, da cidade, do país.
O historiador Nireu Cavalcanti, estimado amigo e permanente defensor da história e dos bens cariocas, denunciou recentemente o estado de descaso pela Prefeitura a que nossos acervos de rua são desterrados. O poder público municipal, à frente o Prefeito, teria que se comportar como uma zelosa dona de casa, a defender os bens públicos com, aí sim, armas em punho. Ou com muitas vassouradas. Ou até mesmo disparando bordoadas domésticas para proteger todos seus pertences. Já escrevi isso inúmeras vezes. Só que os ouvidos dos dirigentes continuam surdos e desatentos. “Moucos, muito moucos”, como vituperava minha querida mãe alagoana.
Mantenho interesse quase sacralizado por esses mimos urbanos, e costumo chamá-los de “adereços artísticos das praças”. Serão, todos eles, suas alegóricas pulseiras, seus brincos, seus colares. Indispensáveis, já se vê, à formosura de uma cidade-mulher como a nossa.
Não pretendo me dar o acabrunhamento de enumerar a destruição das centenas, talvez milhares, das joias urbanas subtraídas aos olhos de todos nós. Dói-me, em especial, a brutalidade com que pequenos adornos são destruídos pela selvageria de meliantes, que, acho, não fica atrás da olímpica desatenção municipal. Ao contrário, ambas se conjugam, e potencializam os péssimos procedimentos.
Abate-me isso, ainda mais que outros vilipêndios, como o destroçamento de peças seculares, por exemplo, as de Mestre Valentim, ícones do século XVIII, sobretudo aquelas do Passeio Público. O Chafariz dos Jacarés foi duramente agredido, com animais em bronze sem parte de rabos, dentes. Também, meu Deus, a estátua de Tritão (igualmente valentina), dentro do lago do Passeio, foi condenada a ficar cotó, com o braço de cobre cortado e roubado. Mas o crime também há de ser tributado ao descaso da Prefeitura, não só por conta do chafariz dos Jacarés, como também pelo abandono do não menos encantador chafariz do Lagarto, praticamente coberto, meses a fio, por sujeira, mato-alto, dejetos.
Paro por aqui, propondo uma brevíssima reflexão à Prefeitura: quando o poder público cuida, limpa, recompõe, o cidadão tende a limitar sua sanha destruidora.
O exemplo do metrô, bem tratado e prontamente recuperado de eventuais mal-tratos, serve como modelo. O distinto público se habitua aos bons tratos. E também os repete. Até por instinto. Ou mesmo por simples imitação. O que sempre será benéfico.
Se nossas obras públicas de arte merecessem atenções máximas em cuidados, duvido que o espírito predador prosperasse.
Talvez não estivéssemos aqui a bradar contra os péssimos procedimentos dos vândalos, que não só desrespeitam os adereços da cidade de São Sebastião, como também os menosprezam, descaracterizando-os aos pouquinhos. Em busca de reles tostões.
Publicado originalmente no jornal “Correio da Manhã” – Na página Opinião. Dia 22/11/19
*Ricardo Cravo Albin, Jornalista, Escritor e Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin
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