Por Carlos Mariano

Grande favorito desfilou no segundo dia do Grupo Acesso.

Depois de dois anos sem a catarse dos desfiles das nossas queridas escolas de samba, tivemos nos dias 20 e 21 (quarta e quinta-feira), as apresentações da Série Ouro do Grupo de Acesso, no chamado Carnaval fora de época. Passaram pela passarela Darcy Ribeiro 14 agremiações que fizeram, depois da fase mais crítica da pandemia de Covid-19, um espetáculo que, apesar de alguns problemas, honrou as tradições dessas escolas na pista.

A primeira escola que teve a responsabilidade de abrir a festa tão esperada foi a tradicionalíssima escola de Cavalcanti, a nossa Em Cima da Hora. Ela veio com reedição do seu enredo de 1984: “33 – Destino Dom Pedro II. Particularmente, não sou apreciador de reedição de enredos, acredito que os temas que já foram desfilados pela agremiação têm que ficar lá no passado para que possam ser reverenciados e pesquisados pelas novas gerações. E no caso especifico deste enredo trazido pela Em Cima da Hora, que aborda a situação sofrida e degradante do passageiro de trens suburbanos do Rio de Janeiro na década de 1980, trazer o assunto para os dias de hoje ficou um tanto anacrônico – isso não quer dizer que as dificuldades dos passageiros suburbanos de trens cariocas tenham desaparecido, mas os empecilhos são outros nos dias de hoje. Assim, o que se viu foi um desfile com enredo bem datado e sem novidades, surpresas ou inovações.

Em Cima da Hora abre os desfiles da Série Ouro do carnaval 2022 na Sapucaí – Tomaz Silva/Agência Brasil

A segunda escola da primeira noite de desfiles do Grupo de Acesso foi a Acadêmicos do Cubango. A Verde e Branco de Niterói surpreendeu muita gente quando pisou na passarela do samba. Até poucas horas antes de entrar na Marquês de Sapucaí, corria um burburinho na internet e na imprensa de que a Cubango teria grande dificuldade de se apresentar dignamente na avenida. Isso teria se originado de uma suposta insatisfação de parte da escola contra as condições de trabalho para o desenvolvimento do projeto do enredo sobre a grande atriz Chica Xavier.

Acadêmicos do Cubango – Fabio Motta/RioTur

Mas, o que se viu na pista foi uma escola pujante e bonita que, com um excelente samba defendido por Pixulé – um dos melhores puxadores de samba da série Ouro – fez um desfilaço! No entanto, problemas com acabamentos das alegorias podem afastar a Cubango do tão sonhado acesso para o Grupo Especial.

Com o enredo que abordava a história da padroeira dos pobres, “Santa Dulce Dos Pobres – o Anjo Bom da Bahia, a Unidos da Ponte de São João de Meriti fez um desfile com muitos problemas na evolução e acabamentos de suas fantasias e alegorias. Desfilou para tentar se manter na série Ouro e não voltar para a Intendente Magalhães. Porém, não sei se consegue esse objetivo.

Unidos da Ponte – Carlos Alves/RioTur

O Unidos do Porto da Pedra, o Tigre de São Gonçalo, veio com enredo sobre Mãe Stella de Oxóssi e um dos melhores sambas do grupo. O desfile teve um bom rendimento na pista em todo o seu conjunto, embora também tivesse problemas de acabamento artístico nas suas alegorias, o que pode lhe tirar décimos preciosos na luta pela única vaga de acesso para o Grupo Especial.

Porto da Pedra – Fabio Motta/RioTur

A União da Ilha do Governador, sem dúvida, foi a melhor escola do primeiro dia de desfile da série Ouro. Com alegorias e fantasias de nível de Grupo Especial, a tricolor insulana emocionou a todos com seu enredo sobre Nossa Senhora Aparecida, a Mãe preta do Brasil.

União da Ilha
União da Ilha – Fabio Motta/RioTur

A Unidos de Bangu, homenageando a figura controversa do bicheiro Castor de Andrade, fez um desfile com muitos problemas de evolução, o que fez estourar três minutos do tempo de desfile. Com fantasias e alegorias muito modestas e pouco criativas, a primeira escola da Zona Oeste, infelizmente, é uma das fortes candidatas ao rebaixamento.

Unidos de Bangu
Unidos de Bangu – Fabio Motta/RioTur

A niteroiense do Largo da Batalha, a Acadêmicos do Sossego, encerrou o primeiro dia de desfile das escolas de samba da série Ouro. Com as visões Xamânicas, a Azul e Branca fez um bonito desfile na Sapucaí já na manhã de quinta-feira (21).

Acadêmicos do Sossego
Acadêmicos do Sossego – Thiago Lara/RioTur

Segundo dia

No segundo dia de desfile e encerrando a série Ouro, veio o glorioso Império Serrano – a grande favorita ao título do acesso e a voltar a estar entre as grandes escolas no Carnaval em 2023. Contanto a história do lendário capoeirista Besouro Mangangá, o Império – que teve seu carnaval comandado pelo genial carnavalesco Leandro Vieira, o mesmo da Estação Primeira de Mangueira – trouxe para a avenida um conjunto de alegorias e fantasias espetaculares: com bom gosto estético, criativo e que contava com esmero e brilhantismo o enredo.

Império Serrano levou para a Avenida enredo contando a história de Manuel Henrique Pereira – Fabio Motta / Prefeitura do Rio

O samba, um dos melhores da safra, foi levado com muita competência e estilo por uma dupla de canários fantástica: Igor Vianna, grande puxador da nova geração (que traz no DNA o sangue de Ney Vianna, um dos grandes puxadores de samba da história do carnaval carioca) e Nego (campeoníssimo gogó de ouro, irmão de Neguinho da Beija Flor) que tem muita história como cantor dentro do próprio Império Serrano. Pelo desfile que fez, o Império é o grande favorito ao título.

Inocentes de Belford Roxo, levou para avenida um dos sambas mais bonitos do Grupo “A meia-noite dos tambores silenciosos”.

Unidos de Padre Miguel 2022: alegoria na concentração – Divulgação

A Unidos de Padre Miguel, escola que há quatro anos amarga a posição de vice campeã do Grupo de Acesso, não conseguindo voltar para o Grupo Especial e, assim, desfilar ao lado da coirmã da Vila Vintém, a Mocidade Independente de Padre Miguel, fez mais uma vez um grande desfile. A UPM contou a história de Iroko, a árvore da vida na ancestralidade africana. Mas, como vem ocorrendo em anos anteriores, esbarrou no excesso de gigantismo e peso dos seus carros alegóricos e fantasias. O carro abre-alas da escola apresentou problemas desde a concentração e pifou na pista, tendo que ser empurrado heroicamente por seus diretores de ala. O problema abriu um enorme clarão em frente à cabine de jurados, o que deve, infelizmente, custar o título de acesso.

Completaram a última noite de desfiles da série Ouro: a Lins Imperial, que fez uma bela homenagem ao saudoso comediante e sambista, Mussum, dos inesquecíveis Os Trapalhões; o Acadêmicos de Vigário Geral, que veio com um belo samba-enredo que fala da nossa Pequena África; o Acadêmicos de Santa Cruz, que fez uma justíssima e linda homenagem a um dos maiores artistas negros do século XX, Milton Gonçalves; o velho Estácio que fez um discreto cortejo, no qual reeditou enredo em homenagem ao Clube de regatas do Flamengo; e o Império da Tijuca que fez um desfilaço homenageando o nosso digníssimo Mestre Candeia – grande baluarte do samba de raiz.

Nesta sexta-feira à noite começa o desfile do Grupo Especial das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro, estaremos lá para trazer para vocês todas as emoções do maior espetáculo da Terra. Até lá!

CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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