Por Carlos Mariano –

Volta imponente da Imperatriz e desfiles da Viradouro, Salgueiro e Beija Flor são os destaques.

A primeira noite dos desfiles das escolas de do Grupo Especial do Rio de Janeiro, foi aberto com a volta da Imperatriz Leopoldinense aos desfiles das grandes escolas de samba, depois de passar um ano no grupo de acesso. E esta volta foi em grande estilo, homenageando o saudoso e espetacular artista do Carnaval Arlindo Rodrigues. Com o enredo “Meninos, eu vivi… Onde canta o sabiá, onde cantam Dalva e Lamartine”, a rainha de Ramos fez um desfilaço ao estilo do homenageado: com muito requinte nas concepções e resoluções das fantasias e alegorias. Foi ajudada – e muito – por um bonito samba-enredo que levou a assinatura solitária do compositor Gabriel Melo, coisa rara nos dias de hoje em que se formam comitês de compositores.

Imperatriz Leopoldinense abre o desfile do grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro 2022
Imperatriz Leopoldinense abriu o desfile do grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro 2022 – Tomaz Silva/Agência Brasil

Rosa Magalhães assinou a sua volta à Verde e Branco da Leopoldina um carnaval de excelência, que deve ter orgulhado o mestre Arlindo lá de cima. Destaque do desfile foi o primeiro conjunto de alegorias e fantasias, que contava a trajetória de Arlindo no Teatro Municipal, experiência que mais tarde ele aplicaria no universo das escolas de samba, ajudando a revolucionar esteticamente os cortejos carnavalescos.

A cabeça da escola estava esplendorosa: fantasias em dourado e com resoluções de muito bom gosto. Na sua volta, engalanada, ao Grupo Especial a Imperatriz fez um desfile com cara de Imperatriz, o que lhe credencia a voltar na noite das campeãs.

A segunda escola a adentrar foi a nossa querida e popular Estação Primeira de Mangueira que trazia como tema três dos maiores ícones da história da Verde Rosa e do Carnaval carioca: Cartola, Jamelão e Delegado. Destaco no desfile da Manga, a sutileza e a simplicidade com que Leandro Vieira, genial carnavalesco da escola, descreveu – em fantasias e alegorias – a vida desses três artistas negros da cultura popular. Tudo era muito simples assim como foi a vida desses três homens, mas com muita riqueza poética e lirismo. A segunda alegoria da Verde Rosa ,“As rosas não falam”, trazia um lírico, belo e perfumado jardim para falar do universo criativo de Cartola na construção de um dos seus maiores sucessos musicais.

Mangueira é a segunda escola a desfilar no primeiro dia do grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro 2022
A Mangueira este ano homenageou três grandes personalidades da escola: Jamelão, Delegado e Cartola – Tomaz Silva/Agência Brasil

Tudo foi apresentado sob o samba, de autoria de Moacyr Luz e parceria, que, apesar de bonito, não conseguiu “explodir” na avenida. E se tratando de Mangueira isso é fundamental. Talvez essa característica do samba explique o desfile morno da escola, que também fez sua evolução ser mais lenta, o que trouxe, em alguns momentos, monotonia ao desfile.

A terceira a passar pela passarela Darcy Ribeiro foi a academia do samba o Acadêmicos do Salgueiro. Com enredo “Resistência”, assinado pelo carnavalesco Alex de Souza, a Vermelho e Branco da Tijuca reverberou a luta e a coragem da população negra para garantir a preservação de sua cultura, de sua fé e do seu lugar de fala. O tema foi muito bem desenvolvido pela escola e foi muito ajudado pela boa performance do samba de autoria de Demá Chagas e parceria. O componente emoção acompanhou o desfile do Salgueiro do início ao fim. Destaco o incrível carro alegórico, o melhor da noite, que vinha no fim do desfile da Academia: “A resistência continua” que encenava manifestantes derrubando o pelourinho e o racismo. Uma cena emocionante que foi a mais impactante da primeira noite de desfile na modesta opinião deste comentarista e pesquisador de Carnaval. Assim, coloco o Salgueiro como uma das favoritas a voltar na noites das campeãs.

Salgueiro - Carnaval 202222/04/2022 Grupo Especial Sambódromo Terceiro dia do Carnaval 2022 Fotógrafo - Marco Antonio Teixeira
Terceira escola a pisar na avenida, o Salgueiro, do carnavalesco Alex de Souza, propôs uma reflexão sobre o legado dos africanos escravizados para o país, com o enredo Resistência – Marco Antonio Teixeira/RioTur

A única representante da zona sul nos desfiles das escolas de samba, a São Clemente, foi a quarta escola a desfilar. Com o enredo que homenageava o artista Paulo Gustavo que, lamentavelmente, nos deixou durante o período mais crítico da Covid-19, a escola de Botafogo fez um desfile digno, mas que teve alguns problemas de execução do projeto de enredo na avenida. O destaque ficou por conta da última alegoria da agremiação que homenageava o artista remontando os palcos e as cenografias dos seus espetáculos.

São Clemente - Carnaval 202222/04/2022 Grupo Especial Sambódromo Terceiro dia do Carnaval 2022 Fotógrafo - Rodrigo Gorosito
São Clemente no Grupo Especial, terceiro dia do Carnaval  no Sambódromo do Rio de Janeiro – Rodrigo Gorosito/RioTur

A Unidos do Viradouro entrou na passarela do samba disposta a defender seu título – e se depender do desfile tem grandes chances de se sagrar bicampeã. Com um dos sambas mais badalados do Carnaval, de autoria de Felipe Filósofo e parceria, a Vermelho e Branco de Niterói fez um desfilaço, contando com lirismo o amor ao Carnaval de 1919, logo após a pandemia da gripe espanhola. A relação com a pandemia do coronavírus traz um ingrediente extra de emoção. O samba, apesar de ser considerado o mais bonito e cantado no período de pré-carnaval, não conseguiu a tão esperada simbiose com o público. Mas em compensação, plasticamente a Viradouro fez um desfile impecável.

Viradouro - Carnaval 202222/04/2022 Grupo Especial Sambódromo Terceiro dia do Carnaval 2022 Fotógrafo - Fabio Motta
A Viradouro levou alegorias e alas com fantasias representando blocos e figuras carnavalescas – Fabio Motta/RioTur

Destaque para o primeiro setor da escola que veio todo em negro, representando a atmosfera trevosa após a passagem da gripe. Essa estética escura e sombria na cabeça do desfile me fez lembrar o carnaval de 1997 da Viradouro, assinado pelo inesquecível Joãozinho Trinta: “Trevas! Luz! A explosão do Universo” que deu o primeiro campeonato à escola de Niterói no carnaval carioca.

Beija-Flor - Carnaval 202222/04/2022 Grupo Especial Sambódromo Terceiro dia do Carnaval 2022 Fotógrafo - Douglas Shineidr
A responsabilidade de fechar o primeiro dia coube à Beija-Flor de Nilópolis, com um tema falando da cultura negra na formação do povo brasileiro – Douglas Shineidr/RioTur

Encerrando a primeira noite de desfile, a campioníssima Beija Flor de Nilópolis, a deusa da passarela, trouxe para a avenida o enredo “Empretecer o Pensamento”, do artista Alexandre Louzada, que enaltece as glórias, as histórias dos negros e assim como o Salgueiro, abordou a luta contra o racismo. Destaco o espetacular samba de autoria do saudoso J. Veloso e parceria, que foi brilhantemente defendido e cantado por uma das vozes mais emblemáticas do carnaval carioca, Neguinho da Beija Flor. Ressalto também a última alegoria da escola: “O palco das nossas vidas”. Nela, a Beija Flor homenageia a memória e o trabalho intelectual do povo preto.

No verso do carro vinha a imagem da extraordinária escritora negra Conceição Evaristo assim como a própria desfilou e foi um dos grandes destaques da Azul e Branca de Nilópolis que é, também, favoritaça à voltar no desfile das campeãs.

CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


Tribuna recomenda!