Por João Batista Damasceno –
O ano de 1922 foi emblemático na história do Brasil.
Já escrevi neste espaço sobre ocorrências relevantes cujo centenário estamos comemorando, dentre elas, nascimento do ex-governador Leonel Brizola, nacionalista e popular, do antropólogo Darcy Ribeiro, da Semana de Arte Moderna, do Levante do Forte de Copacabana e da fundação do Partido Comunista (PCB). Comemoramos também o bicentenário da data oficial de Independência do Brasil
Alusivos à Semana de Arte Moderna Ruy Castro lançou dois livros, ‘Metrópole a Beira Mar’ e ‘As Vozes da Metrópole’. Além das obras, deu entrevistas desdenhando da Semana dos paulistas quando o Rio de Janeiro já era moderno e única cidade brasileira com mais de um milhão de habitantes. Mas tais obras de Ruy Castro contrastam com três boas referências à Semana de Arte Moderna no livro ‘O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues’, de 1992. Prefiro o antigo conceito do conterrâneo Ruy Castro. A Semana sistematizou a modernidade e é, também, uma referência de 1922.
Sobre Leonel Brizola já escrevi. Pretendo tratar de cada uma das ocorrências históricas. O tema de hoje é a fundação do partido que tentou organizar o mundo do trabalho para que a própria classe trabalhadora tomasse em suas mãos o seu destino. Ontem, dia 25, completou 100 anos da fundação do PCB. Em 1947, sob o fundamento de que não era um partido nacional, a Justiça Eleitoral cassou o seu registro e, em consequência, os mandatos dos deputados eleitos: Jorge Amado, Carlos Marighella, Gregório Lourenço Bezerra, Maurício Grabois, João Amazonas, Francisco Gomes, Agostinho Dias de Oliveira, Alcêdo de Moraes Coutinho, Abílio Fernandes, Claudino José da Silva, Henrique Cordeiro Oest, Gervásio Gomes de Azevedo, José Maria Crispim e Oswaldo Pacheco da Silva. Muitos deles são personagens históricos da luta contra a ditadura do Estado Novo (1937-1945) e da ditadura empresarial-militar (1964-1985). Igualmente o mandato do senador Luiz Carlos Prestes.
A decisão estava no contexto da Guerra Fria e, simultaneamente, o Brasil, atendendo aos interesses dos EUA, rompeu relações diplomáticas com a União Soviética, reatadas no Governo João Goulart em 1961. Os membros do partido proscrito tentaram registrar um outro partido: o Partido Popular Progressista (PPP). Mas a Justiça Eleitoral lhes negou registro, porque eram comunistas.
De nada adiantou mudar o nome de Partido Comunista do Brasil (PCB) para Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com qualquer nome estava fadado a ser considerado seção brasileira da Terceira Internacional Comunista e, como parte de uma organização internacional, proibido pela legislação. Na verdade, o Brasil é que era coadjuvante da Guerra Fria, com sua soberania reduzida e subordinado à política externa estadunidense.
O poeta Ferreira Gullar, em 1982, por ocasião dos 60 anos de fundação do PCB escreveu o seguinte poema: “PCB. Eles eram poucos e nem puderam cantar muito alto a Internacional naquela casa de Niterói em 1922. Mas cantaram. E fundaram o partido. Eles eram apenas nove: o jornalista Astrojildo, o contador Cordeiro, o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa, o ferroviário Hermogênio e ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois. Em todo o país, eles não eram mais de 70. Sabiam pouco de marxismo, mas tinham sede de justiça e estavam dispostos a lutar por ela. Faz 60 anos que isso aconteceu. O PCB não se tornou o maior partido do Ocidente nem mesmo do Brasil. Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele. Ou estará mentindo”.
De 1922 a 2022 as relações sociais se alteraram. O avanço científico-tecnológico propiciou novos modos de produzir os bens destinados à satisfação das necessidades humanas e novas formas de relações de poder. A história propiciou vitórias e derrotas a projetos políticos e personagens. Mas aqueles que tinham sede de justiça e se dispuseram a sacrificar as suas vidas por ela foram vitoriosos simplesmente por terem tomado o partido dos injustiçados. Tomaram partido e lutaram e por isso são heróis.
Dante Alighieri, autor da obra ‘Divina Comédia’, que deu origem ao idioma italiano, a divide em três partes: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Mas na antessala do inferno ficam os que não podem ir para o céu ou para o inferno, recompensas de forma positiva ou negativa pelas tomadas de posições. A antessala do inferno, local de tortura, é a morada dos indecisos, dos covardes que passaram a vida ‘em cima do muro’, dos que não quiseram tomar decisões por serem oportunistas.
Se quem contar a história de nosso povo tem que falar da agremiação fundada há 100 anos ou estará mentindo, como disse o poeta, igualmente estará mentindo quem não falar daqueles que nela atuaram, com todos os dissabores que sofreram por se colocaram ao lado da luta pela dignidade da pessoa humana.
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro efetivo da ABI. Texto publicado inicialmente em O Dia.
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