Por José Carlos de Assis

Se não fosse uma brincadeira de mau gosto com mulheres mais maduras, as joias que os sauditas mandaram para Michelle Bolsonaro, descobertas pelo Estadão e Rede Globo, e denunciadas  em vários sites e blogs pelo país afora, poderiam  ser chamadas de “jóias da coroa”. Contudo, a ex-primeira dama é ainda relativamente jovem para ser chamada de “coroa”. É, simplesmente, uma cúmplice de seu marido na tentativa inqualificável de trazer o que chamam de contrabando para o Brasil.

Foi algo inédito para uma ex-primeira-dama. Os funcionários da Receita cumpriram um dever institucional e moral ao barrar a entrada das joias sem cobertura legal. Ficaram provadas, nesse caso,  duas coisas. O alto nível técnico das instalações contra contrabando instaladas no Aeroporto de Guarulhos, e, não menos importante, a demonstração, dada pelos funcionários da Receita, de incontornável resistência a pressões das mais altas autoridades da República para liberar o contrabando.

À Polícia Federal caberá a apuração rigorosa de quais os caminhos percorridos pelas joias até a chegada na Alfândega de Guarulhos, e quem participou pessoalmente das pressões para liberá-las. Vai lhe competir, também, a apuração do outro caso de entrada ilegal de um segundo conjunto de joias, das quais Bolsonaro se apossou ilegalmente,  sob alegação de que se tratava de presentes “personalíssimos”. É um engodo. Pela lei, as jóias não são personalíssimas coisa alguma, mas deveriam ser entregues ao Poder Público.

Jornais e televisões divulgaram amplamente esse caso, sem dizer, porém, que não se trata exatamente de contrabando. Ninguém, nem mesmo os sauditas, dá presentes no valor de 16,5 milhões de reais. É propina pela venda da refinaria Landulpho Alves, na Bahia, por metade do preço. O passo seguinte agora é chamar Bolsonaro para prestar depoimento à Polícia Federal. Por certo ele vai tentar dar um depoimento pela internet, desde Miami, mas, se houver a abertura de um processo no Brasil, terá de vir para responder pessoalmente à Justiça de primeira instância, porque já não tem a proteção da justiça dos privilegiados.

Nesse caso, se for eventualmente condenado, vai entrar no ciclo de apelações para instâncias superiores. Enfim, se não tiver mais apelações a fazer, terá  de  desistir de manter na cidade americana o “cercadinho” que construiu para seus seguidores, a exemplo do que fez em Brasília, e que  agora virou um centro de conspiração internacional.

Essa tentativa de trazer as joias da “coroa” para Michelle, e o fato de Bolsonaro  se apropriar de joias que considera “personalíssimas”, são, pois, oportunidades para que, eventualmente, ele seja trazido sob vara para o Brasil, como qualquer contrabandista comum. Do contrário, seria mais fácil para ele evitar o regresso ao país e prolongar indefinidamente sua presença em Miami, fugindo à Justiça brasileira, onde correm vários processos e inquéritos contra ele, não apenas das jóias.

Tenho ouvido opiniões divergentes, porém, sobre se Bolsonaro, no Brasil, representaria um risco político. É que ele ainda tem milhões de seguidores. Ou cerca de 45% dos eleitores, segundo recentes e surpreendentes pesquisas de opinião. Isso tem que ser ponderado. Tenho dúvidas de que, fisicamente aqui, ele seja menos perigoso do que nos Estados Unidos. A mitologia em torno dele poderia desabar na medida em que o povo pobre e desiludido, seu principal eleitorado, reconhecesse nele um impostor, já que ele não teria mais dinheiro público para aliciar seguidores.

A condição para um desgaste absoluto de Bolsonaro é que o programa social de Lula dê certo. Principalmente suas promessas de campanha de acabar com “a fome de 33 milhões de brasileiras e brasileiros”, bem como com a insegurança alimentar de outros 65 milhões. Para isso, uma das primeiras promessas dessas promessas a serem cumpridas dependeria de que a produção alimentar aumentasse consideravelmente a oferta de “comida na mesa dos brasileiros”. É que o Bolsa Família e os demais programas sociais em dinheiro aumentam a demanda, mas não a oferta.

Por isso tenho sustentado que o aumento da produção alimentar no país é de absoluta prioridade. Uma vez sendo resolvido, ao longo deste e do próximo semestre, haverá tempo para financiar os demais programas sociais e, finalmente, os projetos de infraestrutura. Os elos da aliança partidária e de entidades identitárias que Lula chamou para formar seu governo, com o fim de lhe garantir governabilidade,  dificilmente resistiriam a uma ruptura se falhassem seus programas sociais. Portanto, que venha em primeiro lugar o programa agrícola.

Entendo que a decisão do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, em dar prioridade aos financiamentos do banco na área alimentar, conforme acaba de anunciar, responde a esse desafio de efetivo interesse do país. Estou bem menos preocupado com o contrabando de joias de Bolsonaro do que com o estrago que pode provocar com sua tropa de nazifascistas, se ele representar um risco concreto para a estabilidade futura do governo.

Mercadante tem uma larga experiência em vários governos do PT, e está seguindo, portanto, uma estratégia clara no sentido de ancorar a estabilidade política do país na estabilidade social.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO


Tribuna recomenda!