Por José Macedo

“Si vis pacem, para bellum – Se você quer a paz, prepare-se para a guerra”, diz o provérbio latino. Há dois anos, escrevi o artigo, publicado no Jornal “O NORDESTINO”, com o título, “Além do bem e do mal”. No curso desses dois anos, tivemos, mais de 600.000 brasileiros mortos pelo vírus do Covid-19. Grande número dessas mortes tem como responsável o presidente da República, porque negou a existência do vírus, incitou a aglomerações, negou as recomendações da ciência, consequentemente, as vacinas, como único remédio para o terrível vírus. Ainda, praticou o charlatanismo, receitando remédios, além de ineficazes, produzem efeitos colaterais, acelerando a morte. Assim, imputamos ao presidente e a seu governo o crime de omissão, de responsabilidade, crime contra a saúde publica e contra a humanidade. A Organização Mundial da Saúde manifestou-se nesse sentido. A crueldade do presidente da República e de seus ministros, estes por cumplicidade, teriam de ser responsabilizados com celeridade que o caso requer. No artigo, procurei fazer uma incursão do homem, na terra, tendo como ponto de partida a Bíblia. Não faço juízo de valor sobre crenças, nessa visita ao livro mais lido e chamado de sagrado.

Começo, imaginando o Paraiso de Adão e Eva, passando por Caim e Abel, tendo como ponto de chegada o fim de tudo: o Apocalipse. A visão é catastrófica e, as coisas permanecendo, como estão, é catastrófica, sim. Basta ver a forma como o homem trata a terra e forma com extrai os recursos, não cuidando dela, comportando-se como seu predador e destruidor. A conclusão assusta, porque, nossa história é a história do ódio, da violência, da crueldade e da destruição. A natureza, que nos acolhe, que nos alimenta é maltratada. O bem, o amor e a paz procurados, são sonhos, um apêndices, dispensáveis, nessa travessia. Assim, ao que parece, antecipamos nossa permanência na terra. Pois bem, já o filósofo Hobbes, no século XVII, a quem dou ênfase, parece ter razão. Em seu “estado de Natureza”, o homem é seu destruidor e destruidor do outro, um autopredador e lobo. Nesse diapasão, imagino a posição em que nos encontramos, nessa eterna corrida, sem que possa livrarmo-nos da sentença condenatória, uma pena eterna, espécie de prisão perpétua, resultado da desobediência de nossos pais, Adão e Eva. Queiram receber essa provocação ou não! Quem não leu “O Mito de Sísifo”, Albert Camus, do escritor argelino/francês que o leia. Então, carregaremos nos ombros essa condenação por toda eternidade, por toda a vida? O conflito não é de classes, entre oprimidos é opressores?

Os ideais iluministas ainda incomodam.

Afresco de Michelangelo retratando a expulsão de Adão e Eva do jardim do Éden por seu pecado original. (Divulgação)

Na semana passada, dia 10 de novembro, uma professora de Salvador, na Bahia, foi acusada por uma aluna do colégio Estadual, Thales de Azevedo, por ministrar aulas sobre os ideais iluministas e da Revolução Francesa, falando de “Liberdade, Fraternidade e Solidariedade”. Essa aluna, acompanhada da mãe, foi à Delegacia de Polícia, no Boletim de Ocorrência, registrou acusação de que a professora estava doutrinando os alunos com esquerdismo. A Era, na qual estamos, é a da estupidez e do negacionismo, estamos marcados para a permanência na idiotia, você não pode pensar, não é permitido, tem de seguir a trilha da manada. Continuamos presos ao Estado de Natureza Hobbesiano? Hoje, dia da “Consciência Negra”, fez-me levar a refletir naqueles homens escravizados, arrancados de suas origens e, cruelmente, forçados aos caprichos e à prestação de serviços, sob o chicote no lombo, em caso de desobediência. Seus algozes eram seus donos, seus opressores, eram negociados, como mercadorias. Preliminarmente, eram esses agentes da maldade e da crueldade, absolvidos, porque os negros eram mercadorias, instrumentos de trabalho, não mereciam qualquer afeto ou compaixão, eles, os negros, “não possuíam alma”.

Vejam: Na sofrida e longa viagem entre sua origem, sua terra, os que não resistiam ao sofrimento e à dor eram lançados ao mar, sendo alimento de peixes e tubarões. O ódio, a vingança, a escravidão, a violência e a crueldade, de ontem, perduram, sim, embora sob outras formas e modos. Esses métodos e modos vigem diante de todos e nós, aqui, passivos, assistindo a esse circo de horror. Preferimos assistir a um presidente declarar elogios à tortura, homenagear ao maior torturador de nossa história, proclama que a ditadura deveria ter matado 30 mil, ensina uma criança de três anos de idade a pegar em arma. Ainda, em plena pandemia, esse presidente ri e imita um doente, morrendo com falta de ar, porque a família reclamava da falta de oxigênio e de respiradores, significa que, está mais próximo de um monstro e, de que não foi civilizado. Ah, em todo tempo, fala no nome de Deus, visita diversas igrejas e é batizado nas águas do Rio Jordão, pelas mãos de um pastor protestante, meses depois, no 12 de outubro de 2021, festa de Nossa Senhora Aparecida, vai ao Santuário, pede para ler um trecho da Bíblia e recebe a Hóstia (comunga).

O Estado brasileiro descumpre suas funções essenciais e constitucionais, como as de proteção à vida. A polícia é paga para defender a vida, sabemos, sobremodo dos mais vulneráveis. Mas, sobe aos morros, vai às comunidades de negros e pobres, local predileto, mata crianças, idosos, negros, senhoras, jovens, sem qualquer escrúpulo e critério, em seguida vai festejar como galardão e Vitória, por “seu dever” cumprido, é o restrito cumprimento do dever legal. Ali, essa policia treina, exercita-se, para mais matar e escolhe a quem matar, a escolha foi feita. Agora, diante desse desenho macabro e dantesco, o governo envia ao Congresso um Projeto de Lei, chamado de “Anticrime”. Era ministro da Justiça, o ex-juiz, Sérgio Moro, agora, pré-candidato à presidência da República. Analisei e conclui: será a autorização para que o Estado oficialize essa matança, obtenha licença para matar, é genocídio, que terá como alvo e vitima a população negra e pobre, de preferência a dos morros e comunidades pobres. Então, passemos um olhar sobre nossa história e teremos a lamentável conclusão, de que, considerando o “Bem e o Mal”, dito inicialmente, seremos condenados por nossa omissão, não cabe arguir exclusão de culpa ou de ilicitude, a história já nos condena.

Se todos somos iguais, segundo o texto constitucional, somos violentos, somos responsáveis, a consequência é uma pena, como foi no caso escrito no “Mito de Sísifo”. O cultivo do ódio está em nosso DNA, pelo menos, enquanto permanecermo-nos lobo do outro; de um lado opressores, do outro os oprimidos. Talvez, só heróis e privilegiados se salvarão dessa prisão perpétua. Ao que parece, trazemos conosco a síndrome de Adão e Eva, aqueles que foram expulsos do paraíso, por desobediência ao Senhor, proprietário daquela fruta maldita e da terra. Permaneço dando vivas a Zumbi dos palmares, aos quilombolas e a todos os negros que se rebelaram contra seus opressores

Que Deus me perdoe, quando falei do “Paraíso” e da expulsão de Adão e Eva!

JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre


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