Por José Macedo

Tudo tem seu fim e a marca do vir a ser. O título deste texto foi retirado da crítica ao capitalismo, de minhas leituras e de reflexões, pelo interesse de estudar os fenômenos da história, as relações entre o passado, o presente e o futuro. Faço citações, cujo intuito é o da contribuição para o exercício do pensar.

O texto completo do Manifesto do Partido Comunista, de 1848: “Tudo que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas”. Faço, aqui, o resgate de filósofos e pensadores, antes de tecer minhas opiniões, necessários para entendermos o momento difícil em que estamos vivendo, uma conjuntura que nos aponta obstáculos, difíceis de superação, no curto prazo. Karl Marx é um desses filósofos que vem sendo atacado entre nós pela extrema direita brasileira, tosca e estúpida. O instrumental de análise fornecido por por Marx nunca se fez tão importante para entendermos este momento difícil de compreensão.

Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V, a.C) imaginou assim na profundidade de suas observações: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez, o rio já não é o mesmo, nem tampouco o homem”.

Assim como Karl Marx, outros estudiosos sabiam que a afirmação de que “tudo que é sólido se desmancha no ar: era verdade, desde muito tempo. Tenho o hábito de visitar a Bíblia em minhas dificuldades, o livro mais completo e mais lido e descubro, em Eclesiastes: “O que foi voltará a ser, o que aconteceu, ocorrerá de novo, o que foi feito se fará outra vez, não existe nada de novo debaixo do sol” (1.9). Karl Marx, para cunhar essa frase, que uso para o título deste texto, visitou, com certeza, a história, obviamente, no tempo em que conseguiu alcançá-la. Assim é que, Rousseau, inserido nos valores iluministas, que pavimentaram a travessia e condições para a Revolução Francesa, observou o “turbilhão social” e escreveu o Contrato Social, antecipando a Revolução. Marx solidificou seu pensamento, tendo como ponto básico e de saída a Revolução Industrial, enxergando a exploração e alienação do trabalhador, o lucro do capitalista, fatores geradores das crises, que se sucederiam. A profecia repete-se, ao longo de nossas vidas. Essa visão do que é efêmero, passa então por Marx, por Marshall Bermann e Zygmunt Bauman, sem que sejam esquecidos outros historiadores e pensadores, que viram a efemeridade e as contradições da contemporaneidade.

A modernidade é inaugurada, nessa ambiência, concluindo no que é sólido se desmancha no ar.

O século XX, o da Era dos contrastes e “dos extremos” (Eric Hobsbwan), o mais curto dos séculos, de duas Grandes Guerras, da bomba atômica, prova de que nada se firma, nada é perene, tudo passa, tudo pode ser destruidor e destruído. Assim é que, o capitalismo e seu viés imperialista alimenta-se das crises e do caos que, para sobreviver, tem de ser predador e destruidor, necessitando de fazer com que tudo que produz tem de tornar-se obsoleto, imprestável, tendo de ser substituído. O capitalismo precisa ganhar dinheiro, terá de ficar nessa lógica e nessa dinâmica de criar e de destruir. Esse fetiche tecnológico é a entrada para obsoletismo, o consumismo, sob a heresia da adoração ao deus mercado. A euforia do pós Segunda Grande Guerra, a crise política da União Soviética e a queda do Muro de Berlim formaram um cenário suficiente para, em 1989, o escritor, professor e economista, Francis Fukuyama, escrever o artigo “O fim da história”. Em 1992, lança o livro, “Fim da História e o Último homem”. Esse livro foi recebido com muito reboliço e euforia, sob o entendimento de “que as forças liberais promoveram o colapso das tiranias, de esquerda ou de direita” e contribuíram para fundação de democracias liberais capitalistas que encantaram o estado terminal de um processo histórico”.

Na ocasião, eu o li com curiosidade e avidez.

Posteriormente, com crise 2007/2008, em uma espécie de autocrítica, reconheceu alguns de seus equívocos, no que as crises, a relatividade das econômicas e ao mito de que o capitalismo é eterno. As crises e abalos são imanentes ao sistema capitalista. Assim, vence então a verdade do que “Tudo que é sólido se desmancha no ar”. Neste tempo de crise sanitária encaixa-se sua vulnerabilidade e a necessidade de que sejam feitas mudanças, desmascara ainda a crença de que o liberalismo, por si só, resolve suas crises. O Sistema Capitalista, resta provado, é antropofágico, impactado por suas crises, alimenta-se de suas vísceras, parafraseando Karl Marx. Com essas pontuações, resta a necessidade de transformações, imprescindível para que a história siga, ditada por suas necessidades. Resta-me perguntar o que virá desta crise sanitária? Quem irá ganhar dinheiro com a crise pandêmica? Quais tipos relações sociais e econômicas, visão de vida e valores serão incorporados? Não me arrisco a ser futurologista, mas haverá mudanças profundas, por necessidade, repito. Teremos uma sociedade solidária, teremos um mundo sem fronteiras, uma Constituição transnacional? Não me canso de dizer que as mudanças virão por necessidade. mudando o mundo por necessidade, Teremos um mundo mais capitalista? Ao que aparece, vejo o exaurimento das forcas produtivas e psicológicas o encontro inexorável de incertezas, sem desobedecer à dialética entre passado, presente e futuro? Ou permaneceremos fracassados, o trabalhador sendo incapaz de comprar o que ele mesmo produz e construiu? A luta será a da sobrevivência, a luta de juntar os pedaços aos quais nos transformaram?

Fomos transformados em pedaços, no dizer do Papa Francisco.

Ontem, após conversar com alguns amigos, inclusive em áudios, imaginei: nossas referências filosóficas, considerando escritores e pensadores. Revisitando o iluminismo, passando pelos mentores da Revolução Francesa, os filósofos do século XIX, o próprio Karl Marx, não conseguimos eliminar as incertezas. Ser intelectual, criar o hábito de pensar, buscar a origem dos fenômenos, fatos sociais e políticos, até a crise de 2007/2008, estavam fora de moda. O intelectualismo, a ciência e a razão são rejeitados. O exercício do pensar é substituído pela aceitação de clichês e de tudo que está pronto, significando o que seja a modernidade líquida, tudo é efêmero. As pessoas preferem o consumo pronto e acabado, desde as relações sociais e dos costumes, caindo na superficialidade e na lei do menor esforço são marcas do momento. O corolário disso é de não estudar história, sociologia e filosofia. A história sem partido, sem assumir posições críticas e o objetivo, pois quem reflete e pensa se insubordina-se contra imposições e retiradas de seus direitos.

Estamos, sim nesta sociedade do fast food, o consumo rápido e fácil, onde “tudo que sólido desmancha no ar”. Diariamente, vê-se com muita frequência essa constatação nas redes sociais e nos demais veículos do comunicação.

Nas redes sociais, observamos as preferências os compartilhamentos, a fuga do ato de pensar por si mesmo. Estamos na época do fast food da produção intelectual, se assim posso dizer. Esses manipuladores de ideias rezam pelas cartilhas da grande mídia, dos Bispos pentecostais, “Bispo” Macedo, Malafaia, Valdomiro, entre outros vendedores de milagres. As Universidades já padecem dos males dessa “modernidade liquida” onde tudo se desmancha no ar e é líquidos. Assim, estamos esquecendo do exercício de pensar. Alguém tem de fazer isso, surgem então intelectuais das redes sociais, os Mários Portellas, Leandro Karnal e livros de auto ajuda. Eles fazem isso por nós massificando valores crenças. Como corolário, temos a relativização do conceito de democracia, de esquerda e de direita etc. Há dias, ouvi de uma cliente: “Pra que estudar, é melhor meu filho irá montar um negócio e, com certeza, vai ganhar dinheiro”. Então, perdemos, como consequência, a cultura dura da busca intelectual, do estudo, do esforço e da pesquisa difícil. Entramos no século das futilidades, do consumismo fácil e digerido, incluindo a educação dos filhos, da alimentação, da reflexão, da produção de ideias.

Observo esses fenômenos em todos os segmentos da vida, incluindo o direito, que, hoje, é virtual, perde a criatividade e o discurso.

Vejo neste caso o uso do lawfare, do power point, da pós-verdade, do “não tenho provas, mas tenho convicção”, das prisões preventivas e provisórias indefinidas, enfim as condenações sem provas. Então, se quero resultado rápido, tudo é válido, mesmo na dúvida. Esse é o modismo, esse a penetração do fast food em nossas vidas. Não quero investigar, se tem aparência de ser um bandido, pode “abatê-lo”. A escola sem partido está entre esses traços, ora apontados nesta análise. No início do século XX, disse Einstein: “Nossa ciência é primitiva e infantil, mas, mesmo assim, é a coisa mais preciosa que temos”. Então, definimo-nos modernos, avançamos, mas humana e solidariamente, continuamos construindo coisas “sólidas, que se desmancharão no ar”. A Era atual é a dos contrastes, a era do paradoxo, temos a bomba atômica para destruir o mundo, o que é inegável. Porém faltam seringas, faltam agulhas e respiradores para matar um vírus. A crise sanitária com seu vírus põe a nu a incapacidade do capitalismo superar crises, levando à morte milhões de pessoas. Não posso acreditar que a humanidade seja composta de imbecis, que preferem morrer sobre suas riquezas, mas presa a seu egoísmo, abandonando a solidariedade. Será que somos extremamente ocos e malucos, não entendendo que seja possível criar uma outra sociedade, capaz de enfrentar crises, conflitos, vencer a fome e seus efeitos?

O futuro dirá se não somos tão ocos e incapazes de necessárias transformações, criando um mundo diferente e solidário, justo e mais igualitário, uma nova vida que concilie natureza e nossas necessidades.

Finalizo citando o filósofo norte-americano, Marshall Bergman: “Ser moderno é viver numa época em que, “tudo que é sólido desmancha no ar”. “De repente, tenho um emprego, tenho uma casa, tenho tudo, tem um mundo, mas de repente, vc não tenho nada”. O Capitalismo tem sobrevivido, alimentando-se de seu próprio caos por ele mesmo criado.


JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.