Por Luiz Carlos Prestes Filho –
O maestro Ricardo Rocha, diretor da Sociedade Musical Bachiana Brasileira, realizou, durante a pandemia da Covid 19, a produção de quatro choros de Câmara de Heitor Villa-Lobos. O resultado permite ao ouvinte conhecer a origem deste que é um gênero genuinamente carioca e apreciar o seu desenvolvimento na música clássica. “Choro é Choro, desde 1870”, afirma o maestro.
Luiz Carlos Prestes Filho: Qual o principal objetivo na realização deste projeto?
Ricardo Rocha: Com este trabalho a Cia. Bachiana Brasileira presta uma homenagem ao compositor Heitor Villa-Lobos e a cidade do Rio de Janeiro. Foi aqui que o “Choro” nasceu. Um gênero musical carioca, assim denominado desde 1870. No século XIX o “Choro” era tocado por três instrumentos – flauta, violão e cavaquinho. Os grupos eram conhecidos como “Conjunto de Pau e Corda” ou como “Terno”. Essa formação incorporou outros instrumentos com função solista e de acompanhamento como a clarineta, o saxofone, o trompete (então chamado de pistom), o trombone e o bandolim. Para dobrar e encorpar as linhas melódicas de baixo, tocadas no violão, juntaram-se o oficleide, o bombardino e o bombardão, que são instrumentos de registro grave. Finalmente, para sustentação do ritmo veio a percussão do ganzá e do pandeiro. De vez em quando, o piano podia juntar-se mas, por sua autonomia melódica, harmônica e polifônica os pianistas acabavam tocando “Choro” sozinhos. E foi desta maneira que o “Choro” para piano, tocado nos botequins e gafieiras passou a ser chamado de “Tango”, por servir as danças. Importante destacar que esse “Tango” brasileiro não tem qualquer relação com o “Tango” argentino, que possui uma rítmica e sentimentos diferentes. Este “Choro” instrumental brasileiro terminou agregando o gênero vocal: “Seresta”. Fazendo surgir o “Choro” cantado. Com isso, ambos os gêneros passaram a representar uma nova prática de música popular. O “Choro” (alegre) e a “Seresta” (nostálgica). Foi a partir deste momento que os músicos passaram a ser chamados de “Chorões”.
Prestes Filho: Como Villa-Lobos se insere neste contexto?
Ricardo Rocha: O compositor Heitor Villa-Lobos é carioca, nasceu no bairro de Laranjeiras. Nasceu no meio de um caldeirão musical que, além do “Choro”, comportava o “Lundu”, a “Modinha”, a “Polca”, a “Valsa”, a “Mazurca”, a “Habanera”, o “Maxixe”, entre outros gêneros de diversas procedências. Para completar entra aqui a herança contrapontista do período colonial. Nosso compositor maior desenvolveu e abrasileirou essas formas populares de maneira antropofágica. Ele se antecipou nessa prática que marcaria as teses da Semana de Arte Moderna de 1922. Por outro lado, traria a influencia de Johann Sebastian Bach. Constam do seu catálogo 14 choros, mas o que temos de fato são 7 choros de câmara e 5 sinfônicos, um total de 12.
Prestes Filho: Onde e quando ocorreu a gravação?
Ricardo Rocha: Escolhemos quatro dos principais choros de câmara de Villa-Lobos. Todos foram gravados ao vivo na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, em 15 de dezembro de 2016, numa parceria da Cia. Bachiana Brasileira com a Fundação Caritas Brasil. Começamos pelo “Choro nº1”, que o maestro considerava inaugural. Depois que os outros seriam ser criados. Em termos de linguagem este, escrito para violão, em 1920, é o mais tradicional do ciclo e foi dedicado ao compositor Ernesto Nazareth. Nosso interprete: Turibio Santos, violão.
Prestes Filho: Quais foram as outras obras?
Ricardo Rocha: No Choro nº2, escrito para flauta e clarineta, acontece a passagem do solo para o duo e um salto estético, se comparar com o “Choro nº1”. Saímos de um chorinho ameno, como que tocado numa roda de amigos, para experiências ousadas de expansão da tonalidade e da bitonalidade. Acontece o embate entre a melodia da flauta e a sequência cromática da clarineta. A peça segue nesse ambiente ambíguo, em inesperadas modulações e bitonalidades que afirma a sua instabilidade tonal. Uma obra audaciosa, com uma concepção harmônica estranha para os seus contemporâneos. O “Choro nº2” revela traços brasileiros, através do contraponto rítmico entre as duas melodias. Não é por acaso que Villa-Lobos dedicou o mesmo a Mário de Andrade, que personifica o Modernismo no Brasil. Após o encerramento do “Choro nº2”, ouve-se uma melodia indígena que retornará muitas vezes na obra do maestro: “Nozani-ná”. Nossos interpretes: Marcelo Bonfim, flauta, e Cristiano Alves, clarineta.
Prestes Filho: A cada “Choro” Villa-Lobos cresce como compositor nacionalista?
Ricardo Rocha: O “Choro nº3” é pouco conhecido, o que se dá pelas dificuldades técnicas que a sua montagem impõe. Aqui o sentimento nacionalista aflora. Este é uma exceção na série de choros instrumentais de câmara, por ser o único vocal, apesar de sua estreia ter se dado instrumentos de sopro. Mas Villa-Lobos acabou por adapta-lo para coro, como seu principal interprete. Outra surpresa desta obra foi a escolha do autor, não recair sobre um coral de vozes mistas, mas tão somente masculinas. O maestro deu-lhe o sugestivo nome de “Pica-Pau”. Não apenas pelos sons percussivos que o pássaro produz, mas pelas possibilidades onomatopaicas e rítmicas que suas silabas ofereceram na composição. Esta obra é de 1925 e foi dedicada ao casal modernista: Oswaldo de Andrade e Tarsila do Amaral. Evoca sonoridades e temas ameríndios brasileiros, típicos do Mato Grosso e Goiás. Destaque para as onomatopeias que o compositor iria depois utilizar na 5º Sinfonia. Nossos interpretes: Coro masculino da Cia. Bachiana Brasileira; Paulo Passos, clarineta; Mauro Senise, saxofone; Ariane Petri, fagote; Antônio Augusto, Josué Soares e Eliezer Conrado, trompas; e Marcos Della Favera, trombone.
Prestes Filho: A “Alma Brasileira” é o ponto alto deste podcast?
Ricardo Rocha: O “Choro nº5” foi chamado por Villa-Lobos de “Alma Brasileira”. Este deve ser – até hoje – o mais executado de todos compostos pelo autor. Difícil encontrar um pianista brasileiro que não o tenha colocado o mesmo em seu repertório. Esta obra composta no ano de 1925, traz na abertura uma acentuada nota grave e um acorde forte. O maestro dedicou o “Choro nº5” ao seu patrono e mecenas, Arnaldo Guinle. Sua melodia não deixa dúvida de que veio da modinha. Nossa interprete: Tamara Ujakova.
Não posso deixar de registrar que foi através do edital Emergencial Itaú Cultural que conseguimos produzir e lançar este podcast. Para ouvir é só entrar no link:
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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