Por João Batista Damasceno –
‘Demanda opressiva’, ‘ajuizamento de ação judicial para opressão’ ou ‘acionamento opressivo’ é fenômeno pelo qual indivíduos pertencentes a grupo social específico ajuízam simultaneamente ou em pequeno lapso temporal ações distintas em regiões diversas, fadadas ao insucesso, mas visando a causar mal estar em pessoa tratada como desafeto. Nos juizados especiais cíveis o réu deve comparecer pessoalmente para audiência de conciliação ou de instrução e julgamento, sob pena de revelia.
A revelia produz a veracidade dos fatos imputados ao réu. Por isso a presença pessoal é necessária para evitar sejam os fatos considerados verdadeiros e disso possa resultar condenação. Mas, sendo propostas ações em lugares distintos o réu não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo ou quando em dias diversos tem que se deslocar por comarcas distintas, numa constante itinerância.
Para a busca de democratização do acesso ao judiciário foram instituídos os juizados especiais cíveis, onde ações com valor de até 20 salários mínimos podem ser propostas sem a necessidade de advogado. Isto serviu para favorecer o acesso indevido e os abusos de direito. Dois casos são emblemáticos no Brasil, quais seja, as ações movidas contra a jornalista Elvira Lobato e jornal Folha de S. Paulo e as ações movidas por policiais militares contra o jornal O DIA e o jornalista Cláudio Humberto.
O Código Civil diz que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem comete ato ilícito. Disto resulta dever de reparação, mesmo que seja apenas dano moral. Mas, para possibilitar reparação, o dano deve ser causado a pessoa determinada. Considerações gerais a corporações ou grupos sociais não são hábeis a causar dano ao individuo que o compõe. Quem veste a carapuça não se torna destinatário de eventual ofensa e não tem direito à reparação.
Mas, os que promovem ‘demanda opressiva’ podem ser responsabilizados civilmente. Isto porque o abuso de direito é ilícito. O exercício regular de direito é causa de exclusão de ilicitude, até mesmo de fato previsto como crime. Mas, contrariamente, o abuso de direito caracteriza conduta contrária à ordem jurídica e torna certo o dever de indenização pelo dano causado. O mesmo Código Civil que impõe o dever de reparação do dano causado a outrem, portanto pessoa determinada, diz que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Todos têm direito de ação e os juízes têm o dever de dizer o direito. Ação é poder que tem cada pessoa de exigir de um juiz lhe resolva uma demanda. O direito de ação está previsto na Constituição e nenhuma lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Mas, o direito de ação deve ser exercido atendendo-se aos fins a que se destina e à boa-fé que deve ser própria das relações sociais.
Os exemplos citados acima dos jornalistas e dos jornais que foram importunados por ‘demandas opressivas’ há de servir de padrão para todos os que forem atingidos por tais abusos. Em ambos os casos houve decisão determinando a reunião de todas as ações para julgamento por um único juiz. Mas, comprovado o abuso de direito pelos ‘demandistas opressores’, as vítimas de tais condutas ilícitas podem devolver o acionamento e, na própria cidade onde forem residentes, podem demandar todos os abusadores e obriga-los a ir ao seu município para responder pela conduta ilícita na qual tenham incidido utilizando o Poder Judiciário.
A ação judicial é direito indispensável para a garantia dos direitos decorrentes da cidadania. Mas, a facilitação do acesso à justiça não pode servir para os abusos de grupos organizados que pretendam usar a justiça para importunar eventual desafeto. Em se tratando de jornalista ou artista, o que se busca por vezes, é cercear a própria liberdade de comunicação ou expressão.
JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Juiz de Direito substituto de Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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