Por Jorge Folena

O governo Bolsonaro, que se revela uma negação sob todos os aspectos de sua administração, em particular na gestão da crise sanitária da COVID-19, não tem o direito de negar à população o acesso à vacina, qualquer seja a origem de sua fabricação e qualquer que seja a sua motivação, a qual, temos certeza, é de agir para agradar à sua equivocada torcida, que não tem o condão de representar todo o povo brasileiro, pois como disse recentemente um ministro do STF:

“O senhor governa para todos os brasileiros”.

É certo que a humanidade atravessa uma das maiores crises, entre tantas havidas ao longo da História Universal. Porém, a atual enfrenta diariamente o agravamento decorrente da pandemia, que não distingue entre ricos e pobres nem entre países desenvolvidos ou dependentes.

Mesmo diante de questões de tanta gravidade, o atual governo do Brasil opta por prosseguir com o retrocesso institucional sem precedentes, mantendo-se indiferente às dificuldades pelas quais passa a maioria dos cidadãos brasileiros. A fim de agradar a sua cada vez mais reduzida plateia, emprega com cinismo e deboche o negacionismo e a ideologização, para tratar de uma questão que, muito além da política, é um problema humanitário.

Toda a gestão da crise da Covid-19, por parte desse governo, foi irresponsável, cruel e desafiadora para os cidadãos, milhões de seres humanos deixados à própria sorte.

Não temos conhecimento de nenhuma ação coordenada ou liderada pelo Governo Federal que tenha sido empreendida para salvar vidas, sendo esta omissão que leva o Brasil a ter, por ora, quase 160 mil mortes registradas pela Covid-19 e quase cinco milhões e meio de infectados pela doença, cujas características mais particulares ainda são desconhecidas pelos cientistas.

Enquanto cientistas e governos do mundo inteiro trabalham para buscar uma vacina que lhes permita salvar milhões de vidas, o Brasil trata com menoscabo todas essas questões, ao ponto de termos um ministro da saúde infectado pela Covid-19 que recebe o ocupante da Presidência da República em sua casa, ambos sem máscara de proteção e agindo em completo desprezo pelas precauções sanitárias recomendadas pelas autoridades de saúde, o que deixa patente o seu desrespeito à população doente, às famílias que perderam pais, mães, avôs, avós, irmãos, filhos e, também, aos que ficaram sem arrimo e capacidade de sobrevivência.

A Constituição Federal estabelece que é dever do Estado garantir o direito fundamental à saúde; assim, o presidente e o seu general-dublê de ministro da saúde não podem negar à população o direito de ter acesso à vacina.

O Supremo Tribunal Federal já estabeleceu diversos precedentes que asseguram o direito humano à saúde e impõem ao Estado o dever de assegurar este direito, que deve ser garantido pela União, pelos Estados e Municípios, de forma solidária, como vemos a seguir:

“A Constituição obriga o Estado brasileiro a perseguir um modelo de atenção à saúde capaz de oferecer acesso universal ao melhor e mais diversificado elenco de ações e serviços de saúde que possa ser custeado para todos, igualmente, e para cada um, isoladamente, quando circunstâncias extraordinárias assim o exigirem.” [ADI 5.035, rel. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes, j. 30-11-2017, P, DJE de 29-7-2020.]

“Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo.”
[AI 550.530 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 26-6-2012, 2ª T,  DJE  de 16-8-2012.]

“Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo.”
[AI 550.530 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 26-6-2012, 2ª T,  DJE  de 16-8-2012.]

“O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O poder público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.” [RE 271.286 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 12-9-2000,  2ª T,  DJ  de 24-11-2000.]

Assim, quando os governadores lutam para garantir uma vacina para a população dos seus respectivos Estados, estão cumprindo o mandamento constitucional fundamental da preservação da dignidade da pessoa humana, que, no entanto, o atual ocupante da cadeira da presidência da República despreza a todo momento.

Ocorre que, muita gente que votou ou se omitiu e possibilitou a chegada ao poder dessa suposta antipolítica, que veio para “destruir tudo isso que está aí”, agora se defronta com desemprego, subemprego, cortes de salário e um sem número de perdas irreparáveis.

Por isso, é necessário que todos compreendam que promessas vagas de campanha, embasadas na negação da política, não são capazes de construir soluções duradouras para o conjunto da sociedade, pois esse é o papel da verdadeira política, que deve ser edificada pela soberania popular.

Que possamos todos aprender a diferença entre um verdadeiro projeto de governo e a pura manipulação de ressentidos. Somente assim poderemos dizer basta a este, que, sem dúvida, ao longo desses quase dois anos de pífia atividade, soube demonstrar apenas desprezo e crueldade para com os que a ele confiaram o seu voto, mas foram tratados com desprezo e sem nenhuma piedade.


JORGE FOLENA – Advogado; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor e Vice-Presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros. É colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre e dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.